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Em ‘golpe contra o jornalismo’, elPeriódico da Guatemala anuncia fechamento

Com a hashtag #DecimosNOalPoder (“Dizemos NÃO ao poder”), a imagem de um grande labirinto com o mapa da Guatemala em uma de suas paredes e um "¡Hasta siempre!", o elPeriódico publicou sua última edição na segunda-feira, 15 de maio, e encerrou completamente suas operações após quase 27 anos de existência.

Seu fechamento, anunciado na sexta-feira, 12 de maio, foi considerado por organizações de defesa das liberdades de imprensa e expressão – nacionais e internacionais – como um golpe para o jornalismo e a democracia na Guatemala.

Primera página de elPeriódico con un laberinto con el mapa de Guatemala en una de sus paraedes y la figura de un hombre entrado a él. Se lee la oración #DecimosNOalPoder 1996-2023

Primeira página da edição final de elPeriódico publicada no dia 15 de maio de 2023. (Imagem: Cortesía elPeriódico)

Apesar da comoção, seu fechamento também não foi uma surpresa: o próprio jornal vinha denunciando o assédio constante contra ele. O "golpe retumbante", conforme relatado em um comunicado em 12 de maio, veio com a prisão de José Rubén Zamora – presidente e fundador do jornal – em 29 de julho de 2022 sob a acusação de lavagem de dinheiro em um processo judicial que, por si só, levantou suspeitas e críticas.

Na época, de acordo com a análise financeira do jornal, eles achavam que só durariam mais dois meses. No entanto, "nossa equipe resistiu a 287 dias de perseguição, pressões políticas e econômicas", explicou o jornal.

"Continuaremos a acreditar em uma Guatemala justa e com liberdade de expressão; uma Guatemala onde a democracia possa florescer. Até sempre", finalizou o anúncio de fechamento em 12 de maio.

"O fechamento do elPeriódico após 26 anos de excelente jornalismo é devastador. Ver uma perseguição estatal eliminar um meio de comunicação por informar seus cidadãos é abominável em uma democracia", disse José Zamora, filho de José Rubén e diretor de comunicações do Exile Content Studio, à LatAm Journalism Review (LJR).

"O simples fato de fazer jornalismo, investigar e denunciar a corrupção não deve ser criminalizado. 166 profissionais excepcionais perderam seus empregos, e os guatemaltecos perderam uma importante fonte de informação. Ao mesmo tempo, dá esperança ver que todos os jornalistas da Guatemala estão mais unidos do que nunca e continuam fazendo tudo o que está ao seu alcance para continuar informando os guatemaltecos", disse ele.

Em sua última coluna, em 15 de maio, José Rubén Zamora fez um relato de "30 anos de luta incansável contra a corrupção, a impunidade e o narcotráfico, contra os abusos de poder, o terrorismo de Estado, a marginalização e a miséria, em favor da liberdade", entre outras coisas.

Zamora também destacou a contribuição do meio em termos de emprego (400 em 2012, seu melhor momento) e agradeceu a todas as pessoas que continuaram a apoiar o jornal: acionistas, anunciantes, fornecedores, a imprensa independente, seu público e, especialmente, os membros de sua redação.

"Acima de tudo, comovido e muito emocionado, minha admiração, carinho, respeito e reconhecimento aos meus excepcionais colegas da extraordinária redação e administração de nosso humilde e modesto jornal, que, no entanto, com sua irreverência e compromisso com a verdade, fez tremer e cambalear 10 regimes de governo seguidos", disse Zamora.

"Nossa liderança em jornalismo investigativo, opinião e cultura permanece na história. Especificamente, deixamos como legado, somente durante o regime de [Alejandro] Giammattei, mais de 200 investigações jornalísticas rigorosas e muito bem documentadas, que mostram o nível exponencial que a corrupção atingiu nas instituições estatais da Guatemala", continuou o jornalista.

Zamora também apontou irregularidades no sistema judiciário, que, segundo ele, não garante o exercício da liberdade de expressão no país e o devido processo legal.

"Apesar do cansaço, das severas condições adversas, da humilhação e do escárnio, não cessarei minha luta pela liberdade e pela democracia na Guatemala. Sem liberdade de imprensa não há democracia", concluiu Zamora, assinando o local onde está preso "Bartolina #2, seção de prisioneiros isolados, [prisão] Mariscal Zavala".

As reações ao fechamento do jornal começaram na sexta-feira, 12 de maio. As organizações de defesa da liberdade de imprensa concordam no perigo representado pelo fechamento e com a mensagem intimidadora que ele envia a outros meios de comunicação.

"O fechamento de qualquer meio de comunicação é uma notícia trágica para a vida comunitária quando aspiramos a viver juntos como sociedades diversas e a lidar com desacordos com mais informações e opiniões", disse Pedro Vaca, Relator Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ao Prensa Libre.

Em setembro de 2022, a Relatoria Especial publicou um comunicado lembrando a Guatemala de sua obrigação de "garantir plena e efetivamente o direito à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa".

Entre os casos mencionados, a Relatoria se referiu à detenção de Zamora e da diretora financeira de elPeriódico, Flora Silva, e lembrou a validade das medidas cautelares concedidas a Zamora pela CIDH em 2003. Ele também disse que havia solicitado à Guatemala uma "visita de trabalho para verificar a situação de Zamora".

José Rubén Zamora - Guatemala

José Rubén Zamora, jornalisma guatemalteco, fundador e diretor de elPeriódico. No próximo 29 de maio, ele completa 10 meses na prisão. (Foto: Cortesia)

Na recente entrevista, Vaca reiterou sua intenção de visitar Zamora na prisão, mas disse que não recebeu resposta do Estado guatemalteco, apesar de ter enviado datas em que isso poderia ocorrer.

A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) também lamentou o fechamento do elPeriódico, que descreveu como "um retrocesso para a democracia" na Guatemala.

"É uma tarefa essencial da imprensa independente fiscalizar as autoridades públicas. Por essa razão, lamentamos profundamente que a Guatemala esteja perdendo um meio de comunicação que desempenhou seu papel essencial por muitos anos, devido à pressão legal, judicial e econômica a que foi exposto", disse Michael Greenspon, presidente da SIP, de acordo com o comunicado.

Em sua conta no Twitter, o Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ) lamentou o fechamento, expressou solidariedade aos seus jornalistas e lembrou as repetidas denúncias da organização sobre "o assédio constante ao El Periódico". Também exigiu a libertação imediata de José Rubén Zamora.

O Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ) disse que estava "arrasado com o fato de que, devido à pressão do governo, elPeriódico foi forçado a fechar". Acrescentou que José Rubén Zamora "também permanece injustamente atrás das grades".

Juan Pappier, subdiretor interino da divisão das Américas da Human Rights Watch, chamou o fechamento de "um golpe duro na luta pela democracia e pela liberdade de imprensa na América Central".

Na Guatemala, um grupo de pessoas se reuniu em frente à Suprema Corte de Justiça para protestar contra o fechamento do jornal. De acordo com o coletivo Festivales Solidarios, os manifestantes estão se manifestando contra o "assassinato do elPeriódico, um dos meios de comunicação que durante anos desmantelou e investigou vários governos", publicou o jornal.

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