Por Yenibel Ruiz
David Natera Febres, diretor do jornal venezuelano Correo del Caroní, do estado de Bolívar, foi condenado a quatro anos de prisão por difamação e injúria relacionadas a reportagens publicadas em 2013 que denunciavam casos de corrupção em uma empresa estatal de mineração, informou a ONG Espaço Público. Natera Febres tem dez dias para apelar da decisão.
Apesar de responder em liberdade, o diretor é obrigado a comparecer perante as autoridades a cada 30 dias e está proibido de sair do país, informou o Comitê para Proteção dos Jornalistas (CPJ). O juiz impôs uma multa de 201.249 bolívares (“aproximadamente US$ 20.100 no câmbio oficial, ou aproximadamente US$ 201 no mercado negro”) e proibiu o jornal de publicar informações sobre o autor da ação, Yamal Mustafá, acrescentou o CPJ.
A origem da ação está em uma série de artigos publicados pelo Correo del Caroní que abordavam um grupo de extorsão em que participavam um coronel do exército, vários empresários e funcionários da empresa estatal Ferrominera Orinoco, informou o CPJ.
As denúncias publicadas pelo jornal e as investigações do Ministério Público deram base a um procedimento judicial que destituiu o presidente da empresa, assim como condenou a prisão três de seus gerentes, acrescentou o Espacio Público.
Mustafá, que entrou com uma ação por difamação e injúrias contra o diretor do jornal em 2013, cumpriu quase três anos de prisão após ter sido acusado de vários delitos, entre eles desvio de fundos relacionados a este caso, disse o CPJ. O empresário, dono de vários negócios, entre eles o jornal pró-governo Primicia, foi liberado em 2015 após uma autoridade rejeitar seu caso, informou o CPJ.
O Espacio Público assinalou que a ação pedida por Mustafá, de acordo com as leis venezuelanas, deveria ter prescrito, tendo em conta que não se proferiu sentença durante dois anos e oito meses. Apesar da defesa alegar a prescrição, não foi admitida pelo tribunal, afirmou a ONG.
Por outro lado, contra o jornal também pesa uma ação civil que poderia resultar no confisco de seus escritórios e sua gráfica, disse o Espacio Público. O jornal também foi afetado pela crise de papel jornal que o país atravessa, razão pela qual se viu obrigado a reduzir a frequência de suas edições, disse o CPJ.
Diferentes organizações rechaçaram a decisão judicial.
Carlos Lauría, coordenador sênior do programa das Américas do CPJ, disse que a sentença “é um claro ataque contra a liberdade de imprensa que terá efeito amedrontador para o jornalismo independente e investigativo na Venezuela”, segundo um comunicado da organização. “Sob a administração do presidente Nicolás Maduro, as autoridades têm usado diversas táticas para restringir a imprensa, incluindo a apresentação de ações por difamação, em uma tentativa de controlar o fluxo informativo”, disse Lauría.
De sua parte, o Secretário do Sindicato Nacional de Trabalhadores da Imprensa (SNTP, na sigla em espanhol) da Venezuela, Marcos Ruiz, qualificou a condenação como sendo “ao jornalismo crítico e de investigação e que se fica sabendo três anos depois apenas com o objetivo de escurecer os feitos que hoje ocorrem no Bolívar”, segundo o jornal El Nacional.
Nesta mesma linha se pronunciou o presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol), Claudio Paolillo, para quem a sentença “em a clara intenção de dissuadir o jornalismo de profundidade e de denúncia tal como o realizado neste caso pelo Correo del Caroní e demonstra o grande retrocesso da Venezuela em matéria de liberdade de imprensa, que ainda segue mandando jornalistas para a cadeia”, segundo um comunicado publicado em seu site.
De acordo coom a SIP, em 2005 a Venezuela reformou seu código penal, aumentando a pena pelo delito de difamação de 30 meses a quatro anos de prisão, ao contrário de outros países da região.
As autoridades venezuelanas aproveitaram este recurso legal “para impedir o trabalho informativo crítico”, assegurou o CPJ com base em um estudo comparativo realizado para a organização.
Segundo o Instituto de Imprensa e Sociedade Venezuela (IPYS, na sigla em espanhol), este é um caso único por ser o primeiro em que de maneira paralela se apresentou uma ação civil e penal, e porque é “o único caso em que um empresário com vínculos com o poder estatal aciona um veículo e seus diretores.”
“Insistimos que esta condenação - que deriva em censura para a cobertura de corrupção - é um regresso para a liberdade de expressão e coloca em risco o exercício do jornalismo como ofício natural para investigar o poder e de controladoria social”, expressou o IPYS Venezuela. “O sistema de Justiça deveria proteger o direito dos cidadãos de serem informados - de maneira pertinente, adequada e oportuna - sobre os assuntos de interesse público, e não aplicar penas por difamação. Estes delitos devem ser eliminados da legislação nacional de acordo com o pedido que fez ao Estado Venezuelano o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, em julho de 2015.”
A Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu uma declaração expressando preocupação com a sentença e apelou para a Venezuela "Una-se às mais rigorosas normas internacionais sobre liberdade de expressão de forma a garantir aos jornalistas e aos meios de comunicação exercer o jornalismo sem intervenções indevidas, e à sociedade em geral para que possa estar informada."
O escritório lembrou que, em várias ocasiões, a Comissão, com base na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, disse que o uso do direito penal "para punir discursos sobre assuntos de interesse público e funcionários é desproporcional e viola, portanto, o direito à liberdade expressão."
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.