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Jornalistas e acadêmicos Quechua criticam a cobertura da grande mídia peruana sobre protestos e alegam preconceito contra povos indígenas

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  • 1 março, 2023

Por Athena Hawkins (*)

Jornalistas e acadêmicos Quechua condenaram a cobertura da grande mídia peruana sobre os povos indígenas em meio a protestos políticos generalizados que resultaram em mais de 60 mortes desde dezembro passado. Em um webinar organizado por estudantes de doutorado de origem Quechua na Universidade do Texas em Austin, os painelistas disseram que os meios de notícias na região central do Peru omitiram a menção à repressão policial e militar dos manifestantes Quechua e Aymara em sua cobertura.

"Este evento procura apresentar diferentes vozes para analisar os impactos desta crise sobre os povos Quechua e Aymara", disse Jermani Ojeda-Ludena, doutoranda Quechua na UT Austin, que co-moderou o webinar.

Zoom boxes with six people at an online panel.

Webinar organizado por doutorandas Quechua na Universidade do Texas em Austin. Entre os painelistas estavam Jermani Ojeda-Ludena, Patricia Gutierrez, Jonathan Castro, e Serafín Coronel-Molina. Moderado por Katherin Tairo-Quispe e Jermani Ojeda-Ludena. (Foto: Captura de tela)

A outra moderadora e organizadora do webinar foi Katherin Tairo-Quispe, que também é doutoranda Quechua na UT Austin. O evento foi apresentado por Ojeda-Ludena e Tairo-Quispe em 20 de fevereiro e os outros palestrantes foram Patricia Gutierrez, radialista Quechua, Jonathan Castro, jornalista político e editor de podcast Quechua e Serafín Coronel-Molina, professor e acadêmico Quechua.

Os protestos começaram em dezembro passado, depois de um autogolpe fracassado liderado pelo então presidente peruano Pedro Castillo, que acabou sendo destituído e preso. Desde a ascensão da então vice-presidente Dina Boluarte para substituir Castillo na presidência, manifestações políticas em várias regiões do Peru exigem a renúncia de Baluarte, a dissolução do Congresso, eleições antecipadas e uma nova constituição.

O quechua é uma das línguas dos povos originários da região andina da América do Sul e é a língua indígena mais falada nas Américas, com cerca de 8 milhões de falantes em países como Peru, Equador, Colômbia, Bolívia e Argentina, de acordo com o Penn Language Center.

Os palestrantes disseram que apesar da grande população Quechua e de outros povos indígenas no Peru, a maioria dos meios de comunicação do país não representa as questões que lhes dizem respeito, como a repressão militar e policial e o acesso aos serviços básicos.

Tairo-Quispe liderou um momento de silêncio em homenagem às 60 pessoas, a maioria das quais eram Quechua ou Aymara, que perderam suas vidas durante os protestos e eventos relacionados.

Patricia Gutierrez, radialista na Rádio Onda Azul na região de Puno, disse que os manifestantes da região são rotulados como "terroristas" por protestar contra a atual administração, mas na realidade, eles buscam proteção e representação do governo.

Indigenous woman holding a sign walks on a street in Lima, Peru, with people in the background.

Paralisação nacional em 28 de janeiro de 2023 em Lima, Peru.  (Foto: Candy Sotomayor, CC BY-SA 4.0)

"Esses povos, comunidades, camponeses, foram estigmatizados, e com qual intenção? Deslegitimar suas demandas, justificar violações dos direitos humanos, e, talvez, criminalizar e assustar as pessoas que se manifestam, que levantam sua voz nos protestos", disse Gutierrez.

Jonathan Castro, jornalista político e editor do podcast LaEncerrona, ecoou as declarações de Gutierrez sobre a cobertura tendenciosa dos meios de massa peruanos contra os manifestantes, dizendo que, embora o número de mortos e feridos tenha aumentado, a narrativa deslegitimadora da administração de Dina Boluarte e dos meios de massa permaneceu a mesma.

"(Aos povos indígenas) não foi dada a voz para que possam expressar em suas próprias palavras os motivos pelos quais estão protestando. Não há representação", disse Castro. "A voz foi dada às autoridades eleitas, aos governadores de algumas dessas regiões".

Castro forneceu exemplos da omissão dos meios de massa peruanos de abusos contra as populações indígenas, apontando para a contradição entre uma manchete de um noticiário popular e um relatório oficial de uma organização de direitos humanos.

A Anistia Internacional, uma ONG global dedicada a questões de direitos humanos, publicou um relatório em 16 de fevereiro detalhando a opressão mortal do Estado contra os povos indígenas e camponeses no Peru. Uma organização jornalística de propriedade do governo peruano, Andina, contradisse o relatório da Anistia Internacional ao publicar um artigo que enquadrava as alegações do relatório em torno de mensagens positivas, tais como a promessa de Dina Boluarte de "pacotes de apoio" para as vítimas.

Tairo-Quispe disse à LatAm Journalism Review (LJR) que os povos indígenas estão desapontados com a cobertura da grande mídia, que está centralizada em Lima, Peru. O sentimento de que a mídia não representa as questões indígenas foi um dos principais gatilhos dos protestos, disse ela.

"Todas as informações (nas notícias) estão mostrando os interesses do governo, estão apenas falando 'o governo fez isso, o governo fez aquilo'", disse Tairo-Quispe. "Mas não [falam sobre] as lutas indígenas, nem a opressão policial, nem a brutalidade policial, nem aquelas 60 pessoas que morreram por causa da crise".

Tairo-Quispe disse que o povo deveria se concentrar na mídia alternativa ou independente, ou em meios que não são controlados pelas regiões centrais do país. Entretanto, esses meios não recebem os mesmos recursos financeiros que os principais veículos, porque o governo aloca fundos públicos para os meios de notícias centrais que favorecem suas políticas, disse ela.

"Estão monopolizando não apenas a indústria da mídia, mas também a agenda política e social do país", disse Tairo-Quispe.

Serafín Coronel-Molina, acadêmico Quechua e professor da Escola de Educação da Universidade de Indiana Bloomington, disse que a luta contra o poder centralizado, as narrativas tendenciosas da mídia e a opressão histórica exigirão mais organização por parte dos povos indígenas.

"Este é um momento de renovação, para mudar os representantes no governo, os representantes no Congresso, para que todos os povos originários possam ter representação", disse Coronel-Molina.

"E se eu disser isto, provavelmente vão dizer: 'Ah, ele é um terrorista'", disse Coronel-Molina. "Não tem nada a ver com isso. Eu sou um democrata. 100%.”

O webinar, que foi realizado em espanhol com tradução para o inglês, foi organizado pela Native American and Indigenous Student Peoples Association (NAIPA), uma organização de estudantes de pós-graduação na UT Austin que tem como objetivo tornar os povos indígenas e seus estudos mais visíveis. O evento também foi patrocinado pelo departamento de Estudos Nativo-Americanos e Indígenas (NAIS, na sigla em inglês) da UT Austin, e apoiado pela Quechua Tinkuy, uma organização acadêmica e comunitária focada no povo Quechua e na língua Quechua.

* Athena Hawkins é estudante de jornalismo na Universidade do Texas, e escreveu essa matéria para a disciplina de Liberdade de Imprensa na América Latina. Athena é membro do Moody Honors Program e diretora interna do Communication Council. Anteriormente, ela foi repórter no jornal The Daily Texan, e agora trabalha para o Programa Moody de Apoio à Escrita como instrutora de jornalismo.

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