Uma reportagem investigativa da revista colombiana Semana alegando que mais de duas dúzias de jornalistas nacionais e estrangeiros foram espionados por oficiais de inteligência do Exército causou polêmica e pede investigações adicionais.
“Entre fevereiro e os primeiros dias de dezembro de 2019, as atividades de mais de 130 cidadãos foram alvo do que os militares chamaram de 'criações de perfis' e 'obras especiais'”, escreveu Semana na reportagem especial, “Las carpetas secretas” (As pastas secretas), publicada em 1º de maio.
“Nessas missões, usando ferramentas e softwares de computador, eles realizavam buscas e coletavam de forma maciça e indiscriminada todas as informações possíveis sobre seus objetivos para preparar relatórios de inteligência militar," relatou Semana.
Foram criados perfis dos jornalistas que incluíam informações pessoais sobre família, amigos, fontes, tendências políticas, locais visitados e muito mais, de acordo com a Fundação para Liberdade de Imprensa (FLIP, na sigla em espanhol).
Entre os supostos alvos estavam os jornalistas norte-americanos Nick Casey (The New York Times), Juan Forero (The Wall Street Journal) e John Otis (NPR). Na Colômbia, os alvos supostamente incluem María Alejandra Villamizar (Noticias Caracol) e jornalistas dos sites Rutas del Conflicto e La Liga Contra el Silencio.
Essas recentes alegações vêm após uma reportagem de janeiro de 2020 em Semana assinalou que o ex-comandante do Exército Nicacio Martínez se aposentou em dezembro anterior devido a denúncias de espionagem ilegal de jornalistas e outras figuras públicas. Após essa reportagem, a representante da Suprema Corte da Procuradoria Geral da República “abriu uma investigação pelos crimes de violação ilegal de comunicações e uso ilegal de equipamentos de transmissão ou recebimento, entre outros crimes”, relatou El Tiempo.
O procurador-geral Francisco Barbosa disse que as novas alegações reveladas por Semana serão adicionadas às investigações, acrescentou a publicação.
Barbosa também disse que Martínez seria convocado para interrogatório sobre a suposta espionagem, informou a DW.
Através de seu advogado, Martínez negou ter dado ordens para operações de inteligência contra jornalistas. A declaração dizia: "Não sei se os eventos narrados pela revista Semana em várias de suas publicações ocorreram em outro nível de maneira oculta. Se eu soubesse, teria sido o primeiro a denunciar. A única coisa que é certa é que, se algum ato foi cometido nesse sentido, não foi realizado pelo Exército como instituição, muito menos endossado por seu comandante.”
"Enquanto eu era comandante do Exército Nacional, nunca percebi ou tratei a mídia como inimiga do Estado ou das Forças Armadas", acrescentou o comunicado.
A FLIP alegou que, embora o ministro da Defesa, o promotor geral e a liderança militar atual soubessem das denúncias de criação de perfis e de monitoramento desde pelo menos desde janeiro de 2020, o Ministério da Defesa apenas anunciou medidas a serem tomadas horas antes da publicação da reportagem de Semana de 1º de maio. Uma dessas medidas foi a demissão de 11 funcionários. A organização também disse que a Suprema Corte tinha evidências do monitoramento desde dezembro de 2019, mas não houve avanços na investigação.
"Rejeitamos enfaticamente que na Colômbia continua existindo e se acentuando as práticas de criação de perfis e vigilância de jornalistas por agências de inteligência estatais", escreveu a FLIP. “Essas ações violam as obrigações do Estado colombiano em relação à liberdade de imprensa, são características de regimes autoritários e põem em risco o direito a uma sociedade informada e as garantias para o livre exercício do jornalismo no país.”
Na sequência da publicação da recente reportagem de Semana, organizações internacionais e regionais da liberdade de imprensa condenaram os fatos e pediram mais investigações.
“A nova investigação sobre esta operação adiciona detalhes profundamente alarmantes sobre como o programa das forças armadas colombianas coloca em risco repórteres locais e internacionais e suas fontes”, disse Natalie Southwick, coordenadora de programas da América Central e do Sul para o Comitê de Proteção de Jornalistas (CPJ). "O governo do presidente Iván Duque deve agir rapidamente para identificar os responsáveis e garantir que eles enfrentem consequências apropriadas."
A Associação Interamericana de Imprensa (SIP) condenou qualquer espionagem contra jornalistas.
Roberto Rock, presidente do Comitê de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP, destacou que "interceptações ilegais e espionagem não são práticas novas na região, já vimos isso em muitos países, entre eles Argentina, Equador, México, Peru e Venezuela".
O presidente da SIP, Christopher Barnes, disse que os a criação de perfis "corrói a confiança necessária entre fontes e jornalistas".
Jornalistas que foram supostas vítimas de criação de perfil pelo Exército escreveram uma carta exigindo respostas do governo, conforme relatado pelo El Espectador. Eles perguntaram quem deu ordens para a alegada criação de perfil e monitoramento, se os jornalistas eram ameaças à segurança nacional, quem tinha acesso aos arquivos alegados e se o presidente, o Ministério da Defesa ou as altas autoridades sabiam dos atos alegados. Eles também pediram garantias para continuar seu trabalho sem serem alvo de perfis, espionagem ou estigmatização.