texas-moody

Exílio, prisão e morte: dificuldades de jornalistas na Nicarágua são tema de painel em colóquio

Exílio, risco de prisão, ameaças contra parentes, violações de direitos humanos, problemas financeiros: a situação vivida pelos jornalistas da Nicarágua é uma das piores da região, e esteve no centro do debate, ao lado de exemplos de resistência e perseverança frente a adversidades, no painel “Jornalismo na Nicarágua”, durante o 17º Colóquio Ibero-Americano  de Jornalismo Digital, realizado na UT Austin no domingo 14 de abril de 2024.

O painel, moderado pela diretora associada do Centro Knight, Summer Harlow, contou com uma editora do mais tradicional jornal nicaraguense, o La Prensa, que acaba de completar 98 anos, e com três cofundadores do Nicaragua Actual, um site com pouco mais de cinco anos de existência. Os quatro estão no exílio, assim como mais de 240 jornalistas nicaraguenses, segundo um informe da organização Jornalistas e Comunicadores Independentes da Nicarágua.

 Five people seated in front of an audience in an auditorium, speaking on a panel. A big screen behind them shows images of Nicaragua

Jornalistas nicaraguenses Héctor Rosales, Yelsin Espinoza, Ulises Mendieta e Arlén Pérez (da esquerda para a direita) falando no 17º Colóquio Ibero-Americano de Jornalismo Digital; à direita, está a diretora associada do Knight Center, Summer Harlow (Foto: Patricia Lim/Centro Knight)

 

Nicaraguan journalists Héctor Rosales, Yelsin Espinoza, Ulises Mendieta, and Arlén Pérez (from left to right) speaking at the 17th Ibero-American Colloquium on Digital Journalism; the associate director of the Knight Center, Summer Harlow, is on the right (Photo: Patricia Lim/Knight Center)

A primeira a falar no painel no Colóquio foi a jornalista representante do La Prensa, Arlen Pérez. Ela abordou as dificuldades da vida em outro país, o medo por parentes que permanecem na Nicarágua, a possibilidade de o autoritarismo chegar a outros países latino-americanos e o futuro incerto do jornalismo nicaraguense.

Peréz comentou a recente edição celebrativa do La Prensa, publicada em março para comemorar o aniversário do jornal de dentro do território nicaraguense, no Rio San Juan, que faz fronteira com a Costa Rica.

“Para nós, foi um desafio relatar a partir do rio San Juan, que é território nicaraguense. Mas também foi dizer ‘não importa, nos golpearam e aqui estamos’. E os golpes são muitos”.

Em 2023, segundo disse Pérez, houve 83 ataques, contra jornalistas nicaraguenses, incluindo assédio, vigilância oficial e ataques verbais, e em janeiro e fevereiro deste ano já houve 14.

Ela fez um alerta para pessoas de outros países, para que vigiem as tendências autoritárias em seus próprios territórios:

‘’“Por exemplo, quando na Costa Rica dizem, 'Ah, nós estamos longe disso'. Sim, mas já estão chamando a imprensa de canalha, já estão tendo um discurso contra a liberdade de expressão”.

As dificuldades da vida exilada, disse, vão de problemas financeiros até questões ligadas ao direito de permanência://

“A Costa Rica é um dos países mais caros e Nicarágua, claro, é um país mais baratos. Também é difícil a questão de ter sua família em outro país, cuidar de sua família. Então, isso para nós tem sido muito difícil. A legislação costarriquenha mudou. Eu me exiliei em 2022 e houve muitas mudanças sobre os pedidos de refúgio, de como você pode pedir, como você pode viajar, ou não pode viajar.”

Pérez afirmou que, mesmo no exílio, os jornalistas seguem se autocensurando, por temor de represálias do regime de Daniel Ortega e de sua vice-presidente e esposa, Rosario Murillo. 

"Ya nadie quiere hablar porque es que ‘mi mamá está allá, mis hermanos están allá’", disse.

Ela concluiu exaltando seus colegas de painel, e observando as dificuldades de renovação geracional no jornalismo nicaraguense:

"Para mim, é encantador estar ao lado desta juventude, porque estes rapazes são um exemplo de que se pode fazer jornalismo a partir do exílio. Eles nasceram a partir do exílio. Mas sim, preocupa-nos a renovação geracional. Não há uma renovação de jornalistas, não temos novos jornalistas".

Clamores por liberdade

Dos três cofundadores do Nicaragua Actual, Héctor Rosales foi o primeiro a falar. Ele citou como a equipe do site, lançado em no primeiro dia de março de 2019, precisou passar a produzi-lo desde o exílio apenas três meses após seu lançamento. 

