A desinformação nas eleições do ano passado no Brasil e a resposta dos jornalistas a ela foi um tema de destaque na cúpula mundial sobre checagem de fatos Global Fact 10, realizada em Seul no final de junho.
A décima edição da Global Fact foi organizada pela International Verification Network (IFCN), e reuniu mais de 500 jornalistas, pesquisadores e representantes de empresas de tecnologia da capital coreana, contando também com transmissão online ao vivo.
Em pelo menos três painéis ao longo dos três dias de conferência foram discutidas as ferramentas, técnicas e colaborações utilizadas por jornalistas brasileiros para abordar os problemas eleitorais que enfrentaram em 2022.
A reunião também serviu para os participantes cobrarem a responsabilização de plataformas de mídia social que têm cumprido um papel significativo para possibilitar a disseminação de desinformação em vários países.
O Twitter é um exemplo disso. Segundo o ex-diretor de Transparência e Segurança do Twitter Yoel Roth, que participou de um painel na conferência, a empresa atualmente não tem planos para lidar com a desinformação. Isso se deve às políticas implementadas desde a chegada de Elon Musk ao Twitter, em outubro de 2022.
Em maio de 2023, Musk decidiu que o Twitter deveria abandonar o Código de Boas Práticas sobre a desinformação da União Europeia. Além disso, a plataforma também alterou a forma como concede a verificação azul que significa um sinal de autenticidade, o que levantou preocupações sobre a veracidade das informações que circulam no Twitter.
As palestras abordaram como os aplicativos de mensagens desempenham um papel crucial no consumo de informações no Brasil. Especificamente o WhatsApp que, segundo estudos, é usado por 93% dos brasileiros diariamente.
Nas eleições brasileiras de 2018, o WhatsApp foi um elemento que gerou distorções e serviu de ferramenta para a divulgação de notícias falsas.
Contra isso, durante as eleições de 2022, cinco iniciativas de checagem (Agência Lupa, Aos Fatos, Projeto Comprova, Estadão Verifica e a checagem do UOL), em colaboração com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), verificaram mais de 300 mil perguntas e solicitações de eleitores, coletadas por meio de seis linhas telefônicas do WhatsApp.
O projeto é conhecido como coalizão Confirma 2022, e o robô foi desenvolvido pela Meedan, uma organização global de tecnologia sem fins lucrativos que cria software e iniciativas para fortalecer o jornalismo, a alfabetização digital e a acessibilidade à informação.
“Estávamos mais preparados do que em 2018 para trabalhar pelo WhatsApp porque conseguimos controlar melhor”, explicou Daniel Bramatii, editor do Estadão Verifica, durante a coletiva.
Segundo ele, em 2018 não havia tanta experiência em monitorar o WhatsApp, e os meios não contavam com o apoio da plataforma tecnológica para controlar a desinformação. Até 2022, de acordo com os jornalistas da coalizão, o WhatsApp havia tomado algumas medidas para evitar a propagação de notícias falsas, como limitar as mensagens em massa.
Por meio do bot do WhatsApp Confirma 2022, os usuários puderam tirar dúvidas e posteriormente receber um link com a verificação das informações escritas por alguns dos veículos participantes.
"Ver o que os usuários perguntavam nos ajudou a saber em que tipo de desinformação tínhamos que trabalhar. Economizou tempo”, disse Natália Leal CEO da Agência Lupa.
A verificação de informações foi limitada apenas ao processo eleitoral e não para analisar a desinformação sobre qualquer candidato em particular. De qualquer forma, exigiu um esforço significativo dos jornalistas e meios de comunicação participantes.
“Normalmente, recebemos 200 sugestões de possíveis notícias para checagem de fatos por dia. Durante as eleições, tínhamos cerca de 4 mil por dia. Foi muito", disse Leal.
“Tivemos que dividir nossa equipe em plataformas, um grupo era dedicado apenas ao WhatsApp”, acrescentou.
Em outro painel, Marcela Duarte, também da equipe da Agência Lupa, explicou que, durante o processo eleitoral de 2022, mais de 25 pessoas, de diferentes partes do país, trabalharam remotamente para verificar as informações.
“O trabalho remoto traz diversidade para a redação. Durante as eleições, fizemos uma parceria com o Chequeado da Argentina para usar sua ferramenta para traduzir debates e entrevistas”, disse Duarte.
Duarte explicou ainda que ao trabalhar remotamente decidiram ter todo o seu processo de cobertura eleitoral por escrito, que incluía orientações sobre o que fazer em caso de erro, para quem ligar, os contatos de toda a equipe e até os passos a seguir em caso de uma tentativa de golpe.
Milhares de pessoas participaram da cúpula global de verificação de fatos Global Fact, desde a sua criação em 2014. A conferência já aconteceu em cidades como Londres, Oslo, Buenos Aires, Madrid, entre outras. Projetos como o Dia Internacional de Verificação de Fatos e o Código de Princípios da IFCN surgiram nesta conferência. A data e o local do evento em 2024 ainda não foram confirmados.