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Diante da crise, jornalistas latino-americanos apostam em alianças, novas narrativas e conexão com os públicos

A crise financeira, o surgimento da inteligência artificial (IA), a perda de credibilidade nos meios de comunicação e os ataques à imprensa são alguns dos desafios aos quais os meios de comunicação latino-americanos estão respondendo com projetos inovadores.

Representantes de sete meios de comunicação e organizações apresentaram suas iniciativas durante o painel "Projetos Especiais da América Latina" do 18º Colóquio Ibero-Americano de Jornalismo Digital, realizado em 29 de março de 2025 no âmbito do Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ), na Universidade do Texas em Austin.

José Nieves, editor-chefe do meio digital cubano elTOQUE, falou sobre as estratégias que os meios de comunicação latino-americanos no exílio estão experimentando para fortalecer seus modelos de negócios, em tempos em que as oportunidades de subsídios e apoio da cooperação internacional são cada vez menores.

O jornalista disse que nos últimos meses conduziu uma série de entrevistas com diretores de meios de comunicação para seu podcast de vídeo "Hablando en Plata", que fazia parte de seu programa como bolsista Knight 2024 do ICFJ. Após estas entrevistas, concluiu que é urgente que os meios de comunicação no exílio encontrem formas de diversificar os seus modelos de negócio.

"Não podemos depender de bolsas e não há tempo para procurar soluções de longo prazo", disse Nieves. "Temos que agir rapidamente para criar outras formas de gerar renda que nos permitam reduzir a nossa dependência de bolsas".

O jornalista alertou que a recente retirada de apoios de entidades norte-americanas, somada ao desaparecimento de cada vez mais subsídios europeus, à retirada de fundos de empresas tecnológicas como a Meta, e de ONGs como a Open Society Foundations, poderá causar o desaparecimento de muitos meios de comunicação independentes.

"Esta é uma tempestade perfeita que pode levar a um evento de extinção em massa", disse ele. "Mas a partir da resiliência da mídia latino-americana no exílio, esses modelos podem ser testados para garantir que possamos continuar operando ao longo do tempo".

Nieves compartilhou nove formas de modelos de negócios que seus entrevistados disseram ter experimentado: serviços de agência de consultoria, programas de associação e doação, treinamento, programas de assinatura, organização de eventos, publicação de livros, vendas de publicidade e patrocínio, lojas e desenvolvimento de tecnologia.

A formação de uma comunidade de leitores ou usuários desempenha um papel fundamental na maioria dessas formas de financiamento, disse Nieves. O jornalista alertou, porém, que é importante ter clareza sobre a diferença entre comunidade e público.

"O público não é uma comunidade. Todos nós temos um público, mas muito poucos de nós temos uma comunidade", disse ele. "Comunidade é um tipo de relacionamento com nossos usuários que horizontaliza as relações e faz com que eles se sintam mais envolvidos, mais parte do nosso trabalho e mais responsáveis pela nossa própria sobrevivência".

Nieves disse que os meios de comunicação no exílio devem ser entendidos como meios de comunicação locais que servem as comunidades diaspóricas nos países onde estão exilados, uma vez que isso lhes abre oportunidades com outras fontes de financiamento, como empresas locais, filantropia local e espaços de apoio aos meios de comunicação locais em países como os Estados Unidos.

Por sua vez, Paula Miraglia, jornalista brasileira e fundadora de meios de comunicação como o Nexo Jornal e a Gama Revista, disse que as plataformas tecnológicas são atualmente as grandes mediadoras entre a mídia e o público. Mas esta relação é marcada por uma profunda assimetria de poder com enormes consequências para a imprensa, acrescentou.

"Dependemos deles para tudo", disse Miraglia. "E com o surgimento de novas tecnologias, especialmente a inteligência artificial, a nossa forma de fazer, pensar e existir como mídia vai mudar."

Miraglia criou a Momentum – Força-Tarefa de Jornalismo e Tecnologia, um think tank global sediado no Brasil que, por meio de pesquisa, mobilização, promoção do diálogo e análise de cenários, busca construir soluções que possam impactar positivamente o ecossistema midiático diante da investida das empresas de tecnologia.

"Estamos reagindo às decisões deles o tempo todo, estamos sempre atrasados", disse Miraglia. "Temos que ter uma visão própria da nossa indústria, saber que relação queremos ter com a tecnologia. Essa é uma mudança fundamental. Se não fizermos isso, vamos ficar o tempo todo aceitando as migalhas que as empresas de tecnologia nos dão".

A Momentum também defende modelos regulatórios e políticas públicas para o desenvolvimento tecnológico a serviço do jornalismo de interesse público. Miraglia destacou que o Brasil tem sido um país pioneiro na busca por leis que regulamentem o trabalho das plataformas tecnológicas e formas de exigir remuneração para a mídia, embora, disse ela, essas tentativas tenham enfrentado um lobby gigantesco por parte das grandes empresas de tecnologia.

