Por Theo Werner (*)
Advogados do Knight First Amendment Institute da Universidade de Columbia esperam que o fabricante do Pegasus, o NSO Group, seja responsabilizado em seu processo judicial em nome dos jornalistas salvadorenhos. Repórteres do site de notícias El Faro acreditam que o processo abrirá um precedente importante para a proteção de jornalistas em todo o mundo.
"Esperamos que isto abra uma porta para que os colegas de todo o mundo encontrem ferramentas para se defenderem", disse Carlos Dada, cofundador e diretor de El Faro, em uma conferência em Nova York em 8 de fevereiro.
A conferência, "Spyware and the Press" (“Spyware e a imprensa”), foi organizada pelo Knight Institute da Universidade de Columbia para discutir uma ação judicial movida contra o NSO Group, que tem sede em Israel, em novembro de 2022. A ação diz respeito ao suposto uso do spyware Pegasus do NSO Group na invasão dos celulares de 15 membros de El Faro, incluindo 13 jornalistas. Repórteres de El Faro estão trabalhando com o Knight Institute a fim de avançar com a ação nos tribunais dos EUA. Os gigantes da tecnologia WhatsApp e Apple também estão processando o NSO Group em casos separados.
Um dos principais desafios que as vítimas do Pegasus enfrentam é a política do NSO Group de não divulgar seus clientes. O máximo que o NSO Group revela é que só vende o programa para governos. A empresa também disse que "os dados são coletados somente de... suspeitos de crimes e terroristas". No caso dos ataques contra El Faro, membros do grupo de pesquisa Citizen Lab relataram que rastrearam a origem do hacking até El Salvador. Em resposta a esta descoberta, o governo salvadorenho negou o uso do Pegasus. Como o NSO Group se recusa a divulgar seu comprador, é difícil provar o envolvimento do governo salvadorenho.
"É um governo e está em El Salvador, e isso é o mais longe que podemos chegar", disse Dada. "Não há muitas opções".
Advogados do Knight Institute dizem acreditar que os tribunais dos EUA considerarão o NSO Group em violação da legislação do país e ordenarão que a empresa revele o cliente a quem vendeu o software. Com essa ordem, eles acreditam que os governos ficarão mais hesitantes em comprar o software. Além disso, acreditam que o NSO Group será mais cauteloso em relação a quem vende se estiver sujeito à lei dos EUA.
"[Tal decisão] Enviará uma mensagem a outros atores governamentais ao redor do mundo de que não podem confiar na garantia de sigilo do NSO Group", disse Carrie DeCell, advogada sênior da equipe do Knight Institute, durante a conferência.
Outro desafio para as vítimas do Pegasus é que o NSO Group tem feito grandes esforços para reivindicar imunidade soberana estrangeira. Isto permitiria ao NSO Group operar em nome de um governo estrangeiro, o que significa que a empresa seria imune a litígios nos tribunais dos EUA.
No processo de 2019 movido pelo WhatsApp, o NSO Group tentou arquivar a ação por motivos de imunidade soberana. Um tribunal distrital da Califórnia rejeitou essa tentativa, levando o NSO Group a apelar primeiro para a Corte de Apelações do 9o Circuito e depois para a Suprema Corte dos Estados Unidos. Em janeiro de 2023, a Suprema Corte decidiu que o NSO Group não tinha direito à imunidade soberana, abrindo a porta para futuras ações judiciais contra a empresa.
Todas as ações judiciais contra o NSO Group nos Estados Unidos são baseadas na Lei de 1986 sobre Fraude e Abuso Informático. Esta lei proíbe qualquer pessoa de acessar um computador sem autorização ou de exceder a autorização de acesso. Entretanto, a lei não é muito específica quanto ao que constitui autorização.
Muitas vezes, vírus de computador e spyware exigem que uma pessoa inicie o malware clicando em algo, tal como um link. O que torna Pegasus tão difícil de ser rastreado é que ele é em grande parte indetectável. A maioria das vítimas desconhece que seu dispositivo foi comprometido até que seja tarde demais. As ações judiciais contra o NSO Group argumentam que, como não há maneira de um usuário detectar o hacking, isso deve ser considerado uma falta de autorização.
Em um comunicado à imprensa, a Apple anunciou que descobriu que Pegasus fazia um download anônimo para o dispositivo de um usuário criando uma ID da Apple que enviava dados maliciosos para o dispositivo. A Apple afirma ter resolvido este problema com os sistemas operacionais iOS 15 e mais recentes, embora observe que a tecnologia de spyware está em contínua evolução. Ela disse que também está se esforçando para notificar os usuários que acredita terem sido comprometidos por Pegasus e outros spywares.
Embora o NSO Group afirme vender apenas seu spyware aos governos, houve um crescimento de outras empresas de spyware que comercializam para um público maior, incluindo cônjuges ciumentos. No início deste mês, a Procuradoria Geral de Nova York anunciou que multou um desenvolvedor, Patrick Hinchy, pela promoção ilegal de suas 16 empresas de spyware.
"O gênio não vai voltar para a garrafa", disse Ronan Farrow, repórter de investigação da revista The New Yorker, na conferência do Knight Institute. "Esta tecnologia está ficando cada vez mais acessível, e mais barata".
Enquanto os processos de Apple e WhatsApp dizem respeito à proteção das empresas de tecnologia, o processo de El Faro é o primeiro a ser iniciado em nome de jornalistas. Além de proteger a liberdade de imprensa globalmente, a ação de El Faro diz respeito a muitos interesses de segurança dos Estados Unidos. Além de muitos leitores de El Faro estarem localizados nos EUA, parte da informação comprometida de El Faro incluiu conversas com funcionários da Embaixada dos EUA. Além disso, alguns dos jornalistas hackeados são cidadãos norte-americanos, incluindo Roman Gressier, que na época vivia entre El Salvador e Guatemala.
Em países como El Salvador, é altamente improvável que uma ação judicial contra o NSO Group seja bem sucedida. Dada acrescenta que os governos dos países que utilizam spyware dificilmente tomarão medidas contra si mesmos, mesmo dentro da União Européia. Notavelmente, países como Espanha e Polônia admitiram recentemente o uso do Pegasus. Mesmo o Escritório Federal de Investigação dos EUA (FBI) havia adquirido o software, embora desde então tenha sido vetado pelo governo Biden.
Até que uma organização internacional seja estabelecida para regular o spyware, os tribunais dos EUA e outros ajudarão a garantir a privacidade em todo o mundo. Outros jornalistas já estão procurando seguir os passos de El Faro. Hanan Elatr Khashoggi, esposa do jornalista saudita assassinado Jamal Khashoggi, anunciou seus planos de processar o NSO Group nos tribunais dos EUA por causa do suposto papel do Pegasus no assassinato de seu marido. A França também iniciou um processo criminal contra o NSO Group em nome dos jornalistas.
Dado o longo processo de uma ação judicial nos tribunais dos EUA, os resultados do caso El Faro não são esperados tão cedo. Entretanto, o Knight Institute está satisfeito com o progresso de outras ações judiciais contra o NSO Group e com o futuro da proteção cibernética.
"Este é um grande tipo de vitória inicial para este tipo de processos nos Estados Unidos e realmente abre o caminho para o futuro", disse DeCell.
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(*) Theo Werner é estudante de Jornalismo na Universidade do Texas em Austin e produziu essa matéria como um trabalho para a disciplina "Jornalismo e Liberdade de Imprensa na América Latina". Theo começou sua carreira no The Daily Texan e já trabalhou como freelancer em várias publicações. Ele traz consigo os princípios centrais do jornalismo, colocando a verificação e a transparência acima de tudo.