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Jornalistas presos pelo regime de Ortega recuperam a liberdade, mas fora da Nicarágua e com um futuro incerto pela frente

A liberdade finalmente chegou para os jornalistas nicaraguenses críticos ao regime de Daniel Ortega que estavam presos e cuja libertação era exigida por colegas, órgãos internacionais e organizações de direitos humanos desde que foram presos, em 2021.

Mas, junto com a liberdade, veio o banimento. Pelo menos seis jornalistas e empresários de meios de comunicação e dois estudantes de jornalismo estão na lista dos 222 presos políticos libertados pelo governo de Ortega na quinta-feira, 9 de fevereiro, e enviados de avião para os Estados Unidos para enfrentar um futuro incerto.

Cristiana Chamorro, vice-presidente do jornal La Prensa e ex-pré-candidata à presidência da Nicarágua; seu irmão, também jornalista e político, Pedro Joaquín Chamorro; Juan Lorenzo Holmann, diretor-geral do mesmo jornal; Miguel Mora, fundador do canal 100% Notícias; Miguel Mendoza, jornalista e repórter esportivo; e Jaime Arellano, comentarista político, estão no grupo de presos políticos libertados e deportados.

Nesse grupo também estão Lesther Alemán, líder estudantil formado em jornalismo, e Samantha Padilla Jirón, ativista e estudante de jornalismo, assim como empresários, defensores de direitos humanos, estudantes e ativistas, que estavam na prisão ou em prisão domiciliar por supostos crimes forjados por serem opositores do governo de Ortega.

Na noite de sexta-feira, 8 de fevereiro, jornalistas e defensores de direitos humanos notaram movimentos inusitados nas principais prisões da Nicarágua. Na madrugada de quinta-feira, 9, circulou a notícia de que alguns presos estavam sendo levados de ônibus para destinos desconhecidos.

“Imaginávamos que eles poderiam ser soltos, mas a surpresa foi o banimento”, disse Lucía Pineda, chefe de imprensa da 100% Noticias, que também foi presa por criticar o regime de Ortega, mas foi solta em junho de 2019 como parte de uma anistia, à LatAm Journalism Review (LJR). “Nós realmente achávamos que eles seriam soltos, por causa dos movimentos que estavam acontecendo em todas as prisões do país. O regime disse que não iria soltá-los, mas decidiu soltá-los.”

Em um documento datado de 8 de fevereiro emitido pela Câmara Um do Tribunal de Apelações de Manágua, foi ordenada a “deportação imediata” de pessoas “que violaram o ordenamento jurídico e constitucional, atentando contra o Estado da Nicarágua e a sociedade nicaraguense”. O documento contém a lista com os nomes e os números de documento das 222 pessoas banidas.

Na madrugada de 9 de fevereiro, os presos políticos foram colocados em vários ônibus e levados para o aeroporto Augusto C. Sandino, em Manágua. Um avião da companhia aérea americana de voos charter Omni Air havia pousado às 2h37 de quinta-feira no aeroporto, vindo de Norfolk, Virgínia, EUA. Os presos políticos foram embarcados nesse avião, que decolou às 6h31 com destino ao aeroporto Washington-Dulles, nos EUA. Nem os presos nem seus parentes tinham sido notificados do banimento.

“Não tínhamos ideia. No dia anterior eles nos disseram que nos limpássemos e trocássemos de roupa. Eles nos cobriram durante o trajeto. Só ficamos sabendo [que sairíamos do país] quando estávamos no avião”, disse Suyen Barahona, ativista e presidente da organização Unamos, ao jornal La Prensa.

Foi só antes de embarcar que funcionários da Embaixada dos EUA na Nicarágua informaram aos presos políticos que eles seriam levados para Washington DC. Eles lhes entregaram, para que assinassem, um documento no qual aceitavam voluntariamente a viagem, disse Juan Sebastián Chamorro, líder da oposição e ex-pré-candidato à presidência da Nicarágua, à imprensa, poucas horas depois da sua chegada à capital dos EUA.

Durante o voo, de número OAE37, os prisioneiros soltos se encontraram com colegas e camaradas de luta que estavam em outros presídios. Juan Sebastián Chamorro contou que eles até cantaram o Hino Nacional da Nicarágua várias vezes enquanto voavam para longe da terra natal.

Omni Air aircraft that carried 222 political prisoners from Nicaragua to Washington DC.

Os presos políticos foram levados em um avião da Omni Air que decolou às 6:31 am de Manágua com destino a Washington-Dulles. (Foto: Captura de tela de Confidencial no YouTube / Creative Commons)

Ao chegarem em Washington DC, os deportados foram levados para um hotel, onde passaram por um exame médico, receberam orientações legais e foram interrogados pelas agências de inteligência dos EUA, segundo o meio digital Divergentes. Os 222 nicaraguenses receberão um visto humanitário que lhes permitirá morar e trabalhar nos EUA por dois anos, período durante o qual poderão solicitar asilo, se assim desejarem.

