texas-moody

Como alcançar a sustentabilidade em áreas de risco? No México, dois meios independentes promovem estratégias inovadoras com o setor empresarial

Consolidar um modelo de negócio que contribua para a sustentabilidade de um projeto jornalístico é uma tarefa difícil e centenas de meios de comunicação independentes na América Latina sabem disso. Mas ao tentar lançar um projeto jornalístico em uma região marcada pela criminalidade e a corrupção, os obstáculos se multiplicam.

Algumas fontes de receita que podem funcionar para a maioria das redações de pequeno e médio porte, como publicidade tradicional, publicidade estatal ou monetização de conteúdo digital, não são uma opção para meios de notícias em áreas de risco de conflitos armados ou crime organizado, devido a fatores como o medo de clientes potenciais de que sua marca seja associada a essas questões.

Na tentativa de buscar formas alternativas de financiamento, os fundadores do site mexicano de jornalismo investigativo Revista Espejo, localizado em Culiacán, capital do estado de Sinaloa, decidiram abordar os empresários locais de uma forma diferente.

Sinaloa é um dos seis estados mexicanos com restrições de viagem pelo governo dos EUA, que o qualifica como um estado com "risco de crime e sequestros". O Cartel de Sinaloa, que opera em grande parte do México e em vários países do mundo, e que é conhecido internacionalmente graças ao seu ex-líder Joaquín "El Chapo" Guzmán, deve seu nome a esse estado.

“Atualmente temos alguns patrocinadores, empresários que acreditam no projeto Espejo, nas questões que cobrimos, na forma em que abordamos a defesa dos direitos humanos, das minorias, e que acreditam nas nossas investigações que questionam o governo, a corrupção, tudo isso", disse Francisco Castro, editor digital da Revista Espejo, à LatAm Journalism Review (LJR).

O meio constatou que, mais do que clientes, os empresários de Sinaloa podem se tornar aliados no fortalecimento desse modelo de negócio, por isso implementou uma estratégia na qual ambos, site e patrocinadores, se beneficiam.

Em 2022, a Revista Espejo começou a firmar acordos com empresas e organizações empresariais para cobertura e geração de conteúdo de eventos e sua divulgação na mídia. Além de receber um pagamento, o meio aproveita o acesso aos convidados dos eventos para gerar conteúdo de interesse para seu público, enquanto ganha visibilidade entre os membros do setor empresarial.

“É como matar dois coelhos com uma cajadada só: geramos um pouco de renda e também procuramos nos posicionar como um meio de comunicação durante o evento e aos olhos dos empresários que participam”, disse Castro. “Fazemos um plano de cobertura bem estruturado e isso está dando resultado para nós.”

A mais recente cobertura desse tipo foi no fim de novembro, na 6ª cúpula anual da Associação Mexicana de Mulheres Empresárias (AMMJE) em Culiacán, sobre a qual a Revista Espejo publicou conteúdo antes, durante e depois do evento. O desafio, disse Castro, é produzir artigos que vão além do conteúdo pago. Ou seja, que sejam interessantes tanto para os organizadores do evento quanto para o público da revista.

"Não são simplesmente [notas de] publicidade. Nós vamos lá, aproveitamos e publicamos o que consideramos ser de interesse", explicou. “E no pacote também está incluído cobrir algumas das conferências.”

A proximidade com o setor empresarial tornou-se fundamental para a Revista Espejo. Por isso, em outubro de 2022, a revista decidiu fortalecer sua seção de negócios para torná-la um braço forte para a captação de recursos.

Cover of an investigation by Mexican investigative news outlet Revista Espejo

O reforço da seção de negócios da Revista Espejo inclui a produção de conteúdo especializado que seja de utilidade para o empresariado de Sinaloa. (Foto: Revista Espejo)

O fortalecimento inclui a criação de conteúdos mais especializados e mais voltados ao setor empresarial do que os publicados por outros meios de comunicação locais. Por exemplo, no começo deste ano, a Revista Espejo pretende publicar um especial sobre as perspectivas econômicas de 2023 que possa servir de guia para os empresários do estado.

“Por meio desse tipo de projeto esperamos conseguir atraí-los [os empresários] para que, quando formos conversar com eles, possamos mostrar esse leque de conteúdo”, disse Castro. “E assim, captar o interesse deles e mostrar que estamos fazendo coisas diferentes.”

