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Eleições primárias e repressão em Jujuy acendem alerta sobre segurança de jornalistas na Argentina

A Argentina está passando por uma situação política de total incerteza. Em 13 de junho, foram realizadas as eleições primárias.  Elas definiram quais partidos têm o direito de concorrer às eleições nacionais, que serão realizadas em outubro de 2023, e qual lista representa cada partido político. A surpresa foi que Javier Milei, o economista ultraconservador que lidera o partido La Libertad Avanza, foi o candidato mais votado, o que o posiciona como favorito para as eleições gerais. Dias depois da PASO, a Academia Nacional de Jornalismo (ANP, na sigla em espanhol) emitiu uma declaração rejeitando "as recentes e insultantes referências feitas pelo candidato presidencial Javier Milei ao jornalismo".

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Javier Milei en su discurso de cierre de campaña tras las elecciones PASO en Argentina (Captura de pantalla de Youtube)

"Na maioria dos casos, Milei aludiu de forma caluniosa ao jornalismo, sem identificar ninguém, o que torna suas ofensas ainda mais injustas", continua o comunicado da ANP, assinado pelo presidente da instituição, Joaquín Morales Solá, e pela secretária, Silvia Naishtat. "Em outros casos, partidários de Milei entoaram, diante do candidato, refrões insultuosos contra jornalistas com nomes e sobrenomes e com acusações comprovadamente falsas".

Em seu discurso de encerramento da campanha, o candidato presidencial se referiu aos jornalistas como "roñosos", um termo associado a sujo e deteriorado. No mesmo dia, enquanto Milei votava na Universidade Tecnológica Nacional, a equipe da TV Pública que cobria o evento foi atacada. A jornalista Gabriela Radice denunciou no local que um grupo de pessoas tomou seu microfone e começou a agredi-la: "Estamos contando o que está acontecendo. Tem alguém que tomou meu microfone, uma falta de respeito, violento, não é a melhor forma de trabalhar".

Nesse contexto, a declaração da ANP insta os candidatos presidenciais a "preservar um clima de tolerância democrática na vida pública e a respeitar o dever do jornalismo de informar e o direito de expressar suas diversas opiniões".

Milei tem 52 anos, é líder do partido La Libertad Avanza e se define como “libertário”. Nas eleições primárias, mais conhecidas como PASO, ele teve mais votos do que as duas forças políticas que governaram a Argentina nas últimas duas décadas: os partidos Juntos por el Cambio (liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri) e Unión por la Patria (da coalizão governista peronista-kirchnerista). Milei se posicionou, portanto, como o favorito nas eleições presidenciais que acontecerão em outubro de 2023. O candidato tem propostas como dolarizar a economia, privatizar empresas públicas, opor-se à legalização do aborto, entre outras. 

Em 2022, a Associação de Entidades Jornalísticas Argentinas (ADEPA, na sigla em espanhol) já havia acusado Milei, que também é deputado nacional, de "perseguição judicial". O candidato entrou com uma ação contra cinco jornalistas por "afetação da honra", "dano moral", bem como seu "direito de resposta", de acordo com o jornal Clarín. Milei exigiu um milhão de pesos de cada um dos jornalistas – Pablo Duggan, Fabián Doman, Paulo Vilouta, Débora Plager e Martín Candalaft – que em seus respectivos programas rotularam declarações suas como "fascistas", "nazistas" e "hitlerianas".

A Fundação LED Liberdade de Expressão + Democracia qualificou as ações judiciais como uma "tentativa de intimidação com o objetivo de disciplinar a crítica ou silenciar qualquer questionamento e divergência sobre seu trabalho como congressista ou a expressão de suas ideias como líder político".

No entanto, em sua declaração, a ADEPA não apenas destacou Milei, mas também expressou preocupação com a "crescente intolerância em relação à imprensa"; e incluiu declarações do atual presidente, Alberto Fernández, que acusou os meios de comunicação de "intoxicar a cabeça das pessoas". No relatório anual "Limitações ao Exercício da Liberdade de Expressão – Argentina 2022", a Fundação LED destaca que o confronto entre o governo e a imprensa, e o uso dos tribunais como ferramenta de censura direta ou indireta, são os principais obstáculos no país para o livre exercício do jornalismo.

Nesse sentido, dão ênfase especial ao uso de conceitos como "fake news", "lawfare" e "discurso de ódio" para "deslegitimar jornalistas". O jornalista Diego Rojas, que escreve regularmente para o Infobae e vive em Buenos Aires, disse em uma entrevista à LatAm Journalism Review (LJR) que é "uma incerteza o que acontecerá se Milei vencer as eleições gerais, bem como todas as ações que sua presidência poderia desenvolver". No caso de ser eleito presidente da Argentina, Milei declarou que eliminaria a publicidade oficial em meios de comunicação. A ANP já repudiou essa possível ação.  