Rosales disse que recentemente se mudou para os Estados Unidos e afirmou estar comprometido a continuar a informar sobre a Nicarágua, apesar de ser uma missão difícil: 

"Tive apenas quatro meses vivendo agora nos Estados Unidos sob um programa de reassentamento que é parecido com asilo político, e aqui estou resistindo. Não quero deixar o jornalismo, mas aqui a vida também custa, é cara aqui nos Estados Unidos", afirmou. "Mas tenho um compromisso. Há um compromisso da nossa parte de não abandonar essa luta, e nosso sonho é retornar novamente à Nicarágua para exercer nossas liberdades."

Assim como o fariam seus dois sócios de Nicaragua Actual, o jornalista citou o caso de seu colega Victor Ticay, que completou um ano preso no último dia 6 de abril.  

"Atualmente temos um jornalista preso há um ano pelo simples fato de cobrir uma atividade religiosa na Nicarágua, as procissões. É precisamente Víctor Ticay", disse. "Queremos pedir-lhes uma ajuda a todos vocês para que também foquem sua atenção, em seus meios de comunicação, na situação do jornalismo da Nicarágua, mas também que pensem em Víctor Ticay e em sua família, um ano preso simplesmente por cobrir uma atividade religiosa em nosso país. E nós, daqui, dizemos, liberdade para Víctor Ticay!"

O palestrante seguinte, Yelsin Espinoza, começou justamente por descrever as condições de Ticay no cárcere:

“A situação de Víctor Ticay é uma situação desumana e insalubre. Dão para Víctor Ticay comida feita com restos, com partes de baratas. Eles mantêm Víctor Ticay em uma cela que não tem salubridade, onde não há condições para um ser humano passar um só minuto. Ele não tem por que ficar preso porque simplesmente exerce ou exercia o seu trabalho, a sua profissão. Foi por isso que o regime o prendeu.”

Espinoza acrescentou que as condições de aprisionamento na chamada La Modelo, prisão em Manágua, fizeram com que Ticay tenha desenvolvido doenças.

“Entre essas doenças estão doenças estomacais, resultado do nível avançado de bicarbonato na alimentação que recebe Víctor. Sua família está desesperada porque, quando conseguem visitá-lo, o veem cada vez mais debilitado, mais golpeado. Estão tentando arrancar a sua humanidade”, disse.

“A saúde de Víctor Ticay, seu estado moral, físico, está se degradando e não podemos permitir que isso continue acontecendo. Mas estamos de mãos atadas e essa é a realidade em nosso país.”

Além de Ticay, Espinoza falou do caso de Ángel Gahona, morto em 2018 enquanto cobria protestos contra o governo na costa caribe nicaraguense.

“Foi assassinado com um tiro na cabeça, senhores. Seis anos e até hoje a justiça e a verdade no caso de Ángel Gahona não existem. E toda vez que temos a oportunidade de ocupar um espaço como este, onde vocês podem nos ouvir, onde vocês nos veem pela televisão, pela internet, nós levantamos a voz e visibilizamos o caso de Gahona”, disse Espinoza.

O último representante do Nicaragua Actual foi Ulises Mendieta, que tratou da situação dos jornalistas que seguem no país, de dificuldades financeiras e de lições aprendidas nestes quase cinco anos de exílio.

Os profissionais que seguem no país, já não podem escrever sobre os fatos mais importantes, e são obrigados a se restringir a trivialidades, disse Mendieta.

"Algo que Victor Ticay fazia na Nicarágua foi muito limitado, que é reportar das ruas. Na Nicarágua, o jornalismo atual tem sido limitado a documentar assuntos religiosos, esportes e eventos. Porque falar de política é garantia de prisão", afirmou. "Na Nicarágua, já não existem jornais, não existem meios de comunicação independentes".

O jornalista falou das difíceis condições de quem persevera em tentar ser independente desde o exílio:

"Nós passamos dois anos sem salário. O único que recebíamos era por doações das pessoas. Era para a internet, e nós estávamos começando com um computador doado, internet doada, com um celular, um iPhone 6, que temos apenas para mantê-lo em um museu", disse. "Nós éramos jornalistas, não sabíamos nada sobre monetização na web, administração, gestão de projetos, contabilidade".

No entanto, disse Mendieta,  os jornalistas conseguiram contornar este desafio:

"Agora nós temos que fazer de tudo. Em parte é bom porque agora nós sabemos fazer de tudo, temos nosso próprio meio".

O jornalista concluiu com uma reflexão sobre as condições atuais do país:

"As pessoas estão normalizando a falta de jornalismo independente na Nicarágua. Há apenas um meio independente, mas está limitado ao entretenimento", disse. "As famílias nicaraguenses aproveitam as piscinas. Não há nada, notícias de opinião, política. E as pessoas estão se acostumando a isso, infelizmente. Mas temos que continuar, temos que seguir em frente, apesar de todas as dificuldades".

Regras para republicação

Artigos Recentes