Em seus esforços para alcançar a sustentabilidade, a Revista Espejo tem procurado monetizar o conteúdo através das redes sociais. No entanto, constataram que essa não é uma das opções mais viáveis ​​para veículos que cobrem ou estão localizados em regiões de risco, especialmente se forem redações de pequeno porte.

Atualmente, o meio está em processo de cumprir as exigências do Facebook para monetizar conteúdo, principalmente vídeos. Esses requisitos incluem ter um mínimo de 10 mil seguidores, atingir 600 mil minutos de vídeos reproduzidos em 60 dias e ter pelo menos cinco vídeos ativos.

Além do fato de que tentar cumprir as exigências da plataforma é um trabalho em tempo integral, a Revista Espejo, cuja equipe é formada por 10 pessoas, com apenas um responsável pelas redes sociais, constatou que alguns de seus conteúdos foram sancionados por abordar questões que violam regras do Facebook. Isso dificultou ainda mais as tentativas de monetização.

“Temos poucas mãos, somos multitarefas, então fica difícil para nós, por exemplo, manter o portal mais alimentado. Estamos tentando gerar conteúdo suficiente para ter essa mobilidade nas redes e, obviamente, conseguir cumprir esses requisitos”, disse Castro. “Mas, na verdade, para um meio de comunicação pequeno, com poucas pessoas, é muito complexo cumpri-los.”

Outro meio de comunicação que tem tido bons resultados com a criação de conteúdo para empresas é o portal Red Es Poder, meio de jornalismo investigativo sediado na cidade de Torreón, estado de Coahuila, que na última década enfrentou uma aguda crise de criminalidade.

Como resultado da assessoria recebida em 2021 no âmbito da SembraMex, iniciativa aceleradora da SembraMedia, do Border Center for Journalists and Bloggers e do International Center for Journalists (ICFJ), Red Es Poder criou um estúdio de conteúdo, onde geram projetos editoriais para sites de empresas sobre temas relacionados a seus negócios.

Esse escritório de conteúdo e um programa de adesão - também criado como parte da SembraMex - tornaram-se importantes fontes de receita para o portal, que inicialmente teve dificuldade em vender publicidade tradicional devido aos temas que aborda, como corrupção e política.

"Descobrimos na prática que é muito conveniente para um negócio, seja ele qual for, ter um blog dentro da empresa, uma página pessoal que construa conteúdo jornalístico e conteúdo editorial em geral com dados e informações relevantes para eles", disse Gerardo Pineda, cofundador do portal Red Es Poder, à LJR.

Ainda que o conteúdo produzido seja do tipo branded content (conteúdo publicitário), com o objetivo de divulgar o produto ou o serviço de cada empresa, Red Es Poder o apresenta sob a forma de jornalismo investigativo, com o rigor editorial que isso implica. Além disso, o portal é responsável por posicionar os sites das empresas nos buscadores do Google por meio de SEO.

Cover of an investigation by Mexican investigative news outlet Red Es Poder

Red Es Poder optou por investigar casos de corrupção em Coahuila e evitar cobrir temas relacionados com o crime organizado. (Foto: Red Es Poder)

Na opinião de Pineda, o fato de as empresas publicarem conteúdo jornalístico relacionado à sua área de atuação confere a elas certo prestígio e relevância. Para as empresas, por outro lado, isso tem um efeito semelhante ao do marketing B2B (business to business), por meio do qual elas conseguem tráfego para seus sites para atrair o interesse de possíveis clientes e gerar vendas.

“O B2B circula bem no LinkedIn e o cliente também o faz circular no WhatsApp. Ao mesmo tempo, serve como pretexto para se aproximar de outros empresários, como um argumento de venda”, disse Pineda. “Após alguns meses, nossos clientes começam a ver que é conveniente ter um projeto editorial [...]. A meu ver, é uma área de oportunidade maior do que a das redes sociais, porque alcança muito mais pessoas."

Com o estúdio de conteúdo, Red Es Poder tem conseguido compensar a dificuldade para vender publicidade tradicional devido ao número de visitas ao portal. De acordo com Pineda, o portal registra entre 15 mil e 20 mil visitas únicas por mês, enquanto os meios de comunicação tradicionais de Torreón atingem entre 400 mil e 500 mil, números com os quais é difícil competir por anunciantes.

No entanto, Red Es Poder conseguiu fazer alianças com empresas pequenas e médias de Torreón, como restaurantes, lojas e livrarias, para que ofereçam descontos e promoções aos membros de seu programa de assinantes.

Cobrir ou não cobrir a violência?

