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Diante da perseguição estatal, jornalistas na Venezuela se protegem com avatares de IA

Ela tem o cabelo escuro parcialmente preso e a pele bronzeada, e está vestida com um vestido cor de tijolo. Ele tem barba e pele morena, e usa uma camisa xadrez. Ambos parecem estar na casa dos 20 anos e falam com um leve sotaque venezuelano.

À primeira vista, poderiam passar por jovens jornalistas apresentando notícias em vídeo, mas suas ações repetitivas e robóticas os denunciam: são dois avatares que narram as notícias reportadas e escritas por uma dúzia de meios independentes venezuelanos.

“Fomos gerados por inteligência artificial”, disse o homem. “Mas nossos conteúdos são reais, verificados, de qualidade e criados por jornalistas.”

Assim se apresentaram “El Pana” e “La Chama” no primeiro vídeo do noticiário virtual Operación Retuit. Uma iniciativa das alianças informativas Venezuela Vota e La Hora de Venezuela, criada para contornar a censura, a perseguição e a crescente repressão que assola a Venezuela desde a eleição de 28 de julho.

Alguns dos títulos dos primeiros oito noticiários foram: “Milhares detidos por protestos eleitorais”, “Implicações da lei anti-ONG”, “Maduro suspende X”, “23 mortos em protestos”.

Segundo explicaram à LatAm Journalism Review (LJR) alguns de seus criadores, que preferem permanecer anônimos por medo de represálias, a série foi chamada de Operación Retuit porque, na gíria venezuelana, o uso da palavra “Retuit” significa compartilhar conteúdo nas redes sociais. Também como uma resposta à “operação Tun Tun”, termo que o governo tem usado para descrever o arrombamento de residências e detenção de opositores pelas forças de segurança venezuelanas.

Desde as eleições, pelo menos sete jornalistas no país foram detidos, segundo relatou o Instituto Prensa y Sociedad (Ipys Venezuela). Alguns foram liberados, enquanto outros continuam detidos sem direito à defesa e acusados sob o uso de leis antiterrorismo.

“O nível de exposição que um jornalista poderia ter ao realizar uma entrevista ou fazer uma transmissão ao vivo dentro da Venezuela aumentou”, disse à LJR Carlos Eduardo Huertas, diretor da plataforma jornalística latino-americana Connectas e impulsionador do noticiário. “Por isso, decidiu-se encontrar essa nova alternativa.”

Huertas foi escolhido como porta-voz da iniciativa para proteger aqueles que estão dentro da Venezuela. Ele não é venezuelano nem reside no país.

Jornalistas venezuelanos por trás do noticiário disseram à LJR que se sentem mais resguardados ao não mostrar suas caras e nomes, enquanto a situação no país se estabiliza. Diferentemente de outras iniciativas do tipo na América Latina, a Operación Retuit não tem intenção de experimentação tecnológica.

“Estamos diante de um uso inteligente e estratégico da IA”, disse Huertas. “Não é uma questão de moda ou acessório.”

Trabalho colaborativo

Operación Retuit é produzida por duas alianças informativas independentes: Venezuela Vota foi criada pelo meio digital El Pitazo durante a campanha eleitoral e inclui 70 jornalistas independentes, 20 aprendizes e cerca de 20 infocidadãos ao redor do país. E La Hora de Venezuela é uma aliança de meios venezuelanos e latino-americanos para cobrir as eleições, liderada pela Connectas.

 

Ambas as iniciativas se mantiveram para cobrir o processo pós-eleitoral, caracterizado por protestos, repressão e medidas que restringiram a liberdade de expressão.

Por exemplo, o mandatário Nicolás Maduro anunciou, em 8 de agosto, a suspensão temporária da rede social X (Twitter). Além disso, ameaçou bloquear o WhatsApp, o aplicativo de mensagens mais usado na Venezuela, e convidou a população a baixar o WeChat, ferramenta que não é recomendada por defensores dos direitos digitais.

Segundo explicou Huertas à LJR, Operación Retuit faz parte da estratégia para hackear o cerco informativo.

O noticiário será publicado de segunda a sexta-feira. “Não há um único canal de publicação”, disse Huertas. “Isso faz parte da estratégia; é um formato que pode ser multiplicado por diferentes canais.”

Ele disse que o trabalho em colaboração tem sido fundamental para realizar as alianças.

“O papel fundamental aqui é dos jornalistas venezuelanos que têm feito um trabalho excepcional”, enfatizou Huertas. “Nós só temos a honra de ter sido convidados para facilitar a articulação.”

Importância da intencionalidade

Não é a primeira vez que avatares gerados por inteligência artificial são usados para divulgar notícias na Venezuela.

No início de 2023, foi publicado no YouTube um noticiário em inglês com legendas em espanhol, chamado “House Of News en Español”. Nele, dois jornalistas virtuais, Noah e Daren, falavam sobre a existência de um novo boom econômico na Venezuela.

jornal El País da Espanha publicou que esses vídeos faziam parte de uma propaganda impulsionada pelo próprio chavismo. Isso foi negado pelo ministro de Comunicação e Informação da Venezuela, Freddy Ñáñez.

Poucas semanas depois, Maduro apresentou a Sira (nome que se assemelha a Siri, a famosa assistente virtual da Apple), uma apresentadora virtual que narraria as notícias em seu programa de televisão Maduro +.

Marivi Marín Vásquez, politóloga e diretora executiva do ProBox, observatório venezuelano de mídia e membro da La Hora de Venezuela, disse à LJR que a diferença entre esses avatares impulsionados pelo chavismo e a Operación Retuit é a intencionalidade.

“O regime os cria para difundir propaganda ou desinformação com o objetivo de contaminar a conversa online”, disse Marín Vásquez. “Enquanto que Operación Retuit é informação (verificada) de meios independentes; só que precisamos usar avatares para proteger a identidade e integridade de jornalistas/ativistas.”

Traduzido por Carolina de Assis
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