Lucas Thaynan e Graziela França eram jovens estudantes da Federal de Alagoas, quando a universidade entrou em greve e, com o tempo ocioso, decidiram fazer um curso online de jornalismo de dados.
"Nunca tinha ouvido falar desse termo, jornalismo de dados. Mas, pelo que li rapidamente, aliava o jornalismo que me interessava e os números, que eu já gostava demais", contou Thaynan à LatAm Journalism Review (LJR).
Depois do curso, os estudantes se aprofundaram no assunto e lançaram, ainda na faculdade e com apenas R$ 200, a Tatu, agência de jornalismo de dados especializada na cobertura do estado de Alagoas. Hoje a startup conta com oito funcionários, já se sustenta financeiramente e busca ampliar a cobertura para abarcar o Nordeste – a região é a segunda mais populosa do país, concentrando mais de 27% dos brasileiros.
Apesar disso, o Nordeste é também a região com o maior número e a maior proporção de desertos de notícias, que são municípios sem veículos independentes de jornalismo, segundo dados do Atlas da Notícia de 2020. São 1.318 desertos, isto é, 73,5% dos municípios nordestinos não têm nenhum meio de comunicação.
No ano passado, a Tatu foi escolhida para participar do Startup Lab da Google News Initiative, um programa para apoiar e acelerar empresas e projetos de jornalismo. Além da mentoria e o treinamento, a startup recebeu US$ 20 mil em financiamento.
"Fomos os únicos representantes do Norte e Nordeste, de dez veículos brasileiros, isso pra gente foi muito bacana", diz Thaynan, que é diretor de visualização da agência.
Levar essa representatividade e diversidade regional para ambientes de mídia dominados por veículos do eixo Rio-São Paulo-Brasília, além de preencher um vazio informativo no Nordeste, é uma das missões da Tatu.
No início do projeto, ainda na faculdade, Thaynan tinha previsto focar apenas em dados e política. Mas a escassez desse tipo de jornalismo em Alagoas fez com que ele abandonasse a ideia de restringir o conteúdo a apenas uma editoria.
"Ninguém faz jornalismo de dados aqui no estado, então nós podemos trabalhar qualquer temática dentro disso. Fizemos muita produção voltada para saúde, durante a pandemia, e cobrimos política, economia, meio ambiente, segurança pública", diz.
O diretor de tecnologia da Tatu, Lucas Maia, que se juntou à iniciativa um ano depois do lançamento, complementa.
"Onde tem dados [sobre Alagoas e sobre o Nordeste] a gente está cobrindo. Porque de certa maneira o Brasil já está sendo bem coberto, e tem uma carência dessa cobertura exatamente aqui no Nordeste. Então, ao invés de disputar com grandes veículos, a gente procura fazer o que não está sendo feito", disse Maia à LJR.
O jornalista ressalta como a falta de informação sobre o Nordeste tem um impacto real na vida das pessoas.
"Eu sei muito mais sobre São Paulo do que sobre Sergipe e Pernambuco, que estão aqui do lado. Só com novos veículos surgindo e com novas fontes de receita que vamos conseguir mudar isso. Se quem financia o meu veículo, se toda a origem da receita está no Sudeste ou na capital federal, também todas as minhas pautas vão circular por ali", explica.
Maia conta que as redações no estado passaram por muitos cortes e demissões nos últimos anos, o que afetou a capacidade dos jornalistas locais de fazer boas reportagens.
"Então o que pulula nos sites de notícias são informações de assessoria. Dificilmente você vai ver uma matéria bem apurada a não ser quando está perto de algum prêmio, que os jornalistas se mobilizam para fazer uma reportagem um pouco mais elaborada. [...] As redações tradicionais aqui costumam ser pautadas pelo jornalismo declaratório. Você vai na coletiva, pergunta para o governador como está a segurança pública, e você escreve", diz.
Assim, o diferencial da Tatu, no contexto local, é partir dos dados brutos para criar pautas próprias, fugindo da agenda de divulgação das assessorias. Ou seja, a declaração das autoridades entra no final da matéria, na hora de pedir o outro lado, e não como ponto de partida, diz Maia.
"Isso faz muita falta e é esse espaço que a gente tenta cobrir".
Abrindo um negócio na faculdade, sem dinheiro
A ideia de criar a Tatu surgiu depois de que Thaynan participou de um curso online de introdução ao jornalismo de dados do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas em 2015, quando estava na faculdade.
Ao final do treinamento, os melhores trabalhos foram selecionados para participar de um evento no Google. Thaynan conta que foi o único estudante entre os oito escolhidos – os outros eram profissionais já em atuação no mercado. A experiência e o feedback dos instrutores, segundo ele, foi "uma motivação muito grande".
"Acho que se não fosse o Centro Knight, a Tatu não existiria hoje."
Depois do curso, Thaynan descobriu que Graziela França, atual diretora de conteúdo da Tatu e sua colega de faculdade, também tinha feito o treinamento. Ao longo de 2015 e 2016, os dois se aprofundaram no jornalismo de dados, mas sentiam falta de colocar o novo conhecimento em prática.
