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Jornais na Argentina que adotaram paywalls têm bom resultado entre leitores fiéis, mas se esforçam para conquistar público novo

Os jornais argentinos entraram tarde na tendência da imprensa mundial de implementar paywalls para limitar o acesso de conteúdo a leitores que pagam pela informação. O Clarín, pioneiro no país, lançou seu sistema de assinaturas digitais apenas em 2017. Para efeito de comparação, o grupo Reforma, do México, foi o primeiro da América Latina a adotar o paywall, em 2003. No Brasil, a Folha de S. Paulo foi a primeira em 2012.

Só que três anos depois, o jornal argentino atingiu 260 mil assinantes online, enquanto o brasileiro conta com 236 mil e mesmo assim é líder no país. É claro que os dois mercados têm características diferentes, mas os números atingidos pelo Clarín em tão pouco mostram que na Argentina havia uma demanda reprimida entre os leitores.

Ricardo Kirschbaum, editor geral do Clarín: jornal demorou a lançar paywall (Foto: divulgação)

Ricardo Kirschbaum, editor geral do Clarín: jornal demorou a lançar paywall (Foto: divulgação)

“Deveríamos ter lançado assinaturas digitais muito antes. O medo de perder audiência naqueles anos estava muito presente e hoje podemos dizer que Clarín ainda é líder em audiência de massa e, ao mesmo tempo, em assinaturas,” disse ao Centro Knight Ricardo Kirschbaum, editor geral do Clarín.

Ainda que tardia, a decisão se mostrou crucial para o fortalecimento do jornal num momento em que a crise de modelo de negócio dos jornais argentinos vinha se aprofundando.

Na última década, houve uma queda na circulação média diária das edições impressas entre os jornais do país. De 1,4 milhão de cópias em 2008, caiu para menos de 1 milhão em 2017. Durante esse período, o declínio mais acentuado ocorreu entre 2013 e 2014, quando caiu para menos 1 milhão de cópias diariamente. Em 2017, eram pouco mais de 800 mil.

“Na Argentina, nos últimos anos, tivemos uma espécie de tempestade dupla. Por um lado, seguindo a tendência mundial, as vendas de edições impressas estão caindo. A esta situação, na Argentina se somou uma crise econômica duradoura, um processo recessivo que complicou ainda mais todas as variáveis econômicas há pelo menos 8 ou 9 anos,” disse ao Centro Knight Andrés D’Alessandro, diretor-executivo da Associação de Entidades Jornalísticas da Argentina (Adepa, na sigla em espanhol).

Por outro lado, a audiência digital dos veículos jornalísticos no país é massiva, com um público somado de 50 milhões de visitantes únicos. Isso, no entanto, não foi capaz de impedir a queda acentuada de receitas publicitárias. Os meios impressos viram cair 40% dos recursos da venda de anúncios entre 2010 e 2017 na Argentina.

“O paradoxo, como também acontece em outros países, é que as edições on-line não param de crescer. Nunca tivemos tantos leitores como agora, medidos no número de pessoas que acessam as edições impressas e nossas edições digitais. (...) A diferença, obviamente, está no que é percebido no como resultado desse consumo. As edições digitais claramente não conseguem se equilibrar, não podem substituir o que é perdido pelo papel, o que é perdido pela impressão,” disse D’Alessandro.

Serviço para outros jornais

O centenário jornal La Voz del Interior, de Córdoba, é o maior da Argentina depois dos diários de Buenos Aires. Mesmo assim, vende apenas 50 mil exemplares impressos por dia, por atuar num mercado muito menor. La Voz lançou seu modelo de assinaturas digitais em fevereiro de 2018, com uma inovação: o desenvolvimento de uma solução tecnológica própria para a gestão dos assinantes.

“Quando tudo estava pronto para entrarmos neste mercado, surgiu um uma questão tributária não prevista que elevava em 40% o preço do serviço, tornando-o inviável. Diante disso, decidimos abortar o início do nosso paywall e surgiu a ideia de aproveitarmos toda a experiência coletada até então para desenvolver nossa própria plataforma,” disse ao Centro Knight Carlos Jornet, diretor jornalístico de La Voz del Interior.

Carlos Jornet, director de La Voz del Interior: negócios digitais sustentarão La Voz a partir de 2023 (Foto: divulgação)

Carlos Jornet, director de La Voz del Interior: negócios digitais sustentarão La Voz a partir de 2023 (Foto: divulgação)

Assim, a plataforma Wyleex se transformou num produto com mercado entre outros jornais da América Latina, servindo de fonte extra de receita para La Voz. Segundo Jornet, a plataforma é usada por outros jornais de Argentina, Bolívia, Equador e Panamá, com contatos avançados em outros dez países da região.

