texas-moody

Fechamento de 400 meios de comunicação em 20 anos agrava a crise de desemprego no jornalismo venezuelano

  • Por Ivanna Laura Ordoñez
  • 3 junho, 2024

*Este texto foi publicado originalmente no meio digital venezuelano Crónica.Uno. Partes do texto foram editadas pela LatAm Journalism Review, com a permissão da autora, para fins estilísticos.

Uma redução na equipe deixou Mairet Chourio, fotojornalista com 13 anos de experiência em meios tradicionais e digitais na Venezuela, sem emprego.

Em 14 de dezembro de 2023, ela recebeu a notícia de que era impossível manter toda a folha de pagamento do meio sediado em Caracas para o qual havia trabalhado por quatro anos.

Outra redução de pessoal em um meio digital também é a razão pela qual Gladylis Flores, uma jornalista de 30 anos do estado de Bolívar, no sul da Venezuela, não tem emprego formal desde 2022.

Desde sua demissão, Flores tem se envolvido em projetos jornalísticos e acadêmicos que duram apenas de três a seis meses. Isso e a venda de alimentos [informalmente] é a única coisa que lhe permitiu gerar renda nos últimos anos.

Menos acesso à informação, menos cobertura jornalística e menos oportunidades de emprego para jornalistas e fotojornalistas são algumas das consequências da falta de meios na Venezuela.

Em 20 anos de governo de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, houve 400 meios de comunicação a menos, incluindo mídia impressa, rádio, canais de televisão e plataformas digitais, de acordo com o relatório Situación del Derecho a la Libertad de Expresión en Venezuela (Situação do Direito à Liberdade de Expressão na Venezuela) do Espacio Público.

E, embora os mais afetados sejam os meios de comunicação tradicionais, a mídia digital enfrenta atualmente suas próprias limitações, especialmente devido ao complexo contexto econômico e político do país.

picture of a Lagsana

Gladylis Flores encontrou uma maneira de ganhar dinheiro longe do jornalismo. A venda de pastichos [lasanha] lhe deu a oportunidade de um novo começo. (Foto: Gladylis Flores)

“Conseguir trabalho nas regiões é muito mais difícil, porque, querendo ou não, a maioria dos bons projetos está concentrada em Caracas. A mídia regional não tem recursos e a remuneração é muito ruim", disse Flores.

Para Chourio, de Caracas, “a perspectiva é sombria”, porque não há oportunidades de novas rendas.

“Há cinco anos, deixei um emprego em um meio de comunicação porque meu salário não era suficiente e eu gastava muito com transporte. Depois que me demiti, fiquei sem trabalho por apenas um mês. Logo depois, recebi um telefonema de outro. Mas hoje as coisas são diferentes", disse Chourio, que está desempregada há cinco meses.

Fazendo outras coisas

Flores encontrou uma maneira de ganhar dinheiro longe da comunicação social e do jornalismo. Vender pastichos [lasanha] lhe deu a chance de um novo começo. Além disso, cozinhar é uma profissão que está atraindo cada vez mais sua atenção, embora o aumento dos preços na Venezuela dificulte a venda.

“Eu estava indo muito bem. Eu só vendia nos finais de semana. 500 gramas por cinco dólares, o lucro não era muito, mas era uma renda", disse a jornalista. “Em uma ocasião, algumas pessoas me deviam [dinheiro] e eu fiquei desanimada. Ciudad Bolívar é um pouco complicada economicamente, é uma cidade sem fontes de produção e é bastante difícil para empreendimentos.”

press conference

Em 20 anos de governo Chávez e Maduro, 400 meios de comunicação foram fechados, de acordo com o relatório Situación del Derecho a la Libertad de Expresión en Venezuela (Situação do Direito à Liberdade de Expressão na Venezuela). (Foto: Gleybert Asencio)

Chourio está pensando em procurar outra profissão e deixar a fotografia de lado.

“Eu quero e estou disposta a fazer isso, mas não tenho nenhuma outra experiência que possa aplicar em outra área. Além disso, como tudo o mais, você precisa se manter atualizada, receber treinamento, mas como fazer isso se a precariedade nos levou a viver apenas com as necessidades básicas", disse ela.

Fast food e jornalismo

Jhonattam Petit, jornalista do estado de Falcón, usou as redes sociais para contar como administra um carrinho de cachorro-quente à noite. Esse trabalho lhe permite “ganhar a vida”, ao contrário de sua profissão, que ele exerce há seis anos, mas sem grandes ganhos financeiros.

Além do negócio de fast food, Petit, de 29 anos, criou uma iniciativa de jornalismo hiperlocal que consiste em gravar notícias em áudio que ele envia à noite para seu público de mais de 360 pessoas em um grupo do WhatsApp. Isso não lhe rende dinheiro, mas permite que ele se mantenha ativo na comunicação.

“Entendi que minha realidade é diferente e que preciso de dinheiro. Descobri que posso fazer mais do que apenas comunicados à imprensa, descobri que há um mundo além da comunicação que não é ruim de explorar. Ter um nome como jornalista não é ruim, mas ter dinheiro é muito melhor", acrescentou.

Outras restrições

“Manter meios digitais funcionando tornou-se uma gincana de esforços exaustivos”, disse Laura Helena Castillo, jornalista e cofundadora da El Bus TV.

a person smiling in front of a hot dog cart

Jhonattam Petit, jornalista do estado de Falcón, usou as redes sociais para contar como administra um carrinho de cachorro-quente à noite. (Foto: Jhonattam Petit)

“Na Venezuela, essa situação é ainda mais complicada. As dificuldades de financiamento têm aumentado à medida que o interesse das organizações internacionais em apoiar projetos jornalísticos venezuelanos tem diminuído, não apenas por causa da prolongada complicação local, mas também pelo surgimento de conflitos urgentes, como as guerras na Ucrânia e em Gaza", acrescentou.

Durante muitos anos, as empresas não anunciaram na mídia digital venezuelana por vários motivos: desconhecimento do impacto de seu investimento no ecossistema digital, medo do contexto político e preferência pelas redes sociais como mecanismo de marketing direto.

“Os grandes meios de comunicação nos Estados Unidos e na Espanha conseguiram um número de assinantes que ajudam a manter as operações em funcionamento, mas em um país como a Venezuela, com um dos salários mínimos mais baixos do mundo, essa não é uma opção no momento. A cultura da assinatura será uma boa notícia que provavelmente virá com as melhorias econômicas", acrescentou a cofundadora da El Bus TV.

Mas o fator econômico não é a única coisa que a mídia digital enfrenta na Venezuela. A censura estatal por meio de bloqueios ou impedimentos ao trabalho da imprensa limita ainda mais o acesso e a disseminação de informações online.

Uma realidade que fica evidente nos 190 bloqueios de sites de mídia realizados por órgãos estatais registrados pela organização não governamental Espacio Público entre 2010 e 2022.

Marysabel Rodríguez, pesquisadora e coordenadora do Programa Observatório Social do Espacio Público, explica que quanto maior o nível de liberdade que um meio digital tem para disseminar informações, mais ele pode se tornar “um alvo de repressão”.

“É por isso que vemos tanta sensibilidade por parte das autoridades ou funcionários de alto escalão em relação ao que é divulgado na mídia digital, porque são eles que divulgam o conteúdo que é censurado no ecossistema da mídia tradicional”, disse Rodríguez.  “Isso aumenta o risco [da mídia digital], mas também fala da necessidade de protegê-la, porque são os poucos espaços livres em que informações de qualidade podem circular.”

Traduzido por Carolina de Assis
Regras para republicação

Artigos Recentes