A libertação dos 222 presos políticos foi resultado de uma “diplomacia concertada” do governo dos EUA, disse o secretário de Estado americano, Antony Blinken, em comunicado. Mas Ortega declarou em rede nacional, na mesma quinta-feira, que sua esposa e vice-presidente da Nicarágua, Rosario Murillo, é quem tinha tido a ideia de pedir ao embaixador dos EUA que levasse embora "todos aqueles terroristas".

O regime de Ortega afirma que não tem intenção de negociar com os EUA. Blinken, porém, disse que a libertação desses presos abre as portas para o diálogo entre os dois países e que o governo do presidente Biden continuará buscando apoiar o povo nicaraguense.

Para jornalistas nicaraguenses, a decisão de soltar os presos políticos se deve mais às sanções econômicas impostas ao regime de Ortega e à pressão internacional.

“Daniel Ortega entregou todas as fichas de negociação com os presos políticos porque está desesperado com as sanções. Os EUA foram muito claros: se não houver libertação de prisioneiros, nenhuma porta será aberta para o diálogo", disse Pineda. “Ortega diz que não há nenhum tipo de negociação, mas há uma asfixia muito forte dentro do regime.”

Para a escritora nicaraguense Gioconda Belli, os acontecimentos são consequência da movimentação de milhares de pessoas e de organizações de todo o mundo que têm condenado energicamente os atos de violação dos direitos humanos do governo de Ortega e Murillo.

“Não sabemos exatamente a que se deve a libertação dos presos em 9 de fevereiro. Os EUA afirmam que foi uma ação unilateral do regime. Eu acho que a pressão internacional foi eficaz”, escreveu Belli em uma coluna no jornal El País. “É um fator de esperança saber que a comunidade das nações pode agir em conjunto para encurralar aqueles que procuram impor suas injustiças.”

Cristiana Chamorro foi condenada a oito anos de prisão por suposta "gestão abusiva e lavagem de dinheiro" em relação à gestão da sua fundação. A jornalista cumpria pena, incomunicável, em prisão domiciliar desde que foi presa em junho de 2021.

Seu irmão, Pedro Joaquín Chamorro, também preso em 2021, foi condenado a nove anos de prisão pelos mesmos supostos crimes. Em maio de 2022, ele foi enviado a prisão domiciliar devido ao seu estado de saúde.

Juan Lorenzo Holmann foi condenado a uma pena de prisão de nove anos por suposta lavagem de dinheiro. Ele estava no presídio da Diretoria de Assistência Judiciária, mais conhecido como "El Chipote", estabelecimento que tem sido objeto de denúncias de tortura e maus-tratos.

No mesmo presídio estavam seus colegas Miguel Mora, condenado a 13 anos de prisão pelo suposto crime de "conspiração para atentar contra a integridade nacional", e Miguel Mendoza, condenado a nove anos de prisão pelo mesmo suposto crime, além do delito de “espalhar notícias falsas”.

Por sua vez, Jaime Arellano, com vários problemas de saúde, cumpria uma pena de 13 anos em prisão domiciliar pelo suposto crime de "conspiração para atentar contra a integridade nacional". Lesther Alemán foi condenado a 13 anos de prisão pelo mesmo crime depois de enfrentar o presidente Ortega e instá-lo a se render nos protestos sociais de 2018.

Samantha Padilla Jirón estava presa no Sistema Penitenciário Feminino La Esperanza, condenada a oito anos também pelo suposto crime de “conspiração para atentar contra a integridade nacional” e por “divulgar notícias falsas”.

Ao longo dos 16 anos que Ortega está no poder, além de prender jornalistas e empresários de meios de comunicação, o governo fechou vários meios e invadiu instalações de outros. Chegou até a desapropriar imóveis de alguns deles, na tentativa de silenciar as vozes críticas.

“A saída dos presos políticos, mesmo que seja por via do banimento, é motivo de alegria para todos os nicaraguenses [...]. Mas é um passo, e o jornalismo precisa continuar denunciando cada uma das ilegalidades que continuam sendo cometidas, como tirar a nacionalidade dos presos políticos sob a falsa acusação de que eles são traidores da pátria. Eles são inocentes”, disse Octavio Enríquez, jornalista do meio digital Confidencial e membro da plataforma de jornalismo CONNECTAS, à LJR. “Temos que continuar a luta e temos que continuar reportando e documentando. Os presos políticos são um símbolo da luta pela liberdade. Eles falaram com seu exemplo e nunca cederam, apesar das pressões e dos maus-tratos.”

Sem nacionalidade, mas com passaporte

A maioria das 222 pessoas que deixaram a Nicarágua na quinta-feira, 9 de fevereiro, só ficou sabendo que as autoridades do país tinham decidido retirar seus direitos à cidadania e à nacionalidade nicaraguense ao chegar em Washington DC.

Poucas horas depois da partida do avião da Omni Air, Octavio Rothschuh, presidente da Câmara Criminal Um do Tribunal de Apelações de Manágua, leu para a mídia a "sentença de deportação", que declara essas 222 pessoas como "traidoras da pátria", retira permanentemente o direito de exercerem qualquer cargo público e suspende o direito à cidadania para toda a vida.