Jornalistas independentes, indígenas e comunitários

Em 2022, houve 182 casos que constituíram atos de censura direta ou indireta e que limitaram o exercício da liberdade de expressão na Argentina, de acordo com dados da Fundação LED. "A situação de segurança dos jornalistas no país está intimamente relacionada à posição que temos e aos processos de luta que habitamos", disse Camila Parodi à LJR. Ela é jornalista feminista, antropóloga social e membro do coletivo editorial Marcha.

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Camila Parodi, periodista feminista y antropóloga social (Cortesía: Camila Parodi)

"Nós que viemos do jornalismo feminista, do jornalismo popular ou da mídia autogestionária estamos sendo perseguidas e violentadas", continuou Parodi. Ela afirmou que essa violência é exercida contra "jornalistas que estão colocando nossos corpos nas ruas".

A jornalista deu o exemplo de Facundo Molares, militante comunista argentino, ex-combatente das FARC na Colômbia e fotojornalista, que morreu em decorrência da violência da polícia de Buenos Aires durante uma manifestação no Obelisco da cidade, dias antes da PASO. Deve-se observar que Molares não estava exercendo sua profissão no momento da repressão, mas sim seu direito de protestar.

De acordo com Parodi, outro dos espaços onde a violência contra jornalistas vem ocorrendo há algum tempo é o online. "Jornalistas feministas estamos sendo assediadas o tempo todo e diariamente por haters nas redes e todo tipo de grupos antidireitos que tentam se legitimar nesses espaços que ainda não estão legislados".   

Parodi disse que a violência no trabalho nas ruas, principalmente no território e na cobertura de manifestações, é praticada pela polícia em momentos de repressão. Segundo ela, a violência se dá das seguintes maneiras: "Pedir para não transmitir, nos empurrar, tirar fotos nossas, apontar para nós, esse é o tipo de controle". Outro exemplo que Parodi deu é o das agressões e prisões de jornalistas durante manifestações populares em Jujuy, uma província no norte da Argentina, que faz fronteira com a Bolívia.

Em 20 de junho, o governo da província, liderado por Gerardo Morales, aprovou uma reforma constitucional que inclui restrições à liberdade de protesto na província. Tal é o descontentamento de um grande setor da população da província. Tal é o descontentamento de um grande setor da população de Jujuy que, durante esse mês e posteriormente, foram realizadas marchas e manifestações em massa contra a lei. Nesse contexto, a Defensoria Pública da Argentina denunciou atos de perseguição e agressão por parte das forças de segurança, intimidação com balas de borracha, vigilância e registros fotográficos de jornalistas e detenções, segundo o jornal Página 12.

A Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) expressou sua preocupação com as ações das forças de segurança, que resultaram em ferimentos e detenções de jornalistas. Entre eles está Daniel Bello, fotojornalista da agência nacional de notícias Télam, que foi atingido no rosto por uma bala de borracha. Os jornalistas Luciano Aguilar, do La Izquierda Diario, e Camilo Galli, do portal El Submarino, foram detidos.

Por conta desses acontecimentos, o grupo Periodistas Unidxs Autoconvocadxs de Jujuy lançou um relatório especial no qual descreve a violação dos direitos dos jornalistas presentes nas manifestações de junho de 2023 em Jujuy e as dificuldades que enfrentaram para realizar seu trabalho. O coletivo denuncia que, após as operações repressivas, houve dezenas de pessoas presas, quase uma centena de acusações criminais e mais de 150 pessoas feridas. Com relação à situação dos jornalistas, eles coletaram vários testemunhos diretos.

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Johana Arce, comunicadora y fotógrafa (Cortesía: Johana Arce)

Johana Arce, comunicadora e fotógrafa da Sisas Medio, mora em Jujuy e foi atacada durante as manifestações. Em entrevista à LJR, ela disse: "No dia 20 de junho, houve balas de borracha e, no meu caso, fui atingida no rosto, perto do olho, enquanto fazia a cobertura com a câmera. Em 17 de junho, em Purmamarca, quebraram meu equipamento fotográfico e um telefone celular, além dos golpes que recebi quando estava cobrindo".

Outros profissionais da imprensa que cobriam as manifestações também sofreram "quebra de equipamentos fotográficos, espancamentos, prisões, balas de borracha, mesmo quando estavam identificados com câmeras e cartões de imprensa", disse Arce. "Isso implica que há perseguição quando se trata de exercer esse papel de comunicação como trabalhadores da imprensa, e não há proteção para comunicadores".

Para Arce, "o objetivo desses ataques e da censura por parte do governo é impedir que a informação circule e gerar terror", já que "há um medo de como isso é comunicado e em que circunstâncias poderia acontecer novamente". Assim como Parodi, ele também acredita que os mais afetados são os jornalistas da "mídia comunitária, independente, indígena e territorial da região".

Florencia Pagola é uma jornalista freelancer do Uruguai. Ela pesquisa e escreve sobre direitos humanos e liberdade de expressão na América Latina.

 

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