A Momentum publicou materiais resultantes de suas pesquisas, como um relatório para editores brasileiros sobre jornalismo e inteligência artificial. Miraglia também disse que estão no processo de criação de uma interface de acesso aberto que os meios de comunicação poderão usar para ter mais controle sobre quanto acesso as plataformas de IA têm ao seu conteúdo.

Outro palestrante que acredita que os jornalistas não devem ceder o controle às empresas de tecnologia é Pedro Iván Quintana, jornalista da Organização Editorial Mexicana (OEM), um conglomerado de 45 meios de comunicação digitais e impressos distribuídos no país.

Quintana disse que são os jornalistas que devem decidir que uso será dado às ferramentas de IA nas redações. Essa é a premissa de seu trabalho como coordenador da unidade de IA da OEM, que busca desenvolver um sistema centralizado de diretrizes para o uso dessa tecnologia nos 45 meios de comunicação do grupo para aproveitar a IA sob padrões e soluções éticas, coordenadas e decididas por jornalistas.

"Temos que gerar um ecossistema centralizado que desenvolvemos internamente com projetos que estejam nas mãos de jornalistas que entendem o que é o trabalho de uma redação, e não deixar nas mãos de empresas de tecnologia que fazem para nós o trabalho que eles acham que é o que precisamos", disse Quintana.

O jornalista disse que grupos tão grandes quanto o OEM – que têm mais de 900 funcionários em 45 meios de comunicação distribuídos em 25 estados do país – têm o enorme desafio de coordenar o uso da IA pelas equipes.

Para isso, a unidade de IA do OEM assumiu a tarefa de consultar o responsável pela redação de cada veículo para determinar que tipo de ferramentas de IA estavam sendo utilizadas e de que forma. Da mesma forma, procuraram identificar as necessidades específicas que levaram os jornalistas a recorrer à IA.

Com as informações desse diagnóstico, a unidade de IA está tentando encontrar as melhores formas de utilizar essa tecnologia, quais ferramentas, com quais parâmetros e sob quais códigos éticos, disse Quintana. A unidade de IA procura garantir que estes códigos de ética sejam homogêneos, controlados pela OEM e respondam aos desafios das suas redações.

"Achamos que [a IA] pode ser uma grande aliada, verificamos isso em pequenas experiências dentro das redações da organização [sobre] como otimizar trabalhos para poder liberar o tempo dos jornalistas que se dedicam ao que há de mais valioso, que é o trabalho jornalístico de qualidade".

Aprendendo com influenciadores

O jornalista David Gómez-Fernandini, fundador da mídia independente peruana Epicentro.TV, disse que graças ao curso do Centro Knight "Criadores de conteúdo digital e jornalistas: como ser uma voz confiável na Internet" em novembro de 2024, ele aprendeu estratégias utilizadas por influenciadores para construir um relacionamento melhor com seus seguidores.

O  jornalista disse que a Epicentro.TV, um veículo que surgiu para preencher o vazio do jornalismo investigativo sobre direitos humanos e meio ambiente deixado pelos grandes meios de comunicação do Peru, está colocando em prática estratégias para construir uma comunidade e abordar seu público de uma forma mais horizontal.

"Aprendemos a importância de fazer conteúdos que antes pareciam impossíveis de fazer na TV, que um jornalista não poderia fazer o que um influenciador faz", disse Gómez-Fernandini. "Mas aprendemos que é isso que devemos fazer também e conversar com as pessoas em um ou dois minutos para despertar o interesse em tópicos nos quais elas podem se aprofundar acessando nossas pesquisas ou programas que fazemos através de streaming".

O veículo, que surgiu em 2021 após a saída de seus quatro fundadores do canal América Televisión devido à pressão durante as eleições presidenciais no Peru daquele ano, conseguiu acumular mais de 100 mil seguidores no Facebook e no YouTube, e quase 80 mil no TikTok.

O encontro com os leitores é uma das estratégias que aprenderam com os criadores de conteúdo digital. O veículo realiza reuniões virtuais e planeja organizar reuniões físicas para conhecer mais de perto o seu público, disse Gómez-Fernandini.

O jornalista acrescentou que nos últimos oito anos o Peru sofreu instabilidade política, com ascensão e queda de seis presidentes. Nesse período, houve várias tentativas de enfraquecer a democracia, como a aprovação, em 12 de março, de uma lei contra as ONGs e o agravamento das penas por difamação e calúnia, o que faz com que muitos jornalistas prefiram não publicar sobre determinados temas por medo de serem perseguidos judicialmente, disse Gómez-Fernandini.

A Epicentro.TV enfrenta atualmente as consequências dessas tentativas de silenciar vozes críticas, como é o caso da perseguição judicial a Daniel Yovera, um dos fundadores do veículo, que em 2016 publicou uma reportagem que revelava uma suposta apropriação de terras pela organização religiosa Sodalicio de Vida Cristiana.

"Ele foi assediado judicialmente durante anos, o que lhe tirou tempo e energia e foi um problema econômico para ele e para o Epicentro", disse Gómez-Fernandini.

