texas-moody

Jornal da Costa Rica busca novos modelos de negócios online após fim de versão impressa (Entrevista)

  • Por
  • 4 outubro, 2012

Por Zach Dyer

O editor do Tico Times, David Boddiger, já conseguia vislumbrar o que iria acontecer quando entrou no jornal, dois anos atrás.

Quando ele se mudou de Chicago para a Costa Rica para ficar à frente da publicação diária em língua inglesa mais antigo do país, disse ele, o jornal estava se recuperando da perda de publicidade do mercado de imóveis após a bolha imobiliária dos EUA estourar. A equipe havia sido reduzida a alguns gatos pingados.

Na terça-feira, 25 de setembro, o Times demitiu sua equipe inteira de 16 pessoas. Três dias depois, os leitores perceberam que o jornal em suas mãos era a última edição impressa do Tico Times.

Mas o jornal de 56 anos não estava pronto para desistir. Num comunicado aos leitores, o Tico Times anunciou uma campanha de arrecadação de fundos para levantar $10 mil para manter a publicação sediada em San José viva até ser reestruturada num veículo on-line. Muitos da antiga equipe se voluntariaram para continuar no jornal sem receber pagamento durante a reestruturação.

Centro Knight para o Jornalismo nas Américas conversou com Boddiger sobre o fim da edição impressa e o futuro on-line do Tico Times.

Centro Knight: Quem vai sentir mais falta da edição impressa? Você acha que a fidelidade dos leitores poderá ser transferida para uma publicação apenas online?
David Boddiger: Temos uma comunidade de expatriados muito grande, com cerca de 20 mil pessoas da América do Norte, a maioria dos Estados Unidos. [O Tico Times é] um ponto focal fundamental dessa comunidade aqui. Costarriquenhos bilíngues têm muita intimidade com nossa publicação e a consideram parte de seu cenário de mídia.

Temos visto uma geração jovem e escolarizada [de costarriquenhos] que é impressionantemente conectada à internet e nos seus smartphones. […] Todos os dias vemos um número crescente de consumidores consumir suas notícias ou outras informações em tablets e iPhones. Esse é o caminho que o país vai seguir.

KC: Em termos de tecnologia, o que o Tico Times fará de forma diferente se vocês conseguirem novos financiamentos?
DB: Nos próximos meses, vamos elaborar um novo website que oferece o que as pessoas querem e esperamos desenvolver aplicativos e alcançar leitores onde eles leem suas notícias, em seus iPads, iPhones. Não acho que estamos fazendo isso agora.

Os leitores devem ter a possibilidade de interagir com as notícias que leem e, se não pudermos oferecer isso, vamos ficar para trás. Acho que é importante alcançar novos leitores e expandir nossa audiência, e é obviamente mais fácil fazer isso na internet.

KC: Como será o novo modelo de negócios?
DB: Há bons modelos, mas nenhum que sirva para tudo. Paywalls, doações... Provavelmente será um modelo híbrido.
Temos uma associação sem fins lucrativos, mas é apenas uma questão de desenvolver tudo nos Estados Unidos. Ela vai permitir que pessoas façam doações sem cobrança de impostos dos EUA. […] Acho que se fizermos um Tico Times sem fins lucrativos, isso nos ajudará [a financiar reportagens investigativas e ambientais]. Não vai solucionar todos os nossos problemas, mas é mais uma ferramenta na caixa.

Estamos lançando uma nova empresa, também chamada Tico Times,mas é um novo começo para nós, e há várias oportunidades.

KC: Um comunicado do jornal dizia que foi tomada uma série de decisões fatais e havia uma "falta de visão de longo prazo". Como essa reestruturação tratará desses problemas?
DB: Acho que, como éramos focados em tentar manter a edição impressa, havia uma série de "erros fatais". [O editor Dery Dyer] adora produtos impressos e sabe que somos um ponto focal da comunidade, e o que eles não conseguiram entender foi que a comunidade ainda existe, ela apenas migrou para o ambiente on-line. As necessidades não desapareceram, as pessoas não desapareceram, nós apenas não conseguimos cumprir as expectativas dos nossos leitores.