Para meios independentes pequenos em áreas com alto índice de criminalidade existe o dilema entre manter a sociedade informada sobre a criminalidade e tudo o que estiver relacionado a este tema ou evitar essa cobertura para resguardar a integridade de suas equipes.

Red Es Poder e Revista Espejo, em cujos estados existe uma presença significativa de cartéis de drogas, optaram por evitar ao máximo a cobertura de eventos criminosos. Enquanto o primeiro meio descarta completamente a cobertura da violência criminal, o segundo só faz a cobertura de casos de grande repercussão e, mesmo assim, com muita cautela.

“Nós cobrimos questões que têm a ver diretamente com criminalidade e com tudo isso, ou questões de impacto muito alto”, disse Castro. “Primeiro, em nossa mesa editorial, discutimos muito bem o risco que o conteúdo que está ali na mesa para publicar pode implicar. Se vemos que a integridade do repórter está em risco, então não publicamos.”

Embora a equipe da Revista Espejo não tenha recebido ameaças ou atos de intimidação diretamente, Sinaloa é um estado com histórico de violência contra jornalistas. Foi nesse estado que Javier Valdez, fundador do semanário Ríodoce, foi assassinado em maio de 2017. Sua morte foi uma das que mais chocou a comunidade jornalística do México. Em 2022, também em maio, o jornalista Luis Enrique Ramírez foi encontrado morto e com sinais de espancamento, após ter sido dado como desaparecido no dia anterior.

Por ser uma redação pequena, a Revista Espejo só pode tomar medidas preventivas para cuidar de sua equipe e proteger sua segurança digital em meio a este clima de insegurança. Castro admite que proteger seu site de possíveis hackers exigiria um forte investimento e pelo menos uma pessoa dedicada em tempo integral, o que no momento eles não podem pagar.

“Realmente não investimos nisso porque seria um investimento muito caro e somos um meio pequeno que realmente não pode se dar ao luxo de ter equipamentos muito sofisticados”, disse o jornalista. “Tem uma pessoa que nos dá o serviço de suporte e também da segurança [digital], mas é alguém quase pago por evento [...]. Mas acho que precisaríamos de uma pessoa e de investimento em algum software em termos de servidores.”

Red Es Poder, por sua vez, tem sido vítima de ataques virtuais e atos de intimidação, mas Pineda considera que estão mais relacionados à cobertura de casos de corrupção no governo local.

O jornalista contou que o site do portal já foi retirado do ar. E em 2017, após a publicação de uma reportagem que revelava um conflito de interesses de um deputado local que tinha um cartório além de seu cargo legislativo, pessoas não identificadas entraram na casa de um dos sócios do portal e deixaram uma ameaça.

Periodista mexicano Javier Valdez

O jornalista Javier Valdez foi assassinado em Sinaloa em 15 de maio de 2017. Sua morte foi a que mais provocou comoção entre a comunidade jornalística mexicana. (Foto: Facebook)

A violência e as tentativas de silenciar o portal também têm sido realizadas do ponto de vista econômico. Segundo Pineda, eles têm recebido propostas atraentes de compra de publicidade que, no final das contas, acabam sendo tentativas de controlar o conteúdo do portal. Ele contou também que receberam uma proposta para se tornarem uma unidade de investigação do jornal El Siglo de Torreón, um dos meios de comunicação tradicionais mais importantes do estado. Mas a condição era abandonar o projeto Red Es Poder.

“[A violência] não se reflete tanto na polícia procurando ou vigiando você, mas na violência econômica, como no controle sobre os meios e, por sua vez, no controle que os meios têm sobre os jornalistas", disse Pineda. “Há muito disso, que eu considero como um nível de violência, talvez baixo, mas que continua sendo censura.”

Embora Red Es Poder tenha se tornado conhecido nacionalmente por suas investigações sobre casos de corrupção, Pineda disse ter aprendido que empresários locais e clientes potenciais acham mais atraentes as investigações jornalísticas que, mais do que causar escândalos políticos, são úteis para a população.

As duas últimas investigações que fizemos foram sobre o governo do [ex-governador] Miguel Riquelme e os empresários nos veem um pouco como 'é melhor eu não me meter'”, explicou Pineda. “A opinião geral é que não é conveniente para ninguém se colocar em uma situação desconfortável com o poder, mas estamos percebendo que fazer uma investigação jornalística que seja útil, mais do que politicamente escandalosa, pode ser conveniente para a sociedade, e os empresários gostam disso. Também encontramos áreas de oportunidade nesse sentido.”

Artigos Recentes