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Ante ameaças e criminalização, rádios comunitárias na América Central lutam por reconhecimento e proteção

As rádios comunitárias são ferramentas importantes para dar voz a populações historicamente marginalizadas como povos indígenas e grupos que lutatm por justiça social. Na América Central, no entanto, elas enfrentam sérios problemas: criminalização do governo, perseguição de grupos criminosos  e instabilidade por falta de regularização e financiamento..

Diante das dificuldades, 15 organizações da sociedade civil de Guatemala, El Salvador e Honduras, entre elas a Associação Mundial de Rádios Comunitárias para a América Latina e o Caribe (AMARC ALC), solicitaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Cidh) uma audiência temática sobre a situação do jornalismo comunitário nesses três países.

“A razão da solicitação decorre da necessidade de que jornalistas comunitários e independentes, bem como especialistas no tema, possam expor aos magistrados da CIDH a situação de violência e discriminação que os meios comunitários enfrentam nesses três países, além das dívidas pendentes dos Estados em relação aos padrões internacionais de direitos humanos e sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos”, diz uma nota divulgada pela Amarc em agosto sobre o tema.

O pedido não é inteiramente inédito: desde o início deste século, a Cidh realiza sessões que abordam a comunicação comunitária na América Latina. A última sessão da Cidh sobre o tema ocorreu em novembro do ano passado e tratou especificamente da comunicação de povos indígenas. Desta vez, o intuito é se concentrar nos três países vizinhos da América Central.

Uma sentença não cumprida na Guatemala

Em uma nota conceitual de 2020, a Procuradoria de Direitos Humanos da Guatemala define assim o que é uma rádio comunitária: “Uma rádio é comunitária, seja de uma pequena localidade ou de um pequeno ou amplo setor social, por sua identificação com os interesses da comunidade; ou seja, podem existir rádios comunitárias de jovens, mulheres, camponeses, etc”.

Um mapeamento realizado no ano passado pela Rede Centro-Americana de Rádios Comunitárias Indígenas contabilizou 38 rádios comunitárias em funcionamento na Guatemala. Segundo Anselmo Xunic, coordenador voluntário da Rádio Ixchel e da associação Sobrevivência Cultural, elas ultrapassam 60. 

A principal reivindicação das rádios comunitárias guatemaltecas é o acesso às frequências de rádio, algo que está limitado pela necessidade de participar de leilões públicos, nos quais as comunidades indígenas não conseguem competir financeiramente com grandes grupos midiáticos.

O último leilão ocorreu em 2013, e segundo Xunic, os lances chegaram a ofertas exorbitantes. de De acordo com o site guatemalteco Plaza Pública, um estudo de 2009 descobriu que quase 40% do espectro de frequência modulada (FM) da Guatemala estava nas mãos de cinco grandes grupos de mídia.

As rádios comunitárias têm tentado, sem sucesso, aprovar uma lei que as reconheça oficialmente, o que abriria espaço para poderem pleitear frequências, mas enfrentam a oposição de grandes monopólios midiáticos.

“A luta é, antes de tudo, por uma frequência, uma licença de rádio. Temos lutado apresentando iniciativas de lei no Congresso da República da Guatemala para reconhecer legalmente as rádios comunitárias, mas isso ainda não foi possível”, disse Xunic à LatAm Journalism Review (LJR).  “Estamos lutando contra grandes poderes, os monopólios dos meios de comunicação, e isso nos enfraquece”.

Em dezembro de 2021, uma sentença de da Corte Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu algumas ordens relativas a rádios comunitárias no país, a partir de um caso aberto em nome de emissoras de quatro povos indígenas: Maya Kaqchikel, de Sumpango; Achí, de San Miguel Chicaj; Mam, de Cajolá; e Mam, de Todos Santos Cuchumatán , em reparação a confiscações e danos realizados contra elas até 15 anos antes.

Parte da sentença foi cumprida, como o pagamento de indenizações a três das quatro rádios (a outra está travada devido a problemas burocráticos), e a publicação da sentença no Diário Oficial, incluindo versões traduzidas para idiomas indígenas.

Mas mais importante ainda não aconteceu: o reconhecimento legal das rádios e a extinção dos processos contra elas.

“A sentença da Corte Interamericana fundamentalmente exige que o Estado reconheça os meios comunitários em sua legislação, lhes atribua frequências dentro do espectro radioelétrico e cesse a perseguição do Ministério Público contra colegas que fazem ou trabalham em rádios comunitárias”, afirmou Oscar Antonio Pérez, coordenador regional da Amarc para a América Latina, à LJR.

