O jornalismo colaborativo, perspectivas feministas, redações diversas e o apoio de jornalistas locais são práticas que podem contribuir para coberturas melhores sobre a migração, de acordo com jornalistas da América Latina e Espanha que participaram do 7º Congresso de Jornalismo de Migrações, realizado na semana passada na cidade de Mérida, Espanha.
Jornalistas do mundo hispânico participaram de painéis e conversas em que compartilharam experiências e melhores práticas em torno da cobertura jornalística sobre migrações.
A jornalista mexicana Rocío Gallegos, diretora do portal digital de jornalismo investigativo La Verdad, de Ciudad Juárez, México, falou sobre a importância das colaborações e parcerias para melhorar a cobertura de fatos relacionados à migração.
Gallegos explicou como as alianças colaborativas que La Verdad fez com o veículo El Paso Matters, de El Paso, Texas; e com a agência de apoio ao jornalismo investigativo colaborativo Lighthouse Reports, dos Países Baixos, possibilitaram a produção de uma investigação forense que alcançou resultados que um único veículo não teria conseguido.
Trata-se de "A eles não vamos abrir... O que aconteceu na noite do incêndio na unidade migratória em Ciudad Juárez?", uma reportagem multimídia que revelou abusos e omissões das autoridades em uma unidade migratória na fronteira entre México e Estados Unidos, onde 40 migrantes morreram sem conseguir escapar de um incêndio.
"Tínhamos claro que precisávamos fazer uma reconstrução daquele momento para poder responder, mas também sabíamos que La Verdad não conseguiria fazer isso sozinho", disse Gallegos durante o painel "O desafio de investigar com outras". "Buscamos aliados com habilidades diferentes das nossas que fossem complementares e, sobretudo, com possibilidades de compartilhar financiamento".
A jornalista disse que, nessa colaboração tripartite, seu veículo contribuiu com o conhecimento do caso e do território, as fontes e os repórteres para realizar a investigação. O El Paso Matters, disse, trouxe sua experiência em coberturas migratórias e transfronteiriças, enquanto o Lighthouse Reports forneceu ferramentas, tecnologia e financiamento para realizar uma reconstrução forense.
Graças a essa reconstrução, a reportagem conseguiu desmentir as versões oficiais sobre o incêndio e demonstrar que as mortes dos 40 migrantes poderiam ter sido evitadas.
Gallegos afirmou que, para um veículo pequeno e independente como La Verdad, fazer jornalismo colaborativo com organizações que não são meios de comunicação permite trabalhar com mais liberdade do que se estivesse colaborando com um grande veículo.
"Tivemos a experiência de trabalhar apenas com grandes veículos, onde eles chegavam e diziam 'essa é a visão, é isso que queremos'", disse. "Trabalhar com uma organização que não é um meio [jornalístico], mas que está ali para fomentar a colaboração, nos permitiu fazer isso com mais liberdade, nos permitiu ter um espaço para nos ouvirmos como iguais".
Incluir jornalistas locais em equipes colaborativas de reportagens investigativas sobre migração também é de grande valor para somar vozes que, de outra forma, passariam despercebidas, disse Ángela Cantador, jornalista do Centro Latino-Americano de Investigação Jornalística (CLIP), no mesmo painel.
Cantador e Jesús Escudero, jornalista espanhol e pesquisador de dados do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês), apresentaram o projeto "Trailers, armadilha para migrantes", realizado por ambas as organizações em parceria com Noticias Telemundo, a organização neerlandesa especializada em jornalismo com fontes abertas Bellingcat e os veículos locais Pie de Página, Chiapas Paralelo, En un 2×3 Tamaulipas, além de Plaza Pública, da Guatemala; e Contracorriente, de Honduras.
A investigação revelou que o tráfico de pessoas em caminhões de carga com condições precárias e perigosas desde a América Central até os Estados Unidos era mais comum do que se havia documentado até o momento. Isso aconteceu após a morte, em 2023, de 53 migrantes que viajavam presos em um trailer encontrado em San Antonio, Texas. As organizações buscaram coletar depoimentos de outros migrantes que haviam viajado em condições semelhantes, por isso sabiam que precisavam ter um enfoque transnacional, mas também investigar de forma hiperlocal nos países de origem da maioria dos migrantes que cruzam o território mexicano.
