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Lei de Agentes Estrangeiros de El Salvador sufocaria meios jornalísticos independentes e organizações de direitos humanos, dizem críticos

“O que essa iniciativa busca é cortar o financiamento dos meios de comunicação que têm retratado a face mais corrupta deste governo. Essa é a questão”, disse o presidente da Associação de Jornalistas de El Salvador (APES), César Fagoaga, à LatAm Journalism Review (LJR), sobre o projeto de lei de agentes estrangeiros apresentado pelo presidente de El Salvador, Nayib Bukele.

A Assembleia Legislativa de El Salvador deve aprovar a Lei dos Agentes Estrangeiros na sessão plenária de 17 de novembro.

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O ministro de governo, Juan Carlos Bidegain, entrega a proposta de Lei de Agentes Estrangeiros a Christian Guevara, chefe da bancada governista Nuevas Ideas. (Foto: Divulgação Asamblea Legislativa)

 

Se essa lei entrar em vigor, todas as organizações que recebem recursos do exterior terão que pagar uma taxa de 40% para cada transação financeira. As exceções a essa lei são organizações comerciais, humanitárias, religiosas, de saúde, escolares, acadêmicas, científicas ou de belas artes. Além disso, de acordo com o artigo 12.º, ficará a critério da Presidência aprovar qualquer regulamento que julgar necessário para a aplicação da lei. 

Da mesma forma, qualquer violação da lei terá multa de US$ 10.000, além do possível cancelamento da pessoa jurídica da organização infratora.

Durante os primeiros 90 dias úteis após a aprovação da lei, todas as organizações que recebem fundos de cooperação internacional deverão se registrar como agentes estrangeiros, nos termos do artigo 14 da Lei. Caso não o façam no prazo, serão sancionadas.

Ainda há a recente adição de um artigo que pede de 2 a 5 anos de prisão para organizações ou pessoas registradas como agentes estrangeiros que coloquem em risco a segurança nacional, alertou o site jornalístico El Faro via Twitter.

Após a apresentação do projeto de lei há poucos dias, Bukele disse em comunicado que essa proposta visa garantir a segurança, a soberania nacional e a estabilidade social e política do país.

“A ingerência estrangeira para financiar atos terroristas ou atividades políticas será proibida, e as doações para causas sociais isentas de impostos serão incentivadas”, disse ele.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e sua Relatoria para a Liberdade de Expressão solicitaram ao governo de El Salvador que não aprove o Projeto de Lei sobre Agentes Estrangeiros em um comunicado de imprensa urgente em 17 de novembro.

A CIDH expressou sua preocupação com as sanções penais e administrativas que podem derivar do descumprimento das disposições da lei sobre gestão de recursos.

“A Comissão e a RELE consideram que, se aprovada, a iniciativa pode restringir o funcionamento legítimo e as atividades de indivíduos e organizações da sociedade civil que atuam na defesa dos direitos humanos e o jornalismo independente, que às vezes recebem recursos de cooperação internacional para o seu desenvolvimento”.

Em nota no Twitter, a iniciativa regional Centro contra a Corrupção e Impunidade na América Central do Norte (Ccinoc) afirmou que a aprovação dessa lei criminalizaria a defesa dos direitos humanos e a luta contra a corrupção, como ocorre na Nicarágua e na Guatemala, porque “permitiria a suspensão imediata das atividades de organizações sociais e meios de comunicação que recebem recursos de fontes não salvadorenhas”.

José Luis Sanz, ex-diretor do El Faro e agora correspondente em Washington, D.C., disse à LJR que o projeto atual oferece uma "enorme margem de arbitrariedade". No que diz respeito aos investimentos, “a lei faz referência explícita no seu texto aos agentes estrangeiros que pretendem influenciar a opinião pública, o que logicamente nos faz suspeitar que os meios de comunicação estão na linha de frente dos questionamentos. (...) A lei é escrita presumindo que o fato de receber recursos do exterior o torna instrumento de outros”.

Em relação à lei, o deputado e líder da bancada governista Novas Ideias, Christian Guevara, fez referência direta à remuneração dos jornalistas do El Faro e GatoEncerrado quando disse que seus "salários suculentos" iam acabar porque "em poucos dias, 40% do que ganham da Open Society e outros  financiadores será para impostos”, publicou o El País.

A organização internacional de direitos humanos Human Rights Watch observou que a lei restringiria gravemente o trabalho de jornalistas independentes e organizações da sociedade civil.

O Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ) instou a Assembleia Legislativa de El Salvador a rejeitar o projeto de lei que obrigaria a mídia e jornalistas que recebem fundos do exterior a se registrarem como agentes estrangeiros.