Assim, em 2017, Thaynan decidiu fazer seu trabalho de conclusão de curso sobre uma agência de jornalismo de dados. Em seguida, propôs para França e outra colega de faculdade aproveitar o projeto para criar a Tatu, que foi lançada em abril.
Thaynan conta que, no primeiro ano, eles se financiaram com o valor dos prêmios locais que ganharam. E tudo era reinvestido na agência.
"Foram uns três prêmios, cada um dava cerca de mil reais. Hoje a gente tem oito prêmios".
Para lançar a agência, eles passaram cerca de quatro meses montando o site, sozinhos.
"Nós não sabíamos como fazer, aprendemos na marra e montamos do zero. Investimos apenas R$ 200 no início, para hospedagem e o domínio", diz ele.
Em 2018, Thaynan e Maia fizeram outro curso do Centro Knight, sobre Python.
"Eu já conhecia o trabalho do Thaynan e da Tatu, entre os estudantes era uma coisa muito falada, eles levavam todos os prêmios no estado, mas eu não os conhecia pessoalmente", diz Maia, que também estudava na Federal de Alagoas. Os dois foram selecionados, ao final do curso do Knight, para um evento no Google, onde se conheceram, e Maia entrou para a Tatu.
No mesmo ano, Thaynan se formou. Ele já tinha feito vários estágios em redações locais, mas, ao invés de procurar um emprego fixo em algum veículo, decidiu investir na agência.
"Pensei 'talvez a gente tenha um projeto bem legal aqui'… porque no primeiro ano da Tatu a gente já tinha recebido alguns prêmios locais".
Contribuiu também para a sua decisão o fato de que o mercado jornalístico em Alagoas estava passando por um momento difícil. Em 2019, houve uma grande greve de jornalistas e, após a mobilização, muitas empresas demitiram em massa, especialmente aqueles ligados à paralisação. Os que mantiveram seus empregos nas redações tiveram os salários cortados e sofreram com as reduções drásticas nas equipes, conta Thaynan.
"Ainda vivemos muitos reflexos dessa greve e acredito que vamos viver nos próximos cinco a dez anos. Isso fez eu me dedicar ainda mais à Tatu para fazer com que ela crescesse e conseguisse bancar toda a equipe. Se o mercado de trabalho para jornalistas aqui já era difícil, após a greve ficou mais ainda. O mercado ficou muito pequeno para todos", diz.
Até 2020, todos que trabalhavam na Tatu atuavam como voluntários. Atualmente, a startup tem oito funcionários, todos remunerados. O veículo publica duas matérias especiais por semana em seu site, que podem ser republicadas gratuitamente. Thaynan afirma que essa foi uma estratégia para se tornar conhecido pelo público e pelos jornalistas da região.
Maia diz que, desde 2018, a equipe passou por muitos treinamentos e mentorias, com o objetivo de fazer a Tatu crescer e se tornar sustentável.
"Amadurecemos o funcionamento da empresa, como captar recursos, e isso permitiu que hoje a gente tenha uma receita constante, uma equipe maior, e uma sala bacana para trabalhar", comemora.
A Tatu hoje se financia, principalmente, com venda de serviços de produção de conteúdo para terceiros, como empresas e governos. Um exemplo é a parceria com o governo estadual: na pandemia, a agência fez um projeto de fact-checking, para combater as fake news em saúde. Apesar das parcerias, Maia afirma que isso não afeta a independência editorial da agência nem as reportagens que eles fazem.
Uma das iniciativas jornalísticas mais bem-sucedidas da Tatu foi a ferramenta "Onde tem Álcool Gel em Maceió?".
"No início da pandemia, o estoque de álcool gel se esgotou. Você procurava nos supermercados e farmácias e não achava", lembra Thaynan.
Na época, a equipe já tinha experiência com um banco de dados público da Secretaria da Fazenda do Estado de Alagoas, que mostra, em tempo real, a emissão de notas fiscais por estabelecimentos comerciais do estado. Ou seja, se uma loja está emitindo nota fiscal de uma mercadoria, provavelmente ela tem esse produto no seu estoque, explicam os jornalistas. E, com o mesmo banco de dados, é possível também fazer uma série de análises sobre os preços no mercado.
"Foi uma sacada muito boa do Maia, porque de um dia pro outro a gente criou uma ferramenta para mostrar quais estabelecimentos da capital, Maceió, tinham álcool gel disponível", diz Thaynan.
Maia conta que foram cerca de 40 mil acessos em poucas horas e o site da agência chegou a sair do ar.
Com a mesma base de dados e levando em conta a escalada nos preços do combustível no país, a Tatu criou o aplicativo Abastece Maceió, atualizado em tempo real, onde é possível pesquisar onde a gasolina está mais barata nos postos da cidade.
Para Maia, esse tipo de ferramenta é uma vitrine e está no DNA da agência.
"Construir matérias a partir de dados é algo que aqui em Alagoas é muito escasso, praticamente inexistente".
*Nota do editor: A LatAm Journalism Review é um programa do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, que ofereceu os cursos realizados pelos fundadores e diretores da Tatu.