"A importância e o que pode resultar dessa colaboração é talvez encontrar esses relatos que às vezes passam despercebidos, porque sempre se tende a ir às vozes que se considera importantes, mas a verdade é que existem muitas outras", disse Cantador. "Quando você está trabalhando com jornalistas locais que conhecem a área e têm acesso às comunidades e a certas fontes, você pode buscar esses relatos que também importam".
A jornalista mexicana Marcela Turati disse que sua maneira de realizar investigações de grandes dimensões e longo prazo é formando coletivos de jornalistas que investigam o mesmo tema de diferentes perspectivas.
Turati, autora do livro "San Fernando: Última Parada", sobre assassinatos e desaparecimentos de migrantes no México, fundou o coletivo Másde72 com um grupo de colegas que também cobrem desaparecimentos de pessoas. O objetivo era, principalmente, ajudar uns aos outros em suas investigações e oferecer apoio em questões de segurança.
"Essas matérias são caras, são de muito longo prazo. Eu as fui fazendo em coletivo porque não conseguia fazer sozinha", disse Turati no painel "Lutos incompletos: desaparecidos na rota migratória". "O que fazemos em rede é tentar nos proteger, porque o tema da segurança é muito importante. Tentamos oferecer monitoramento, mesmo que não nos conheçamos, mesmo que estejamos em partes diferentes do país".
A migração tem um forte componente de gênero, se levarmos em conta os motivos pelos quais as pessoas migram, disse a jornalista espanhola María de los Ángeles Fernández, coordenadora da revista digital feminista Pikara Magazine e cocriadora do veículo espanhol especializado em migração desplazados.org.
Existem motivos pelos quais as mulheres migram que não se aplicam aos migrantes homens, como casamentos forçados, violência doméstica, perseguição por sua identidade de gênero ou para fazer parte de cadeias globais de cuidados, disse Fernández.
"A perspectiva feminista nos acrescenta não apenas o controle do sistema clássico típico de poderes que podemos entender, mas também analisar outro eixo de poder que para mim é claro, que é o patriarcado", disse Fernández no painel "Precisamos de perspectivas feministas no jornalismo de migrações". "Inserir essa perspectiva ajuda a repensar novas perguntas, buscar novos temas, novas abordagens".
Luciana Peker, jornalista argentina especializada em temas de gênero, disse no mesmo painel que a agenda do jornalismo feminista não deve abordar apenas temas de mulheres e da diversidade sexual, mas deve ter uma abordagem transversal, em um momento em que governos de extrema direita estão tomando posturas violentas contra os migrantes, similares às adotadas contra os movimentos feministas.
Por isso, acrescentou, adotar uma perspectiva feminista permite antecipar a aparição de possíveis cenários de violência.
"Acho que se volta a monopolizar a visão, a escrita e a análise política a partir de uma masculinidade que não está entendendo a dinâmica do mundo em que vivemos", disse Peker. "Hoje, perder uma perspectiva feminista é perder a capacidade de antecipar de onde vêm as novas violências".
Peker disse que é necessário motivar as audiências a consumir meios que cobrem migração e feminismo, assim como a ler jornalistas migrantes mulheres da América Latina, pois é importante que essas vozes sejam apoiadas.
"Em tempos em que se conta quantas vezes uma matéria é lida, vamos mostrar que nos importa a voz dos migrantes, que as lemos e que queremos ouvi-las", disse.
No painel "O desafio de construir redações diversas", discutiu-se a importância de que os veículos que cobrem temas de migração tenham redações diversas, já que isso influencia as narrativas abordadas na cobertura migratória.
Para a jornalista e professora da Universidade Autônoma da Cidade do México Amarela Varela, a diversidade em uma redação não se trata de cumprir uma cota racial ou de gênero na equipe, mas de garantir que as pessoas que tomam as decisões editoriais incluam pessoas diversas e estejam mais abertas a dar voz a todos os tipos de grupos populacionais nas coberturas.