Da mesma forma, outra das fundadoras do veículo, Clara Elvira Ospina, foi vítima de campanhas online de difamação, xenofobia e desinformação, com a suposta participação de funcionários públicos, disse o jornalista.

Alianças, jornalismo de serviço e formação

Maria Martha Bruno, coordenadora de alianças internacionais da organização brasileira Agência Pública, falou sobre a importância da colaboração jornalística transfronteiriça e a oportunidade que o estabelecimento de alianças traz para o jornalismo no Brasil e na América Latina.

"Com o novo contexto da situação internacional e da geopolítica que vivemos, sabemos que o Brasil e a América Latina chegam agora a outro lugar de destaque, no qual estamos bastante inseridos e temos bastante força", disse Bruno.

A jornalista disse que com o estabelecimento de alianças internacionais, a Agência Pública busca fortalecer a produção de conteúdo em colaboração com a mídia internacional, ampliar a republicação de conteúdo no exterior, estabelecer a organização como referência internacional em temas-chave e alcançar o posicionamento internacional da marca.

Como exemplo de alianças jornalísticas internacionais que tiveram impacto, Bruno citou projetos colaborativos como "Mercenários Digitais", "Redes de Nicotina" e "Projeto Escravizadores", que a Agência Pública realizou em colaboração com meios de comunicação da região.

Bruno disse que o objetivo das alianças internacionais para a realização desses projetos é impactar e divulgar a forma como a mídia latino-americana investiga as redes de poder.

"Neste momento de fragilidade dos veículos jornalísticos em diversas democracias da região, é extremamente necessário que estejamos juntos para que possamos ampliar a voz do jornalismo latino-americano na região", disse Bruno. "É por isso que alianças com troca de conhecimento, esforço, dinheiro – porque todos precisamos disso – são coisas que fortalecem os nossos meios de comunicação e nos ajudam a proteger as nossas democracias e, consequentemente, a proteger o jornalismo".

Por sua vez, os fundadores do veículo digital Platea, de Porto Rico, falaram sobre como, através do jornalismo de serviço, tentam ajudar a geração millennial a recuperar a confiança na mídia.

Selymar Colón, diretora geral do Platea, explicou que o veículo é dirigido a jovens entre 25 e 45 anos, uma geração ponte entre os mais jovens e os idosos. Como este grupo em geral não consome notícias na mídia tradicional, Platea aposta no jornalismo de serviços, dados e tecnologia para atraí-los.

Para isso, o veículo recorre a uma narrativa diferente que explica e propõe soluções para os problemas que afetam Porto Rico e que interessam a essa geração, disse Colón. Isso, com o uso de uma linguagem que agrada a essa população e nos formatos que ela consome.

"Estamos empenhados em mudar essa narrativa que vemos e ouvimos e que vem da forma como muitas questões em Porto Rico foram abordadas até agora", disse Rolón. "Queremos sair desse pessimismo e partir para as oportunidades, uma narrativa nova e mais otimista para poder continuar crescendo em Porto Rico."

O jornalismo de serviço do Platea se apresenta na forma de guias explicativos com elementos que inspiram o leitor a agir com base nas informações, disse Rolón. As informações são distribuídas em diversas plataformas, desde reels até newsletters.

Os guias de recomendações sobre locais e atividades foram um elemento chave para a construção da comunidade durante os primeiros anos do Platea, disse Andreia Pérez, pois geraram interação importante entre os jovens, num momento em que as pessoas procuravam sair e se encontrar após as restrições sociais da COVID-19.

"O que queremos evitar é que daqui a 5 ou 10 anos olhemos para trás e perguntemos 'por que é que os jovens não se informam? Porque não têm onde ter informação num meio em que confiem'", disse Colón. "Estamos avançando para criar esse caminho para que, quando chegar a hora, Platea já tenha um lugar para eles".

Para encerrar a rodada de Projetos Especiais, Mariana Alvarado, jornalista e instrutora da Google News Initiative (GNI), falou sobre a oferta do Google de programas de treinamento e apoio à sustentabilidade para jornalistas e redações na América Latina.

Alvarado disse que, após uma pausa devido à pandemia, o Google News Lab – iniciativa da GNI para treinar jornalistas em ferramentas digitais em redações ou universidades – foi relançado com ênfase em inteligência artificial.

A empresa tecnológica está atualmente promovendo formação sobre a utilização de ferramentas 100% alimentadas por IA generativa, como o Notebook LM (para tomar notas e pesquisa), Gemini (o modelo de processamento de linguagem natural) e Pinpoint (para gestão de dados em diferentes formatos), disse Alvarado.

Alvarado apresentou os GNI Growth Labs, que são laboratórios de treinamento e assessoria para redações em temas como aumento de audiência e receita. Consistem em sessões personalizadas diretamente com veículos de comunicação e no desenvolvimento de um plano de melhoria nestas áreas.

"A ideia é aproveitar todas essas ferramentas que também estão [no mercado] há anos, mas são pouco conhecidas", disse Alvarado. "O que queremos é apoiar do lado jornalístico, mas também começar a nos envolver mais na sustentabilidade".

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