Já se passaram três meses desde que uma onda de repressão sem precedentes contra jornalistas começou na Venezuela, após autoridades do país declararem Nicolás Maduro vencedor das eleições presidenciais no final de julho em meio a controvérsias e sem publicar as atas com os resultados oficiais.
Desde então, as autoridades detiveram uma dezena de jornalistas, fecharam três meios de comunicação, anularam os passaportes de cerca de vinte jornalistas e bloquearam várias redes sociais e sites de internet, forçando muitos profissionais da imprensa a deixarem o país.
"Estamos vivendo um tempo de muito medo e incerteza", disse Marianela Balbi, diretora do Instituto Prensa y Sociedad de Venezuela (Ipys), à LatAm Journalism Review (LJR). "Nunca registramos um número tão elevado de jornalistas detidos arbitrariamente".
O Ipys, fundado em 2002, contabilizou oito jornalistas que foram detidos enquanto exerciam sua função jornalística que permanecem presos.
O Ministério Público ratificou a medida de privação de liberdade de três deles: o cinegrafista e estudante de jornalismo de 26 anos Paúl León, a repórter fotográfica Deisy Peña e o jornalista e dirigente político Roland Carreño. Em 22 de outubro, os três foram levados a julgamento pelos supostos crimes de terrorismo e incitação ao ódio, segundo publicado pelo Sindicato Nacional de Trabalhadores da Imprensa na Venezuela (SNTP) na sua conta no X.
León, no estado de Trujillo, foi detido por policiais enquanto preparava sua câmera para gravar uma manifestação, em 30 de julho, para o canal VPItv.
Peña foi detida em 2 de agosto por tirar e publicar fotos em suas redes sociais sobre um protesto ocorrido dias antes, em Los Altos Mirandinos.
Roland Carreño foi privado de liberdade em 2 de agosto de 2024, em Caracas, por agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (SEBIN). Não estava cobrindo nenhum protesto. Este é seu segundo encarceramento; ele já havia sido detido de 2020 a 2023 e encontra-se no Helicoide, prisão política do regime venezuelano.
Nenhum dos três teve acesso a defesa particular e continuarão presos até a data de seu julgamento, de acordo com o SNTP.
Os cinco jornalistas restantes que permanecem em prisão são:
"A detenção arbitrária de trabalhadores da imprensa na Venezuela constitui um ataque direto à liberdade de imprensa e uma tentativa de silenciar vozes que denunciam injustiças e abusos de poder", afirmou Balbi. "É imperativo tomar medidas imediatas para proteger os jornalistas e assegurar que possam exercer seu trabalho sem medo de represálias."
Durante o período pós-eleitoral, o regime venezuelano ordenou o fechamento de três meios de comunicação, deixando centenas de jornalistas desempregados.
Em 30 de agosto, a Comissão Nacional de Telecomunicações ordenou o fechamento da Rádio Hispana 89.5 FM, no estado de Yaracuy, segundo o Ipys. A estação recebeu a visita de três funcionários que ordenaram o fim das transmissões, alegando que a concessão havia vencido em 2019, embora a rádio afirme que vence em 2030.
A Conatel também fechou a Victoria 103.9 FM, uma emissora com mais de 20 anos de atividade no estado de Aragua. Segundo informou a rádio em sua conta no X, uma comissão da Conatel visitou a sede em 13 de setembro e ordenou o desligamento dos equipamentos, declarando a "extinção da habilitação de radiodifusão sonora".
O terceiro meio afetado foi o jornal La Voz, um dos poucos jornais impressos que restavam na Venezuela, circulando há 58 anos no estado de Miranda.
Em 3 de outubro, o órgão fiscal visitou as instalações do jornal, alegando que sua carteira fiscal não estava atualizada, e ordenou seu fechamento por oito meses, informou o SNTP.
Após a eleição presidencial, o regime venezuelano também intensificou o bloqueio a mídias digitais, sites de organizações de direitos humanos e restringiu o uso do X (anteriormente Twitter), do aplicativo de mensagens Signal e do Microsoft Teams.
Em 13 de agosto, a organização venezuelana de defesa dos direitos digitais VE sin Filtro registrou mais de 63 meios e sites de notícias bloqueados pelos principais provedores de Internet do país.
Balbi também expressa preocupação com a anulação de passaportes de jornalistas por autoridades migratórias venezuelanas. O Ipys registrou ao menos vinte anulações de passaportes de trabalhadores da imprensa, violando os direitos de identidade, nacionalidade e de ir e vir.
"Por essas razões, muitos jornalistas decidiram se resguardar, parar de assinar seus trabalhos e deslocar-se forçosamente de suas casas, cidades ou até mesmo do país", disse Balbi.
O Ipys Venezuela registrou ao menos 25 casos de deslocamento forçado, e acredita-se que esse número seja subestimado.
Muitos veículos também pararam de cobrir notícias locais além das versões oficiais, por temor de represálias contra fontes e jornalistas. Por exemplo, para esta matéria, a LJR entrou em contato com três jornalistas residentes no país que preferiram não comentar. Alguns optam por falar apenas através de porta-vozes de associações profissionais que vivem fora do país.
"Essa onda de repressão não cessou", advertiu Balbi. "Essas formas de perseguição ressaltam a urgente necessidade de proteger os jornalistas independentes que permanecem no país, pois suas vidas e integridade pessoal estão em risco".