Depois de duas edições (primeira e segunda), estamos de volta com mais o terceiro volume do Glossário LatAm Journalism Review (LJR) de expressões jornalísticas em português, inglês e espanhol.
O assunto é requentado, eu admito, mas se trata de uma suíte original, até porque as duas primeiras listas serviram como um perfeito balão de ensaio e longe de mim querer voltar atrás.
Antes da lista, eu preciso vazar um bastidor do nosso trabalho na LJR: minha editora Teresa Mioli odeia quando eu uso a palavra bastidor nos meus textos. Mas como ela sabe que eu não sou cascateiro, fica difícil derrubar o que eu escrevo.
Esta nova lista foi elaborada em parte com sugestões que chegaram através do email latamjournalismreview@austin.utexas.edu e do Twitter da LatAm Journalism Review.
Nas redações brasileiras, bastidor é um termo amplamente utilizado para fazer referência a informações que circulam foram do alcance do público e, portanto, alvo de interesse jornalístico. O termo é emprestado do teatro, onde há o palco em que ocorre o espetáculo visível ao público, e o bastidor, onde se dá a preparação e todos os seus contratempos. Por isso que em inglês muitas vezes a palavra é traduzida literalmente para behind the scenes.
“Os bastidores da política e da economia, em especial, merecem investigação jornalística permanente,” ensina o Manual de Redação da Folha de S.Paulo.
De forma similar, em espanhol se usa trascendió para se referir a informações o jornalista sabe que são verdadeiras, mas não podem ser atribuídas, e muitas vezes circulam no bastidor do poder público e privado, e por isso são de grande relevância e alvo prioritário para jornalistas em busca de furos (ver glossário) sobre acordos políticos e de negócios.
Em inglês, uma informação que trascendió nos bastidores geralmente são obtidas mediante conversas off the record com fontes que não querem ou não podem se identificar.
Vazamento tem tudo a ver com bastidor. É quando o jornalista tem acesso a uma informação que ainda não é pública, ou que a priori não seria pública. No mundo ideal, os vazamentos são formas de fontes fazerem chegar ao público informações que seriam mantidas em segredo e se manterem anônimas protegidas pelo siglo de fonte.
Foi assim que o grande público soube o que acontecia nos bastidores do escândalo Watergate, na década de 1970, e, mais recentemente, conheceu a existência do programa global de vigilância da Agência Americana de Segurança Nacional (NSA, em inglês) e de uma série de operações militares dos EUA durante a guerra contra o terror.
Outros casos recentes de impacto global foram revelados pelo Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo nos casos dos Panamá Papers, Swiss Leaks e FinCEN Files.
Os vazamentos, no entanto, ensinam os manuais de jornalismo como o da AP, devem se tratados “com ceticismo e extrema cautela. (...) E a autencidade e precisão de qualquer conjunto de dados hackeado ou vazado deve ser confirmada antes de seu uso.”
Se o jornalista brasileiro não tiver cuidado, pode cair num balão de ensaio de uma fonte. Ocorre quando uma fonte, normalmente do governo, vaza uma informação de bastidor com o objetivo de avaliar o impacto no público de alguma política em discussão interna. Como a fonte pede off pelo vazamento, ela se resguarda de uma eventual repercussão negativa e pode repensar a medida que ainda não foi oficialmente lançada.
O balão de ensaio é um termo emprestado da aviação e se refere a um balão de pequeno porte usado para testar condições meteorológicas.
O diciónário Oxford menciona a trial balloon techique para se referir ao “favorecimento de correspondentes com declarações em off que eles atribuiam a ‘altas fontes’. Se a informação pegava, [Theodore] Roosevelt [presidente americano de 1901 a 1909] a reivindicava. Caso contrário, a deixava para lá.”
Já em espanhol, pelo menos entre os jornalistas mexicanos todo mundo vai entender que soltar un borrego (literalmente, soltar uma ovelha) é o mesmo que divulgar uma notícia falsa divulgada deliberadamente com má intenção.
“É provável que se refira ao fato de que, se a história ‘pega’, ela pode ser acompanhada por outros meios, como ovelhas, contribuindo assim para a realização dos propósitos de quem a gerou,” escreveu o jornalista Mario Maraboto.
