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Deputados governistas uruguaios querem criminalizar criação e disseminação de notícias falsas durante campanhas eleitorais

Durante 2024, o Uruguai, assim como outros países da América Latina, está passando por uma campanha eleitoral que antecede as eleições presidenciais de outubro. Preocupados com o contexto de polarização política – em nível mundial –, deputados governistas estão tentando criminalizar a geração e a disseminação de conteúdo enganoso durante esse período.

projeto de lei, que foi apresentado recentemente pelos deputados Rodrigo Goñi, Sebastián Cal e Felipe Schipani, contém um único artigo.

Voting ballot box in the 2014 general elections in Uruguay

Votação durante eleições de 2014 no Uruguai. (Fisicamartin, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons)

Ele visa punir qualquer pessoa que gere ou dissemine conteúdo materialmente enganoso por meio de imagens, sons ou vídeos, com o objetivo de causar danos a um candidato ou produzir desinformação notória em relação à campanha eleitoral, com uma pena de seis meses a dois anos de prisão.

O período estabelecido pelo projeto de lei é limitado a três meses antes das eleições presidenciais e um mês após essa data. Também foi esclarecido que não constituirá conduta criminosa quando o conteúdo for paródia ou sátira, e que os meios de comunicação e as plataformas digitais estão isentas de responsabilidade.

Em entrevista à LatAm Journalism Review (LJR), Goñi disse que o projeto de lei se concentra em notícias falsas geradas com inteligência artificial (IA), também conhecidas como deepfakes.

"A IA aumenta a capacidade de falsificação, neste caso fazendo com que [candidatos] digam e façam coisas que não disseram ou fizeram de uma forma que é quase imperceptível se é real ou não", disse ele. É por isso que o deputado está preocupado com o amplo acesso da sociedade a essa ferramenta e com o importante papel das redes sociais no debate público e nas campanhas eleitorais.

Organizações locais da sociedade civil que defendem a liberdade de expressão e o direito à informação pública rejeitaram a proposta por não estar de acordo com padrões internacionais. Elas afirmam que a criminalização não é a solução para a criação e a disseminação de conteúdo falso.

Goñi afirmou que há uma disposição no Parlamento para avançar com a proposta e que eles esperam que ela seja aprovada antes das eleições presidenciais no Uruguai em outubro.

IA e a campanha eleitoral no Uruguai

"Não há nenhuma organização séria no mundo que não alerte sobre os graves riscos das notícias falsas para a transparência de uma campanha eleitoral e a eventual distorção da vontade popular", disse Goñi.

A regulamentação legal sobre a criação e a disseminação de notícias falsas, de acordo com o deputado uruguaio, busca minimizar o problema e evitar o risco que elas podem causar.

Ele também disse que as sanções penais são o caminho certo a seguir porque "em um mundo onde a polarização [política] é a regra, somos capazes de qualquer coisa para aniquilar o adversário. Podemos pensar que as penalidades financeiras serão suficientes? Acho que não”.

O importante, de acordo com Goñi, não é apenas a informação, mas "a autenticidade e a veracidade do que é dito como um valor social essencial para a coexistência".

O deputado disse que pratica a "governança antecipatória", uma forma de evitar os riscos que podem surgir, nesse caso, do uso de IA para gerar notícias falsas sobre candidatos.

Impacto na liberdade de expressão e na prática jornalística

"Propor a prisão pela criação e disseminação de notícias falsas é algo que não é feito há muitos anos na região e vai contra todos os padrões internacionais de liberdade de expressão", disse Fabián Werner à LJR.

O presidente do Centro de Arquivos e Acesso à Informação Pública (Cainfo), organização local que esteve presente na comissão parlamentar onde a proposta foi discutida, disse que esse "projeto de lei é totalmente desproporcional. É uma medida que busca atacar ou combater uma situação que atualmente não está sendo tratada em tal escala no Uruguai".

Gustavo Gómez, diretor do Observacom, disse a mesma coisa sobre a criação e disseminação de notícias falsas ou deepfakes na campanha eleitoral do Uruguai.

"Nenhuma das pessoas que participaram das audiências disse que isso é um problema ou uma ameaça no país. Não há fenômenos generalizados de uso de bots e trolls para afetar candidatos, partidos políticos ou governos", disse ele à LJR.

Gómez também não acha apropriado "aprovar uma lei toda vez que uma tecnologia aparece, e nesse caso não é uma tecnologia, é uma reação à criação de deepfakes".

Large chamber of government with empty seats

Câmara dos Deputados do Uruguai. (Nachy7, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons)

Werner advertiu que será muito difícil rastrear quem criou e disseminou as notícias falsas e que "isso criará um fórum privilegiado para candidatos de partidos políticos, quando os padrões internacionais dizem o contrário, já que as pessoas na política durante a campanha eleitoral estão sob o maior escrutínio".

Outra observação feita pelo presidente da Cainfo sobre o projeto é que as pessoas se autocensurarão antes de publicar uma opinião ou notícia sobre um candidato.

"Isso cria o perigo de ser mandado para a cadeia quando as campanhas eleitorais deveriam ser um debate animado e vibrante em que as pessoas participam e trocam opiniões", acrescentou.

É por isso que Werner disse que "a principal consequência de uma lei como essa é a possibilidade de as pessoas optarem por não participar do debate público".

Gómez acrescentou que a indefinição e a falta de precisão da lei afetarão a liberdade de expressão, inclusive a prática jornalística, porque um jornalista pode divulgar conteúdo falso tão bem feito que não percebe que é falso.

Gómez disse que pode haver sanções para a criação de notícias falsas, mas elas não precisam ser sanções criminais, podem ser sanções civis, multas ou sanções reparatórias. Por exemplo, em vez de retirar o conteúdo, sinalizá-lo, contextualizá-lo e avisar o usuário de que o conteúdo foi manipulado.

Tanto Gómez quanto Werner disseram que as plataformas de redes sociais deveriam ser obrigadas a ser transparentes, pois podem ser muito úteis no fornecimento de informações para identificar as pessoas que originaram uma publicação com conteúdo falso. No entanto, o projeto de lei proposto por Goñi e outros deputados, de acordo com Werner, isenta completamente as plataformas.

Recomendações para prevenir e combater desinformação nas redes

O presidente da Cainfo fez algumas recomendações para prevenir e combater a criação de notícias falsas fora da esfera criminal.

A primeira coisa que ele disse é que é "inevitável negociar com as plataformas" das redes sociais, pois elas são as grandes intermediárias entre criadores e públicos.

"As plataformas se beneficiam porque aqueles que espalham notícias falsas pagam por elas. Há um grande negócio aí, então temos que negociar uma solução que inclua as plataformas", acrescentou.

Ele também se referiu à "alfabetização digital" como um caminho já seguido por outros países para educar sobre o uso das redes sociais. E no caso de o delito já ter ocorrido, Werner considerou que é mais apropriado seguir a via civil do que a criminal.

Além disso, desde 2019 a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) tem um guia para garantir a liberdade de expressão contra a desinformação deliberada em contextos eleitorais, que pode ser consultado aqui.

Traduzido por Carolina de Assis
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