De acordo com Varela, quando no México se cobrem fenômenos migratórios como a Caravana Migrante — a travessia massiva de migrantes provenientes da América Central para os Estados Unidos a cada ano —, os veículos tendem a dar voz a instituições, funcionários e especialistas, mas raramente aos migrantes.
"O migrante é visto como um cliente da indústria do tráfico, alguns o tratam como objeto de estudo, como nós, as acadêmicas", disse. "Outros o tratam como fonte, como uma vítima a ser protegida e tutelada, mas quase nenhum migrante é considerado protagonista, dono de seu conhecimento ou capaz de dirigir redações".
O jornalista Nacho Calle, diretor-adjunto do veículo digital espanhol Diario Público, falou no painel sobre a importância de construir redações diversas além da contratação de pessoas de grupos populacionais específicos, mas através da formação das equipes em perspectivas de diversidade.
"Um jornal não é feminista só porque todas as trabalhadoras são mulheres. É preciso formar em feminismo e escolher pessoas com perspectiva feminista", disse Calle. "Vimos veículos que tentam se passar por feministas porque são dirigidos por uma mulher. E isso não é uma condição per se".
A jornalista colombiana Andrea Aldana, que vive no exílio na Espanha, criticou o fato de que, nesse país, majoritariamente, apenas repórteres espanhóis cobrem o tema da migração.
"Entendo que a migração é coberta apenas por jornalistas espanhóis porque eles são receptores do fenômeno. Guardadas as proporções, é como se [os temas de] gênero fossem cobertos por um homem", disse Aldana no painel "Sou migrante e continuo sendo jornalista". "Por que nas redações da Espanha não há jornalistas migrantes cobrindo migração, quando Madri e a Espanha estão cheias de jornalistas migrantes?".
PorCausa, organização sem fins lucrativos sediada na Espanha focada em temas de migração e organizadora do Congresso de Jornalismo de Migrações, compartilha há quase 10 anos suas reportagens e investigações sobre o tema da migração com uma rede de jornalistas e veículos ibero-americanos.
A metodologia da porCausa, chamada de narrativa circular, busca frear o discurso de ódio e mudar a percepção majoritária sobre as migrações através de uma combinação de enfoques jornalísticos e acadêmicos, de acordo com Lucila Rodríguez-Alarcón, diretora-geral da organização.
A narrativa circular se chama assim porque é um processo de investigação, desconstrução e reorganização de informações que se repete quantas vezes for necessário até encontrar uma linha narrativa do que se deseja transmitir, explicou Rodríguez-Alarcón.
Em setembro deste ano, a PorCausa apresentou a reportagem "Migrações: Chaves para um discurso político humano e eficaz", que propõe uma visão alternativa para enfrentar o desafio da mobilidade humana, através de exemplos de formas diferentes de agir que foram bem-sucedidas.
A reportagem surgiu após a organização constatar que o Chile — país ao qual foram prestar consultoria para uma fundação local — vivia uma situação de narrativas em torno da migração muito semelhante à que se vivia na Espanha há 10 anos, quando partidos de extrema direita disseminaram discursos anti-imigração repletos de demagogia e informações imprecisas, explicou Rodríguez-Alarcón. A reportagem não se foca especificamente no Chile, mas é uma compilação de enfoques narrativos aplicáveis à América Latina.
"Como a migração no Chile foi muito rápida e a extrema direita está gerando uma narrativa muito forte, essa narrativa já está ganhando muita força", disse. "Decidimos oferecer nosso conhecimento e nossa metodologia com a intenção de que se crie um espaço para recuperar informações de qualidade e, além disso, que essas informações cheguem ao público alterando o marco narrativo imposto por um aspirante a candidato político da extrema-direita".
A diretora da PorCausa disse que estão trabalhando em outra reportagem especificamente sobre o Chile, programada para ser apresentada em abril de 2025.
"Vamos continuar trabalhando como estamos nas redes de jornalismo na Ibero-América", disse Rodríguez-Alarcón. "As redes de jornalismo são a força".