Xunic disse que sua organização se esforça para fazer a lei avançar, mas não tem previsão de quando isso acontecerá. Enquanto isso, o comunicador pretende pressionar o governo do presidente Bernardo Arévalo para que este conceda as quatro frequências às rádios citadas na sentença da Corte Interamericano.

“Pedimos, no mínimo, que isso seja feito através de um acordo governamental, assinado pelo president”, disse Xunic. “Ao menos seria algo enquanto a lei avança”. 

Reconhecidas, mas perseguidas

Em El Salvador, ao contrário de Honduras e Guatemala, as rádios comunitárias existem legalmente, sendo o único país da América Central a ter uma regularização sobre o setor. No entanto, apesar do reconhecimento, a elas não foram atribuídas frequências no espectro radioelétrico:

“Embora sejam reconhecidas formalmente, quando tentam solicitar uma frequência, dizem que todo o espectro já está ocupado”,  disse Oscar Pérez, da Amarc. “Portanto, há um problema de forma: o reconhecimento legal existe, mas na prática, elas não podem operar adequadamente".

A man, Oscar Pérez, regional coordinator of AMARC for Latin America, is sitting inside a radio studio in front of a microphone. He is focused, with studio equipment visible around him.

Oscar Pérez, coordenador regional da Amarc para a América Latina (Foto: Reprodução)

A principal ameaça que a Amarc deseja tratar na Cidh vem do estado de exceção imposto pelo governo autoritário de Nayib Bukele em março de 2022 e ainda vigente. Jornalistas críticos ao regime no país têm medo de sofrer prisões arbitrárias.

"O principal desafio é se manter seguro, livre de ser mais uma vítima do regime de exceção. Muitos dos direitos fundamentais das pessoas, como a liberdade de expressão e a liberdade de nos associarmos, estão vedados", disse Vanessa Cortez Bonilla, coordenadora da La Radio de Todas, a primeira rádio feminista de El Salvador, à LJR.  "Qualquer pessoa pode denunciar que você pertence às gangues e não investigam, simplesmente vêm te buscar".

Uma dessas vítimas foi o jornalista da rádio comunitária digital “Que Onda Clubu” Víctor Barahona, que passou 11 meses preso acusado de “colaborar com gangues”. Há relatos de que sua prisão ocorreu de forma irregular e de que ele sofreu torturas na prisão.

Mudanças em Honduras

Em Honduras, apesar de serem reconhecidos por um decreto executivo, os meios comunitários ainda não estão formalmente incluídos na Lei Marco de Telecomunicações, o que cria desvantagens legais em relação aos meios privados.

"Essa falta de reconhecimento formal nos impede de acessar recursos e oportunidades que outros setores da comunicação possuem, como a possibilidade de obter licenças de operação mais seguras e de longo prazo”, afirmou Carlos Enamorado, coordenador da Associação de Meios Comunitários de Honduras, que reúne mais de 35 emissoras comunitárias, à LJR.

Essa situação de não reconhecimento expõe os veículos a sanções desproporcionais, pois as mesmas normas aplicadas a grandes conglomerados midiáticos são usadas contra rádios comunitárias, sem levar em consideração as limitações técnicas e financeiras dos meios, disse Enamorado. 

Outro problema: há mais de 15 anos, a imprensa comunitária em Honduras enfrenta repressão não só do Estado, mas também de outros atores, como o narcotráfico. Segundo a organização C-Libre, mais de 100 jornalistas foram assassinados em Honduras desde 2001.

"No caso de emissoras que estão em zonas de conflito com o narcotráfico, o narcotráfico se torna outro dos atores que violam os direitos humanos nessa região", disse Enamorado.

Novas propostas

Em meio a tantas dificuldades do setor, a Amarc pretende apresentar em um fórum em Tegucigalpa, Honduras, em novembro, três documentos para fortalecer as rádios comunitárias na América Latina.

Primeiramente, em conjunto com a Unesco, a associação apresentará uma proposta de indicadores para medir a sustentabilidade integral dos meios comunitários no fórum. Em segundo lugar, será apresentado um relatório sobre o apoio econômico dado aos meios comunitários em quatro países: México, Colômbia, Equador e Argentina.

Finalmente, a Amarc vai divulgar uma proposta de lei marco de regularização das rádios comunitárias para sua adoção em países onde o setor segue desregularizado. A ideia é que os representantes nacionais da Amarc possam apresentar o projeto para o Poder Legislativo ou Executivo de cada país, e estes poderiam adotá-la após passar por pequenos ajustes de acordo com cada contexto.

"Esta lei modelo geral será adaptada às necessidades de cada país, mas a ideia é garantir o funcionamento econômico desses meios", afirmou Oscar Pérez.

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