O domingo, 1º de junho, ficará marcado na memória como um dia sombrio para o jornalismo hondurenho.
Nas primeiras horas da manhã, o repórter Javier Antonio Hércules Salinas foi assassinado enquanto dirigia um táxi de volta para casa, no município de Santa Rosa de Copán, no oeste do país. Hércules, de 51 anos, natural de El Salvador, morava em Honduras há mais de uma década, onde conciliava o trabalho de motorista de táxi com reportagens para o canal A Todo Noticias.
Ele cobria temas locais e, segundo informações, desfrutava das medidas de segurança do mecanismo oficial de proteção para jornalistas, após ter sido sequestrado em novembro de 2023. Ainda assim, dois homens em uma motocicleta o mataram a tiros. Hércules Salinas morreu dentro do táxi.
Naquela mesma manhã, a cerca de 450 quilômetros de distância, no município oriental de Juticalpa, foi registrado o assassinato do jornalista esportivo Carlos Gilberto Aguirre. Segundo a imprensa local, ele foi atropelado e esfaqueado.
Aguirre, de 68 anos, conhecido como “El mero queso”, narrava partidas de futebol para a rádio local Radio Oro Estéreo. Os autores do crime e suas motivações seguem desconhecidos, de acordo com a mídia local.
Os assassinatos de Hércules e Aguirre aumentaram a preocupação de organizações de defesa da liberdade de expressão, que veem em Honduras um contexto de ameaças, assédio e ineficiência por parte do governo, agravados por tensões eleitorais. As eleições gerais de 30 de novembro geraram reações duras contra reportagens críticas, segundo especialistas em liberdade de expressão entrevistados pela LatAm Journalism Review (LJR).
“Há uma tensão crescente”, disse Artur Romeu, diretor do escritório latino-americano da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), à LJR. “Ela afeta diferentes atores do espaço cívico, mas a imprensa e os jornalistas certamente estão entre os mais impactados”.
Segundo Romeu, a relação conflituosa entre a imprensa e o governo da presidente Xiomara Castro, que assumiu o cargo em janeiro de 2022, se manifesta por meio de discursos estigmatizantes, nos quais jornalistas são frequentemente acusados de ter interesses contrários ao governo.
Nos últimos meses, no entanto, esse cenário se agravou especialmente com o aumento de processos judiciais contra jornalistas, disse ele.
Essa também é a opinião de Dina Meza, diretora da Associação para a Democracia e os Direitos Humanos em Honduras (Asopodehu). As investigações jornalísticas feitas durante este período eleitoral — em que “tudo está mais tenso” — costumam ser vistas como “inconvenientes”, disse ela à LJR.
Para Fernando Silva, editor-chefe do meio alternativo Contracorriente, a imprensa hondurenha vive talvez uma das fases mais “delicadas” da atual gestão presidencial. “Há uma escalada de ameaças partindo de diversas instituições”, afirmou ele à LJR, referindo-se a processos que utilizam crimes contra a honra — ainda penalizados em Honduras.
Segundo Silva, o atual governo tem demonstrado interesse no “controle de narrativas”, criando inimigos — entre eles, a imprensa.
“Jornalistas estão recorrendo à autocensura em muitos casos”, disse Silva. “Estamos vendo sinais de que o governo e o aparato estatal tomarão medidas legais contra jornalistas”.
Em 9 de junho, as organizações RSF, Asopodehu, Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), Artigo 19, Free Press Unlimited (FPU), PEN Honduras e PEN International divulgaram uma declaração conjunta, expressando sua “profunda preocupação” com os ataques contra jornalistas, num contexto de crescente assédio, ameaças, criminalização e estigmatização por parte de atores estatais.
Um dos casos que motivou a visita da RSF a Honduras em março passado foi a denúncia apresentada pelas Forças Armadas contra 12 veículos de comunicação, por supostos crimes de calúnia e difamação. A ação foi motivada por reportagens que, segundo os militares, afetaram sua imagem pública.
Apesar de ter sido anunciado publicamente que as ações judiciais seriam retiradas, Meza afirma que isso não ocorreu.
Além disso, as próprias Forças Armadas publicaram um artigo intitulado Assassinos da Verdade, em que acusam os jornalistas Rodrigo Wong Arévalo, Dagoberto Rodríguez e Juan Carlos Sierra de serem inimigos do Estado. “A publicação incluiu suas fotos com o objetivo de estigmatizá-los, intimidá-los e criminalizar seu trabalho jornalístico”, diz um relatório apresentado por essas organizações à Revisão Periódica Universal da ONU sobre Honduras.
A LJR solicitou informações às Forças Armadas, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.