“O grande valor agregado que oferecemos, além dos custos de acordo com a realidade latino-americana, é que a ferramenta nasceu de um meio de comunicação e vem acompanhada por nossa experiência no campo. Com nossos sucessos e erros. (...) Além disso, a plataforma está evoluindo com base em nossa própria experiência e na de nossos clientes, frequentemente inserida em economias com graus bancários ainda emergentes”, acrescentou Jornet.

Em 2019, o sistema de paywall de La Voz foi finalista do prêmio Digital Media LATAM, da Associação Mundial de Jornais (WAN-IFRA, em inglês) na categoria melhor estratégia de conteúdo pago.

Hoje, quase dois anos depois da implementação do sistema, La Voz tem 23.500 assinantes digitais. Segundo Jornet, as receitas começaram a subir com o fim das promoções oferecidas aos primeiros assinantes. Mesmo assim, o papel ainda pesa mais no resultado total da empresa. Mas deve mudar em breve:

“Nossas projeções indicam que em 2023 seremos uma empresa sustentada principalmente pelos negócios digitais, na qual o público será uma parte essencial de nossa monetização,” disse Jornet.

“Não é uma corrida de 100 metros, é uma maratona”

Além de Clarín e La Voz, também já implementaram sistemas de paywall o La Nación, pouco meses depois do Clarín, e La Gaceta de Tucumán.

O tradicional La Nación, que completa 150 anos em 2020, ultrapassou no ano passado os 200 mil assinantes digitais. A marca foi alcançada pouco menos de dois anos depois do lançamento do sistema de paywall do diário. Já La Gaceta de Tucumán começou a vender assinaturas digitais em julho de 2019, usando o sistema Wyleex desenvolvido por La Voz del Interior.

O secretário-geral de redação de La Nación, José Del Río, disse que acredita que o resultado atingido no número de assinantes digitais é resultado não só das iniciativas para atender os hábitos dos leitores, mas também do investimento em bom jornalismo.

“A transformação em que estamos imersos implica em estudar o que nossos leitores desejam, aprofundando as questões que geram valor e continuando a promover projetos específicos, inovadores e disruptivos que, graças à contribuição da equipe de Produto e Tecnologia, levam ao máximo o nosso jornalismo,” escreveu del Río no site do jornal em junho de 2019.

Segundo Andrés D’Alessandro, diretor-executivo da Adepa, outros meios argentinos, tradicionais e nativos digitais, estão trabalhando no desenvolvimento de seus sistemas de paywall e podem se somar a esta lista em 2020.

Andrés D’Alessandro, diretor-executivo da Adepa: uma tempestade dupla para a imprensa da Argentina (Foto: divulgação Adepa)

Andrés D’Alessandro, diretor-executivo da Adepa: uma tempestade dupla para a imprensa da Argentina (Foto: divulgação Adepa)

A experiência argentina, de acordo com D’Alessandro, indica que os leitores mais fiéis são aqueles que mais aderem a assinaturas digitais num primeiro momento, mas para o modelo se consolidar, é preciso conquistar também novos leitores. Para isso, a análise do comportamento do público através dos dados gerados pelas assinaturas digitais é fundamental.

“Acredito que tanto Clarín quanto La Nación e, em alguma medida também La Voz del Interior e agora La Gaceta de Tucumán estão tirando vantagem do público cativo, o público mais identificado com o jornal. Eles são usuários intensivos e estão totalmente identificados com a marca,” disse o diretor-executivo da Adepa. “O grande desafio [é ampliar a base de leitores]. Sei que eles estão trabalhando nisso com todo o fornecimento de dados que hoje permitem os sistemas de tecnologia e registro. Eles estão progredindo nisso, mas ainda precisam dar muitos, muitos passos.”

É o que vêm fazendo La Voz del Interior e o diário Clarín, na expectativa de manter suas operações jornalísticas sustentáveis com cada vez mais apoio do público.

“O grande desafio de instalar um paywall [em La Voz] é obviamente atrair assinantes, e também preservar o volume de tráfego que continua a suportar o modelo comercial de negócios. Enquanto isso, aprimorar o conhecimento de nosso público para que possamos oferecer aos anunciantes melhores taxas de contato para os produtos e serviços que eles oferecem,” disse Jornet.

“O negócio de assinaturas digitais vem crescendo ano a ano. Estamos [no Clarín] atingindo as metas de assinantes e monetização,” disse Kirschbaum. “Não é uma corrida de 100 metros, é uma maratona”.

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