Com o passar dos anos, diminuímos tanto de tamanho que estávamos operando com um mínimo necessário editorialmente, e nossa equipe editorial não poderia diminuir ainda mais. Ainda tínhamos todos os departamentos que precisávamos para produzir um produto impresso, mas havia todos esses custos, e estávamos operando com uma equipe muito pequena. Agora que estamos focando numa única direção, acho que podemos melhorar nossos serviços. Queremos uma equipe editorial completa, queremos continuar produzindo matérias que exigem repórteres na rua. Acho que vamos melhorar. Já sabemos como trabalhar com uma equipe limitada, então acho que isso vai nos ajudar nesse processo.

KC: Já que a publicidade continuará sendo parte do seu modelo de negócios, vocês ainda vão depender de publicidade imobiliária ou há outros mercados em que estão de olho?
DB: Precisamos de diversidade. O mercado imobiliário está se recuperando totalmente por aqui, então há algo nessa direção. Mas esse era um dos nossos problemas: você não pode depender tanto de um mercado para gerar toda sua renda porque se ele se mostrar uma bolha, como aconteceu aqui, você vai ficar encrencado. Diversidade é muito importante, então vamos focar nisso.

KC: O comunicado também afirmava que a editora-chefe Dery Dyer era "resistente" a mudanças em tecnologia. Ele vai continuar como editora-chefe?
DB: [Dyer investiu] tudo que tinha, incluindo suas economias pessoais, na manutenção da edição impressa. Ela não estará envolvida na nova empresa. Ela vai focar em finalizar o que ficou pendente da antiga empresa. Ainda será a dona da marca. Ainda temos que decidir o papel que ela vai desempenhar no futuro. Sem dúvida, ela é a memória institucional dessa empresa e terá uma função, mas ainda precisamos decidir qual será.

KC: Você vê o que aconteceu com o Tico Times como um caso individual – que teve a ver com as circunstâncias particulares do jornal naquele momento – ou como algo que pode ter algum significado sobre jornalismo em língua inglesa na América Latina?
DB: Não sei como qualquer publicação em língua inglesa — a não ser que faça parte de um nicho como o turismo — possa ser sustentável. Em geral, eu digo que não estamos sozinhos, que todos os outros jornais na Costa Rica também estão conversando sobre essas coisas. Até o maior jornal diário em espanhol da Costa Rica, La Nación, está se reestruturando e tenho certeza de que há algumas demissões em frente. Sei que eles estão falando sobre se e quando eles devem acabar com a versão impressa do jornal em cinco anos.

CR Hoy é um exemplo de alguém que busca um novo modelo, e o La Nación e os outros terão de descobrir um modelo que também funcione para eles. Se você for a uma coletiva de imprensa, os repórteres do La Nación com camisetas CR Hoy, seus relatórios em iPads […] É um empreendimento muito ousado e está todo na internet.

KC: Como você explica o fato de que algumas pessoas da equipe se ofecereram para continuar trabalhando mesmo depois de serem demitidas?
DB: Acho que o fato de 10 pessoas terem decidido ficar como voluntários mostra o comprometimento com essa marca e com o legado do Tico Times. Todos querem ver esse trabalho. É uma oportunidade para trazer esse jornal para o século 21 e cumprir as demandas atuais de um jornal, se pudermos. Acho que, com o comprometimento das pessoas que ainda estão aqui, se não conseguirmos fazer o jornal dar certo, é porque é de fato impossível.

Nós ainda estamos aqui e não apenas isso: queremos oferecer melhores serviços para os nossos leitores no futuro. Se a comunidade nos apoia, podemos caminhar esse longo percurso juntos.

KC: E você, continuará no Tico Times?
DB: Tanto quanto eu puder, nós realmente queremos ver o jornal dar certo. Eu definitivamente vou tentar ficar até o final.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

Artigos Recentes