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Documentário mostra perseguição do regime militar ao jornalista brasileiro Hélio Fernandes

Aos 100 anos de idade, comemorados na segunda-feira 11 de janeiro, o jornalista brasileiro Hélio Fernandes ainda escreve todos os dias, seja nas redes sociais ou no blog que mantém desde o fechamento do jornal que dirigiu por 46 anos, de 1962 a 2008.  

E justamente para marcar o seu centenário de vida, e mais de 80 anos de jornalismo, estreia o documentário “Confinado.” O filme reconstrói um dos momentos mais marcantes da sua carreira: a perseguição sofrida durante o regime militar que governou o Brasil de 1964 a 1985.

Como proprietário da Tribuna da Imprensa, no Rio de Janeiro, Fernandes foi uma das vozes mais críticas, e portanto, corajosas, do regime militar. Isso lhe rendeu 37 prisões e detenções para interrogatório. No apagar das luzes do regime, seu jornal e sua residência foram alvo de atentados a bomba.

“Desde o meu primeiro contato com Hélio, em 2016, fiquei impressionado com a energia dele em contar suas histórias e a memória prodigiosa,” disse o jornalista Mario Rezende, que dirigiu o documentário, à LatAm Journalism Review(LJR). “Tudo era sempre acompanhado de detalhes, como datas e nomes dos personagens envolvidos.”

Mario Rezende conversa com Helio Fernandes durante produção de ‘Confinados’. Crédito: cortesia

Mario Rezende conversa com Helio Fernandes durante produção de ‘Confinados’. Crédito: cortesia

“Confinado” conta a história do primeiro afastamento compulsório de Fernandes da Tribuna da Imprensa, quando foi enviado sem acusação formal nem processo para a Fernando de Noronha, arquipélago no mar territorial brasileiro, a 2.400 quilômetros do Rio de Janeiro.

O motivo? Em 1967, após a morte num acidente aéreo do primeiro general-presidente do período, Humberto Castelo Branco, Fernandes publicou um artigo duro em que dizia que “com a morte de Castelo Branco, a humanidade perdeu pouca coisa.”

“Uma noite eu estava jantando no Rio de Janeiro quando o coronel [Jarbas] Passarinho, que estava no mesmo restaurante, levantou e veio falar comigo: ‘Jornalista, falavam muito nos quartéis em assassinar o senhor. Eu achei que Fernando de Noronha era tão longe que ninguém ia conseguir matar o senhor lá. Eu dei a ideia,” lembra Fernandes em depoimento gravado para o documentário, concedido quando tinha 98 anos.

O regime acreditava que o isolamento de Fernandes diminuiria a combatividade do seu jornal. Só que, ao contrário, a Tribuna da Imprensa noticiava todos os dias a arbitrariedade da situação: não havia acusação formal ou processo contra o jornalista. Os militares decidiram, então, transferi-lo para Pirassununga. A cidade do interior de São Paulo ficava só a 600 quilômetros do Rio e não tinha mais do que 30.000 habitantes na época.

Ditadura queria diminuir críticas da Tribuna, mas não conseguiu

Na condição oficial de “convidado” do Exército, e não de preso, Fernandes foi mantido num hotel e era autorizado a circular dentro dos limites da cidade, sempre acompanhado de um militar à paisana. O filme conta que a presença de uma figura ilustre alvoroçou a cidade que e todos queriam conhecer o jornalista:

Campanha da Tribuna da Imprensa contra confinamento de Fernandes: resultado oposto ao esperado pelos militares. Crédito: reprodução.

Campanha da Tribuna da Imprensa contra confinamento de Fernandes: resultado oposto ao esperado pelos militares. Crédito: reprodução.

“Ele foi tratado lá como uma celebridade. Tem até uma história que eu não consegui incluir no um documentário de que ele foi convidado até para dar o pontapé inicial em jogo de futebol. Então realmente ele foi [tratado como] uma celebridade, ao contrário do que certamente os militares esperavam,” disse Rezende.

“Quando me soltaram, deram as várias coordenadas. Eu não podia mais dirigir jornal. Eu não podia mais escrever com o nome de Hélio Fernandes. Aí eu passei a assinar como o nome João da Silva, que era o nome de um pracinha que morreu na Itália, da FEB (Força Expedicionária Brasileira). E eles sabiam que era eu,” diz Fernandes no documentário.

Helio Fernandes dirigiu a Tribuna da Imprensa de 1962 a 2008. Foto: Arquivo Nacional

Helio Fernandes dirigiu a Tribuna da Imprensa de 1962 a 2008. Foto: Arquivo Nacional

Depois ele passaria outro período de confinamento, desta vez em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. E o seu jornal conviveria mais de dez anos com censores militares dentro da redação. Quando o regime militar caminhava para o seu fim, a Tribuna da Imprensa e a residência do jornalista foram alvo de atentados a bomba.

“É um risco que você corre quando resolve ficar na trincheira combatendo,” disse Fernandes. “A única forma de fazer o jornal não funcionar era destruindo as máquinas. A minha sensação era que eu estava realmente incomodando a ditadura. Sozinho, eu estava incomodando a ditadura.”

Reservado, Fernandes relutou em dar entrevista para o documentário sobre si mesmo. O processo de convencimento levou tempo e Rezende acredita que só teve sucesso porque ele próprio é nascido em Pirassununga -- embora fosse apenas uma criança quando Fernandes esteve confinado por lá.

“Creio que ele só aceitou me receber em sua casa, após muita insistência de minha parte, pelo fato de eu ter nascido em Pirassununga e conhecer muitas pessoas que conviveram com ele durante o confinamento,” disse Rezende.

Aos 100 anos, Fernandes escreve diariamente no seu blog e perfil do Facebook. Foto: cortesia

Aos 100 anos, Fernandes escreve diariamente no seu blog e perfil do Facebook. Foto: cortesia

Hoje, aos 100 anos, Fernandes ainda escreve diariamente na internet. O seu jornal, a Tribuna da Imprensa, deixou de circular em 2008 devido a dívidas e falta de recursos financeiros. Desde então, Fernandes mantém um blog e depois criou um perfil nas redes sociais, onde posta comentários e análises sobre a política nacional.

Num dos últimos posts de 2020, antes de se conceder um breve recesso, prometeu aos leitores:

“Em 2021, estaremos atentos aos acontecimentos e publicando, conectado conforme as célebres frases do meu querido irmão Millôr [Fernandes]: ‘Computa computador, computa’ e ‘Se o repórter recebe uma informação sigilosa e não publica, é melhor abrir um Supermercado’.”

O documentário “Confinado” está disponível no YouTube.

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