Primeiro post de uma série sobre os mecanismos de proteção para jornalistas criados por governos na América Latina.
O assassinato do repórter gráfico mexicano Rubén Espinosa na Cidade do México, onde havia chegado depois de deixar o estado de Veracruz em busca de refúgio temendo por sua vida, gerou uma onda de indignação internacional pelo elevado nível de violência enfrentado pelos jornalistas do país e a aparente incapacidade das autoridades para protegê-los.
A violência contra a imprensa no México parece não dar trégua. Até o momento, já foram registrados sete assassinatos de comunicadores. Três destes homicídios ocorreram ao longo de uma semana.
Mas a violência contra jornalistas vem de tempos atrás. Desde 2000, México é considerado o país mais perigoso para exercer o jornalismo nas Américas, segundo o relatório da visita in loco realizada em 2010 pelos relatores especiais para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Repórteres Sem Fronteiras (RSF) coloca o pais em 148º lugar dentre 180 países, em sua Classificação Mundial da Liberdade de Imprensa 2015. De acordo com o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ na sigla em inglês), 34 jornalistas foram assassinados desde 1992 por motivos relacionados ao seu trabalho. Destes casos, 28 ficaram impunes. O CPJ também tem outros registros de mais de 40 jornalistas assassinados, cujos motivos não foram determinados.
Não é de se estranhar então que uma das recomendações feitas pelos relatores especiais ao Estado mexicano fosse a criação de um programa especial de proteção, cumprindo sua obrigação de proteger aqueles expostos a um risco maior.
De acordo com o relatório da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da CIDH, ‘Violência contra jornalistas e trabalhadores de meios: padrões interamericanos e práticas nacionais sobre prevenção, proteção e busca da justiça’, as normas de direitos humanos estabelecidas no sistema interamericano dizem que “os Estados têm uma obrigação de proteger os que estão expostos a um risco especial com relação a seus direitos fundamentais”.
Neste sentido, os jornalistas e trabalhadores da imprensa em países como México, onde estão expostos a maiores perigos do que em outros lugares, os Estados estão obrigados a lhes dar uma maior proteção. E os mecanismos especializados de proteção se tornaram uma boa ferramenta para isso.
Mecanismo do México: em busca da efetividade
México foi o segundo país da região em implementar um mecanismo de proteção, depois da Colômbia.
Apesar do chamado de organizações internacionais, a sociedade civil teve um papel vital não só na sua criação, mas ao exigir do governo a efetividade do mecanismo.
“O mecanismo foi iniciativa da sociedade civil”, afirmou Iván Báez, coordenador de proteção da Artigo 19 no escritório para o México e a América Central, em entrevista com o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas. “Estivemos envolvidos desde o início, mas ao ver que [o mecanismo] não funcionava, que não dava resposta às pessoas, deixamos de apresentar casos”.
O início do mecanismo foi no final de 2010, quando houve os primeiros esforços para sua criação e implementação. Porém foi só em junho de 2012, após a promulgação da Lei para a Proteção de Pessoas Defensoras de Direitos Humanos e Jornalistas que se criou formalmente o Mecanismo de Proteção para Pessoas Defensoras de Direitos Humanos e Jornalistas.
Segundo Báez, o mecanismo e a lei ainda são demasiado imperfeitos por várias razões. Uma delas é que as pessoas encarregadas de manejar o mecanismo não estão capacitadas para fazê-lo – em alguns casos não têm sensibilidade sobre os temas tratados. Também destacou que os recursos financeiros e humanos não são suficientes para a demanda que existe, e que tampouco existe uma capacidade tecnológica em equipamentos.
Esta situação provoca que a resposta do mecanismo seja muito lenta. Em muitas ocasiões, segundo Báez, as medidas de proteção chegaram quando os jornalistas já não se sentiam mais ameaçados ou quando já haviam deixados suas cidades ou o país. Por exemplo, Artigo 19 reportou que em 2014 houve 326 agressões contra a imprensa e “nem 10%” delas foram atendidas pelo mecanismo de proteção, assegurou Báez.
A situação do mecanismo é tal que Artigo 19 do México optou por oferecer aos jornalistas a proteção que não recebem de maneira oficial. Báez conta que até a data deste ano interviram em pelo menos 30 casos em nível nacional. Embora cada caso tenha suas particularidades, a ajuda oferecida pela Artigo 19 pode ir desde apoiar o que um jornalista se mova de maneira segura de uma região a outra, oferecer refúgio de até três meses em um lugar onde se garanta a satisfação de suas necessidades, até dar a eles equipamentos de monitoramento para suas casas.
Este “mini-mecanismo” de proteção, se se pode chamar assim, funciona com quatro pessoas.
O Estado mexicano, durante uma audiência perante a CIDH em março de 2014, informou que o mecanismo “estaria recebendo importantes dotações orçamentárias” e que contaria com o acompanhamento técnico de entidades internacionais especializadas em liberdade de expressão como Freedom House, segundo consta no Informe Anual 2014 da Relatoria Especial. O Estado também informou que até esse momento estava dando proteção a 238 pessoas, mas não está claro quantas dessas pessoas são jornalistas.
Uma das críticas mais fortes que faz Báez ao governo mexicano é convencer o mundo que o crime organizado é o maior agressor da imprensa, o que dificulta seu controle. Contudo, de acordo com números da organização, mais de 40% das agressões à imprensa vêm por conta de funcionários públicos, e menos de 1% do crime organizado.
Outro problema enfrentado pelo mecanismo, de acordo com a Relatoria Especial, é a falta de comunicação entre as instituições federais e as autônomas. Por exemplo, apesar do mecanismo criar a Promotoria Especial para a Atençao aos Delitos contra a Liberdade de Expressão (FEADLE), em muitas ocasiões ela não consegue atrair o caso de algum jornalista assassinado por falta de comunicação.
O mecanismo foi publicamente criticado não só por jornalistas que tentaram acessar o programa, mas por outras organizações, como relatou o Centro Knight em outubro de 2014. A desconfiança é tal no mecanismo, que como disse Darío Ramírez, diretor da Artigo 19 para México e América Central, ao Centro Knight, Rubén Espinosa nunca apresentou seu caso ao mecanismo porque “era cético de que verdadeiramente fosse adiantar algo”.
Com este panorama, a Artigo 19 está convencida de que o mecanismo precisa se analisar em profundidade.
“Falta fazer uma autocrítica séria do mecanismo”, afirmou Báez. “Perguntar aos operadores do mecanismo, que são os que o conhecem, e criar uma política adequada. Sabemos que se o mecanismo começa a funcionar vai haver uma alta significativa de casos apresentados e isso poderia ser interpretado como um aumento da violência. Mas ao contrário, se se faz efetivo, não haverá necessidade de voltar a utilizá-lo. Temos os casos de jornalistas que recorreram quatro vezes ao mecanismo. Se fosse efetivo, não haveria lugar para uma nova agressão. Só assim se podera medir no tempo sua efetividade”.