Durante dois dias, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), com sede na Costa Rica, realizou uma audiência pública sobre o caso contra o Estado colombiano pelo assassinato do jornalista Nelson Carvajal Carvajal, ocorrido no dia 16 de abril de 1998.
O caso foi apresentado à Corte pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em outubro de 2015 ao considerar que não houve uma investigação “séria, diligente e oportuna” por parte do Estado para determinar o que se sucedeu no crime contra Carvajal em um contexto em que se apresentaram ameaças e hostilidades alos familiares do jornalista.
Para a CIDH, a falta de investigação e de proteção aos familiares, assim como a impunidade do crime tiveram “um efeito amedrontador e intimidante” para que a família continuasse com o processo legal, assim como para os jornalistas da área.
Segundo a CIDH, a entidade conseguiu “determinar que existiam elementos de condenação suficientes e consistentes […] para concluir que o assassinato de Nelson Carvajal Carvajal foi cometido para silenciar seu trabalho como jornalista na revelação de atos ilícitos cometidos sob o amparo de autoridades locais, e que existia uma série de indícios sobre a participação de agentes estatais que não foram investigados com a devida diligência”.
Estes argumentos foram expostos pelo Relator Especial para a Liberdade de Expressão da CIDH, Edison Lanza, durante a apresentação de seu caso na audiência do último 22 de agosto.
Lanza assinalou que Carvajal “foi assassinado por seu trabalho como jornalista investigativo, vinculado com investigações de corrupção política e do crime organizado” e o categorizou como um caso “emblemático da violência contra jornalistas e da subsequente impunidade que caracterizou este tipo de crimes na Colômbia durante mais de duas décadas.”
O Relator disse também que, na época do assassinato de Carvajal, a Colômbia era o país mais perigoso para exercer o jornalismo no hemisfério, e que segundo registros especializados entre 1977 e 2015 ocorreram 152 homicídios de jornalistas no país. Em apenas quatro destes casos se conseguiu condenar toda a cadeia criminosa, disse o Relator citando o especialista Germán Rey.
“O certo é que, a 19 anos do assassinato de Nelson, a investigação iniciada por estes fatos parece ter acabado em esquecimento e corre o risco de prescrever sem que se conheça a verdade do que aconteceu e sem que se determine algum responsável material ou intelectual. Não há responsáveis nem explicações às vítimas nem à sociedade por um crime aberrante, contra a liberdade de expressão e contra a democracia”, disse o Relator.
Para Lanza, com este caso a Corte IDH tem a possibilidade de criar jurisprudência.
Durante o primeiro dia de audiência, Judith Carvajal, uma das irmãs do jornalista assassinado, relatou que não apenas os fatos relacionados ao crime, como também o impacto que este teve em sua família, que se viu obrigada a sair do país por ameaças relacionadas à sua própria investigação do crime. Ela assegurou que mataram seu irmão por "defender o povo e denunciar a corrupção", e pediu "justiça" à Corte.
Judith Carvajal assegurou que em vista do pequeno avanço na investigação do crime contra seu irmão, a família fez investigações por conta própria, que os levaram a se reunir com membros da guerrilha. Segundo ela, toda a informação adquirida foi entregue às autoridades colombianas.
Também foi apresentado o testemunho do Estado, uma fiscal envolvida na investigação do homicídio, que explicou por que, no conceito do Estado, que a Colômbia realizou todos os passos para resolução do crime.
No entanto, segundo a SIP, entidade que representa as supostas vítimas do caso perante a Corte, os juízes "foram duros ao entrevistá-la, especialmente ao não poder entender como as hipóteses de investigação foram lineares, ao invés de paralelas, e como agora, a ponto de o crime prescrever, a situação continuava a mesma de 19 anos atrás”.
O perito apresentado pela CIDH, Carlos Lauría, ex-diretor do programa para as Américas do Comitê para a Proteção dos Jornalistas, ofereceu uma visão geral do contexto de violência vivido na Colômbia, os altos níveis de impunidade nos crimes contra jornalistas no país, assim como as falhas no mecanismo de proteção.
Tanto nas considerações finais como na apresentação, os representantes do Estado asseguraram que a Colômbia não tem nenhuma responsabilidade internacional devido ao fato de terem sido realizadas diligências para tentar esclarecer o crime e porque não havia uma "responsabilidade direta" de funcionários do Estado no crime contra o jornalista.
Sobre a possibilidade de prescrição do caso – uma vez que já passaram 19 dos 20 anos para resolução do caso – eles asseguraram que existem mecanismos para impedi-la.
O Estado pediu à Corte para não condenar o país somente com o propósito de "criar jurisprudência" especialmente porque, segundo uma das agentes do Estado, a Colômbia fez grandes avanços na proteção de jornalistas. Também foi ressaltado como, por exemplo, durante 2016 não houve nenhum assassinato de jornalistas no país por causas relacionadas ao trabalho, e como o tempo de prescrição em crimes contra jornalistas aumentou para 30 anos.
Em suas observações finais, durante o segundo dia de audiência, a CIDH, por meio do Relator Lanza, assinalou que os Estados não podem ter um "padrão duplo" ao não fazer investigações diligentes e ao mesmo temo firmar uma resolução na OEA onde se compromete a respeitar a liberdade de expressão.
Lanza solicitou à Corte que declare a “violação de direitos à vida, acesso à justiça e liberdade de expressão, integridade pessoal e livre residência e circulação pela falta do cumprimento do dever de investigar com a devida diligência e julgar e sancionar a todos os responsáveis o assassinato de Nelson Carvajal Carvajal e proteção aos familiares do jornalista em sua luta por verdade e justiça”.
Também solicitou que se estabeleça que o crime contra Carvajal fez parte de um "padrão de graves violações de direitos humanos contra jornalistas da Colômbia".
As partes envolvidas no caso têm até o dia 25 de setembro para enviar suas alegações finais por escrito à Corte. Apenas depois disso a Corte vai analisar e eventualmente proferir a sentença.
Um crime sem resolução
Nelson Carvajal Carvajal foi assassinado em abril de 1998, quando saia da Escuela Los Pinos – que havia fundado e onde era professor – no município de Pitalito, departamento de Huila, quando um assassino disparou contra ele sete vezes.
Carvajal, de 37 anos, era diretor do noticiário Momento Regional e de outras radiorevistas da região. Segundo a Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP) ele sempre “se destacou por suas fortes denúncias de corrupção da classe política local e de prováveis relações com diferentes com diferentes atores armadas”.
A SIP, que investiga o caso desde 2002, disse que a investigação do crime teve “irregularidades” que incluem a mudança de quatro fiscais, um dos quais recebeu ameaça de morte. A organização também ressaltou como as pessoas relacionadas ao crime foram absolvidas, incluindo o suposto autor intelectual.
Por essa razão, sua chegada à Corte representa para a SIP um “marco na luta contra a impunidade”.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.