Dagoberto Rodríguez, diretor da Rádio Cadena Voces, também foi alvo de uma denúncia apresentada pelo ministro das Finanças, após a publicação de uma reportagem sobre supostas irregularidades na gestão de verbas públicas. Em 26 de março, um tribunal do país declarou a queixa inadmissível.
“A ideia por trás de uma ação judicial movida por autoridades públicas contra jornalistas é que, independentemente de vencerem ou não, o que conta é o sinal de que estão dispostos a usar o Judiciário como instrumento de pressão”, disse Romeu. “Esse é o aspecto mais preocupante: o uso da Justiça para intimidar jornalistas que investigam temas ligados à segurança nacional, forças de segurança ou corrupção”.
Para Silva, a violência física é a principal ameaça ao jornalismo, especialmente fora das grandes cidades, como Tegucigalpa e San Pedro Sula.
Um dia após os assassinatos de Hércules e Aguirre, o repórter Gustavo Bustillos e um cinegrafista da Televicentro foram assediados e intimidados por um homem em uma motocicleta. No departamento de Colón, disputas por terras e a influência de grupos criminosos também afetam o trabalho jornalístico, segundo comunicado conjunto das organizações.
Um dos casos mencionados é o do jornalista Héctor Madrid, da emissora TN5 de Tocoa, e de outros comunicadores denunciados pela Plataforma Agraria, uma associação empresarial, por sua cobertura favorável às comunidades que se opõem à desapropriação de terras promovida por essa entidade, segundo relatório enviado à ONU.
“A violência que atinge esses jornalistas [nessas regiões] é muito forte, muito severa, porque eles fiscalizam e denunciam a corrupção em suas comunidades”, disse Silva. “E é muito fácil para alguém poderoso ordenar a morte deles e que isso seja tratado como crime comum”.
Além disso, as condições precárias de trabalho forçam muitos jornalistas a complementarem sua renda com outras atividades, como dirigir táxis ou abrir pequenos negócios. Por esse motivo, as investigações sobre seus assassinatos muitas vezes tomam outros rumos.
“Os centros de investigação não estão realmente investigando os casos. Então, sempre paira uma dúvida se a morte ocorreu por causa do trabalho jornalístico ou devido à violência em geral”, acrescentou Silva. “É preocupante que os órgãos de justiça não estejam investigando os assassinatos de jornalistas”.
De acordo com um relatório apresentado ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas pelo Relator Especial para a Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão, a taxa de impunidade nos assassinatos de jornalistas ultrapassa 90%.
Para Meza, da Asopodehu, a falta de um protocolo claro para investigar crimes contra jornalistas é uma preocupação legítima. A violência contra jornalistas evidencia as deficiências do mecanismo de proteção, já apontadas pelas organizações signatárias do relatório da ONU.
Entre essas deficiências estão a falta de orçamento e de autonomia, que impedem a realização de avaliações de risco adequadas para os jornalistas que solicitam proteção, explicou Meza. Segundo ela, a equipe encarregada não é treinada para isso ou os casos excedem a capacidade institucional do mecanismo. Também não ajuda, disse, o fato de a polícia ter tanto poder de decisão sobre a proteção a ser oferecida — especialmente diante de denúncias de envolvimento de policiais com gangues criminosas.
Meza, que também é jornalista e já foi alvo de ataques, como campanhas de estigmatização, acompanha de perto alguns dos jornalistas que solicitam proteção e identificou essas falhas.
No caso de Hércules, por exemplo, ela afirmou que sugestões como o envio de uma comissão de alto nível a Santa Rosa para se reunir com autoridades locais e ativar um plano de proteção aos jornalistas não foram seguidas. “Era preciso emitir um alerta antecipado, para que os jornalistas não se sintam sozinhos”, disse Meza.
A LJR solicitou declarações à Secretaria de Direitos Humanos, responsável pelo mecanismo de proteção, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.
Romeu reforça que é fundamental que a comunidade internacional continue atenta ao que ocorre no país.
Apesar do histórico de violência e violações de direitos humanos, Honduras muitas vezes passa despercebida, afirmou. No entanto, diante do atual cenário na Nicarágua, El Salvador e Guatemala, a situação hondurenha deve receber mais atenção, dado o impacto que pode ter em toda a região.
“Há muito medo e apreensão, alimentados principalmente por retórica agressiva, processos judiciais e ameaças veladas”, disse Romeu.
“Devemos acompanhar de perto o que ocorrerá no contexto das eleições, em termos de ameaças à imprensa e ao jornalismo, porque isso também serve como um termômetro para medir a saúde da democracia hondurenha”.