Na mesma quinta-feira, a Assembleia Nacional da Nicarágua iniciou um processo rápido de modificação do artigo 21 da Constituição para estabelecer a perda da nacionalidade nicaraguense a quem for considerado "traidor da pátria".

A reforma, aprovada com 89 votos de um total de 91, estabelece que aqueles que violarem a Lei 1055 de Defesa do Direito do Povo à Independência, Soberania e Autodeterminação para a Paz perderão a nacionalidade nicaraguense.

No entanto, segundo Pineda, que manteve contato com vários dos liberados depois que chegaram nos EUA, os 222 passageiros do avião receberam um novo passaporte nicaraguense com validade de 10 anos quando desembarcaram.

“À medida que pisavam solo americano, [os passaportes] foram sendo entregues um a um. Eles ficaram muito surpresos porque pensaram 'a que horas eles retiraram meu passaporte?', disse Pineda à LJR.

“Ortega os solta e diz que eles não são nicaraguenses, mas entrega o documento, um passaporte que indica que eles são nicaraguenses”, acrescentou. “Ele diz que essa reforma constitucional que fizeram determina que os condenados por traição perdem a cidadania nicaraguense, mas o próprio Estado te dá um passaporte para te banir. Então aí você vê que tem alguma coisa que não encaixa.”

Nicaraguan journalist Lucía Pineda speaks at the Coloquio Iberoamericano de Periodismo Digital.

A jornalista Lucía Pineda, da rede 100% Noticias, falou com alguns dos prisioneiros liberados após chegaram aos Estados Unidos. (Foto: Patricia Lim/ Centro Knight)

Mesmo depois da soltura e do banimento dos presos políticos, o regime continua violando os direitos dessas pessoas, segundo organizações como o Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (CENIDH). De acordo com o CENIDH, a deportação só se aplica a estrangeiros e a reforma para retirar a nacionalidade de adversários políticos é ilegal.

“Essa decisão precipitada, ilegal e contraditória de alterar artigos importantes da Constituição é completamente absurda, uma reforma que entraria em vigor depois de aprovada na segunda legislatura, que começa em 9 de janeiro de 2024”, disse a organização em um comunicado. “Nenhum nicaraguense pode ser privado de sua nacionalidade. Esperamos que o regime não tenha tempo para aplicar formalmente essa reforma atrabiliária”.

A Organização dos Estados Americanos (OEA) comemorou a chegada dos 222 nicaraguenses em solo americano e destacou que os crimes cometidos contra essas pessoas não devem ficar impunes e que seus direitos devem ser restaurados o mais rapidamente possível.

"A libertação desses presos políticos também é uma demonstração de que a pressão internacional é essencial contra as ditaduras", disse a organização em um comunicado. “Entretanto, o que aconteceu hoje não é uma 'libertação'. Essas pessoas foram presas injustamente – algumas por anos – por pensar, expressar ou escrever suas opiniões contrárias ao regime no poder da Nicarágua. Muitos deles foram torturados, isolados de todo contato com o mundo exterior.”

Por sua vez, o Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ) disse que a saída dos presos políticos da Nicarágua, incluindo jornalistas, deixa uma sensação de alívio, mas que a segurança deles, após prisões e maus-tratos injustos e prolongados, tem que continuar sendo uma questão de prioridade máxima.

“As autoridades nicaraguenses devem garantir a segurança dos presos libertados e de suas famílias, parar de perseguir e hostilizar jornalistas, e garantir que os meios de comunicação possam informar sem medo de prisão ou exílio forçado”, disse Carlos Martínez de la Serna, diretor de programas do CPJ em Nova York.

A organização Jornalistas e Comunicadores Independentes da Nicarágua (PCIN) expressou sua satisfação pelo fato de os colegas não estarem mais em centros de tortura e poderem finalmente se comunicar com suas famílias.

"Condenamos a ação infundada do regime de Daniel Ortega e Rosario Murillo para tirar a nacionalidade dessas pessoas", disse a organização em um comunicado em suas redes sociais. “Parabenizamos nosso grupo de colegas que são um exemplo pelo trabalho de comunicação e jornalismo que não abre mão da verdade e não tem se calado diante das sistemáticas violações dos direitos humanos no nosso país.”

A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) também expressou alívio pela libertação dos jornalistas Juan Lorenzo Holmann -que havia sido designado vice-presidente regional da organização-, Cristiana e Pedro Joaquín Chamorro, Miguel Mora, Miguel Mendoza e Jaime Arellano.

"Embora nos sintamos aliviados com a libertação dos presos, repudiamos que o regime os tenha deportado e que eles sejam declarados traidores por exercerem o direito à liberdade de expressão e discordarem do governo", disse o presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP, Carlos Jornet, em nota.

Na manhã de sexta-feira, 10 de fevereiro, o ministro das Relações Exteriores da Espanha, José Manuel Albares, disse que o governo espanhol oferecia a nacionalidade espanhola aos 222 presos políticos libertados. O oferecimento, disse ele, é extensivo aos presos políticos que permanecem nas prisões da Nicarágua.

Fotos banner: Confidencial / Creative Commons, Twitter

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