A alimentação é essencial para a sobrevivência humana. No entanto, poucas pessoas conhecem o processo que cada fruta, legume ou produto tem que passar para chegar aos supermercados ou lojas e de lá para a nossa mesa. Seguindo essa premissa, surgiu o Cultivar, distribuir e comer: o caminho para a soberania alimentar, uma investigação jornalística promovida por nove meios de comunicação em cinco países latino-americanos (Argentina, Chile, Equador, Peru e Venezuela).
“Nossa pergunta inicial era quantas pessoas nos permitem comer uma maçã, um tomate, uma cenoura, etc. Além disso, quantas pessoas estão envolvidas e qual é o processo para que essas frutas e legumes cheguem à nossa mesa”, disse à LatAm Journalism Review (LJR) Zoila Antonio Benito, diretora do veículo peruano com perspectiva de gênero La Antígona e uma das coordenadoras desta investigação.
Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a América Latina e o Caribe são a região mais cara para obter alimentos saudáveis e nutritivos, apesar de possuírem a maior diversidade do mundo.
Ainda assim, não são discutidos nem assunto da agenda midiática os esforços de certas populações para promover sua soberania alimentar, entendida como "o direito dos povos, nações ou uniões de países de definir suas políticas agrícolas e alimentares"; conceito cunhado pelo movimento internacional Via Campesina.
Para fazer esta pesquisa, a equipe composta por 45 pessoas trabalhou durante sete meses. Jornalistas, fact-checkers, designers gráficos, ilustradores, comunicadores audiovisuais e criadores de conteúdo estiveram envolvidos. A investigação é composta por três reportagens, um podcast, três vídeos e reportagens fotográficas onde são visíveis as realidades de pessoas que se dedicam ao consumo e venda de alimentos.
“No caso da redação, a equipe de jornalistas e repórteres trabalhou em três áreas para a investigação: produção, distribuição e consumo. Os repórteres entrevistaram produtores do meio rural e os distribuidores, ou seja, vínculos entre os produtores e os pontos de venda e consumidores de produtos com consciência soberana e agroecológica”, disse Pierina Sora, jornalista e cofundadora da Cápsula Migrante, à LJR .
Uma agricultora idosa da cidade de Cuenca, no Equador, uma produtora de cultivos orgânicos na Argentina e empreendedores de um negócio familiar de mel no Peru são alguns dos protagonistas desta investigação.
Cultivar, distribuir e comer é contado a partir das experiências de mulheres e pessoas da população LGBTQ+. E é que, conforme explicado na reportagem, grande parte do trabalho de plantio e produção é representado por mulheres e raramente é valorizado.
“Os protagonistas dessas histórias estão se adaptando e resistindo aos próprios desafios e sobrevivendo em espaços que muitas vezes podem ser hostis porque são marcados pela violência ou pelo avanço das indústrias agroquímicas”, disse Antonio Benito. “Que melhor maneira do que fazer uma pesquisa onde possamos refletir a realidade e as necessidades de cinco países. E embora esses países tenham contextos diferentes, os problemas são semelhantes”, acrescentou.
Não só as histórias são contadas com uma perspectiva de gênero e consciência feminista, mas o trabalho anterior da equipe também foi guiado por essa filosofia. “Trabalhar em equipe com perspectiva de gênero significa que medidas executivas foram tomadas, como reuniões curtas para cuidar do nosso tempo de descanso, decisões e visões acordadas e autocuidado. Essas decisões equitativas de tarefas também são uma forma feminista de abordar o trabalho contra as linhas verticais do trabalho tradicional”, disse Nicole Martín, cofundadora da Revista Colibrí na Argentina e outra das coordenadoras deste trabalho, durante a coletiva de imprensa do lançamento, em 9 de agosto.
Em relação aos achados da pesquisa, destacam que, apesar dos estereótipos, as mulheres e pessoas da dissidência sexual participam do cultivo, organização e gestão dos alimentos de suas comunidades. Além disso, embora a participação da comunidade LGBTQ+ não seja tão visível na área de distribuição de alimentos, eles têm leis que protegem seus direitos trabalhistas. Por fim, a coordenação da equipe destaca entre suas constatações que há a necessidade de criação de políticas que alimentem as populações a partir da produção.
Os nove veículos que trabalharam nesta investigação fazem parte da Coalizão LATAM, uma iniciativa da Factual/Distintas Latitudes, que, segundo seu site, busca promover o crescimento de meios de comunicação fundados por jovens jornalistas, bem como agregar valor ao conteúdo e à audiência.
“Nós dos veículos que participaram desta investigação acreditamos no jornalismo colaborativo. É uma questão regional e fazê-lo dessa forma proporciona um maior alcance aos públicos”, disse Antonio Benito. "Além disso, um veículo não precisa necessariamente ser a concorrência de outro", acrescentou.
A Coalizão Latam surgiu em 2021 e seus objetivos têm sido gerar alianças editoriais entre novos veículos da região, trocar experiências entre jovens jornalistas fundadores de veículos, promover a alfabetização midiática e informativa dentro e fora de suas equipes e experimentar um modelo de sustentabilidade financeira em comum.
“A partir da Cápsula Migrante decidimos fazer parte desta investigação porque além de pertencermos à coalizão desde a sua criação, partilhamos da convicção de que o caminho das plataformas independentes pode ser percorrido coletivamente”, disse Pierina Sora à LJR.
Essa união entre os meios de comunicação também lhes permitiu obter apoio financeiro. "A investigação foi apoiada pelo Fundo Howard G. Buffett para Mulheres Jornalistas da International Women's Media Foundation, que acreditou neste projeto", disse Antonio Benito. “'Cultivar, distribuir, comer' é colaborativo, transnacional e descentralizado e nos dá uma nova perspectiva do jornalismo que está sendo feito na região”.
*Banner e imagem em destaque: Katt Aguirre