Cascata é uma palavra que em português significa uma queda-d´água e também mentira. Logo, uma cascata em jornalismo nada mais é que é uma “informação sem base em fatos reais”. Enquanto no balão de ensaio o jornalista é vítima de uma fonte, na cascata é ele que o culpado pela falsidade da informação publicada. Também pode se referir a um texto longo e inconsistente. Quem escreve uma cascata é um cascateiro.
Já em espanhol, e de novo no México, se define como volada aquilo que se pública sem ser verdadeiro. Vem do verbo volar (voar).
“Uma 'volada' é uma informação que é dada como certa, sem ter sido investigada. É uma história inventada pelo jornalista que, se bem feita, pode ter credibilidade e atingir níveis insuspeitados,” também escreveu Maraboto.
No jornalismo americano, uma cascata clássica, fruto de um misto de vazamento e balão de ensaio, foi a acusação de que o ditador iraquiano Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa. A volada atiçou a opinião pública e deu suporte à invasão do Iraque em 2003, a derrubada e eventual execução de Hussein, sem que nenhuma arma do tipo tivesse sido encontrada. Anos depois, o governo admitiu que houvera ‘uma falha de inteligência’.
Num veículo que preza pelos melhores valores jornalísticos, balões de ensaio, cascatas, voladas e borregos exigem reparação imediata, com admissão do erro e correção. Em alguns casos, podem até resultar em investigações internas e demissões. Em outros, a responsabilidade do veículo é minimizada por ele próprio.
Os americanos chamam isso de rowback (literalmente, remar para trás, ou voltar atrás). É quando a correção não é bem uma correção, quando a admissão do erro vem com uma justificativa desnecessária.
Ou, de acordo com o livro “Melvin Mencher's News Reporting and Writing,” um rowback é “uma matéria que tenta corrigir uma matéria anterior sem indicar que a história anterior estava errada ou sem assumir a responsabilidade pelo erro”
Não conseguimos encontrar uma expressão similar em português ou espanhol, o que não significa que nunca tenhamos visto rowbacks na América Latina.
Tal como refeições do dia anterior, matérias requentadas (em português) ou refritas (em espanhol) não tem o frescor que se espera do jornalismo. Normalmente, não contêm informação original nem reportagem de campo, e são produzidas a partir da redação para dar volume ao noticiário de uma forma rápida e barata.
Em inglês, se usa aggregation para indicar uma matéria feita com base em outras fontes jornalísticas, press releases ou conteúdo de agências de notícias. O jornalista inglês Nick Davies chama essa prática pejorativamente de churnalism no seu livro “Flat-Earth News”.
Manda o bom jornalismo que uma reportagem inconsistente, mal apurada ou com lacunas de informação seja derrubada ou pelo repórter ou pelo seu editor. Quem conhece os bastidores de uma redação sabe que esse é o caso em muitas tentativas de balões de ensaio ou borregos, ou mesmo com conteúdos requentados ou refritos.
Em inglês e espanhol, os jornalistas tratam reportagens de má qualidade com ainda mais gravidade: dizem kill the story ou matar la nota. Talvez seja melhor mesmo, para se correr o risco de ela se levantar e entrar na linha de produção de novo.
Em vez de requentar ou refritar, o ideal é suitar, como se diz nas redações brasileiras, ou follow up em inglês, ou fazer uma história de seguimiento, em espanhol.
Nas três línguas, o significado é igual, ou seja, dar prosseguimento a um assunto, produzir novas reportagens na cobertura de um caso. Só que no português ela vem do francês, suit, ou seja, continuar, seguir.
Uma boa suíte pode ser até melhor do que a reportagem original e a sequência de uma cobertura pode resultar em jornalismo de impacto. Caso contrário, pode resultar numa reportagem requentada. Sorte dos repórteres cujos editores hão de derrubar uma suíte forçada.
Esta lista contou com a colaboração de jornalistas da América Latina que enviaram sugestões depois de publicarmos a primeira e a segunda edições do glossário de expressões jornalísticas. E se você tem alguma sugestão, manda a sua sugestão em qualquer língua para latamjournalismreview@austin.utexas.edu, ou fale com a gente no Twitter.