“Ao rotular jornalistas e meios de comunicação como agentes estrangeiros, o presidente Bukele toma medidas cada vez mais agressivas para limitar os espaços críticos e independentes da imprensa em El Salvador”, disse Natalie Southwick, coordenadora do Programa para a América Latina e o Caribe do CPJ.

A jornalista do El Faro, Julia Gavarrete, disse à LJR que o principal objetivo da lei é silenciar a imprensa crítica, ter um mecanismo de controle e manipular a opinião pública.

“Também tenta travar o trabalho das organizações que estão fazendo oposição, das organizações que estão trabalhando nas comunidades de forma organizada, o que é algo com que este governo nunca concordou, que exista a organização social”, afirmou.

A ONG regional com sede em El Salvador, Cristosal, afirmou que o projeto de lei sobre agentes estrangeiros inviabiliza o trabalho das organizações de direitos humanos, “restringindo os benefícios da solidariedade internacional para a população”. De acordo com a entidade, já existem mecanismos de transparência na regulamentação do país para declarar a origem e o uso das doações do exterior. Essa nova lei criminalizaria e estigmatizaria as organizações da sociedade civil.

Jornalistas e organizações sociais em El Salvador ficaram em uma situação de vulnerabilidade "enorme", disse Sanz, diante de um Estado controlado pelo Executivo, "que tem dado amplos sinais de arbitrariedade e abuso de poder".

Bukele destacou que essa lei é a mesma que há nos Estados Unidos. Porém, Fagoaga, também fundador da Revista Factum, destacou que se trata de "uma falácia", pois, segundo ele, a lei criticada é uma cópia da Lei de Regulação de Agentes Estrangeiros da Nicarágua.

Grande parte da imprensa independente e crítica de El Salvador, como El Faro, Revista Factum e até APES, recebe recursos da cooperação internacional, além de receitas nacionais.

“Há uma tentativa de conter, amordaçar, bloquear qualquer crítica, seja esta crítica vinda da sociedade civil ou dos meios de comunicação que estão a fazer um trabalho louvável na denúncia da corrupção”, disse Fagoaga.

Segundo Sanz, os governos corruptos e governos autoritários assumem o isolamento internacional como um preço a pagar para consolidar seu poder e ações arbitrárias.

“Infelizmente, isso aconteceu no golpe hondurenho de 2009; aconteceu com o fechamento do Cicig na Guatemala e, mais claramente, com toda a evolução do declínio do regime de Daniel Ortega. Parece que há uma decisão de não parar, embora isso implique o preço da condenação internacional e do isolamento, é claro”, disse Sanz.

O jornalista nicaraguense Aníbal Toruño, diretor exilado da Rádio Darío, disse à LJR que na Nicarágua um grande número de jornalistas e membros da sociedade civil e de organizações sem fins lucrativos foram presos por causa da Lei de Regulamentação de Agentes Estrangeiros do Presidente Daniel Ortega.

“A única coisa que ele fez foi controlar, fechar, ameaçar, e não só isso, porque tem muitos opositores no exílio, jornalistas presos, jornalistas exilados. A tragédia na Nicarágua é enorme ”, disse Toruño.

Esse tipo de lei nas mãos de governos populistas e não democráticos, como indica o caminho de Bukele e Ortega, expressou Toruño, são "más notícias".

Tanto Fagoaga quanto Sanz veem o futuro de El Salvador como muito complicado, porque não acreditam que haverá uma mudança de rumo no curto prazo, mas, pelo contrário, uma consolidação do autoritarismo do governo no poder.

“Não há separação de poderes, não há independência judicial, não há prestação de contas”, disse Fagoaga.

Os jornalistas críticos de El Salvador percebem que o país está seguindo o caminho da Nicarágua, mas Fagoaga prefere olhar o “espelho nicaraguense” dos dois lados, e isso em parte lhe dá um pouco de esperança em meio às adversidades.

“Por um lado, acreditamos que a deterioração democrática ocorreu seguindo os mesmos passos. Ou seja, se você analisar a receita autoritária de Ortega, é muito parecida com a de Bukele”, embora em El Salvador esse processo esteja se acelerando, explicou Fagoaga. “E, por outro lado, vemos a resiliência e a coragem dos colegas nicaraguenses. Também gostamos de nos olhar nesse espelho porque sabemos que mesmo quando as situações podem ser adversas, o jornalismo prevalece”.

Quando a democracia está em risco, o jornalismo tem que mostrar a cara, “é a primeira linha de defesa democrática”, concluiu Fagoaga.

Toruño disse estar confiante na capacidade da sólida imprensa independente de El Salvador de se destacar nessa situação.

Segundo Sanz, há dois anos tem sido muito difícil fazer jornalismo crítico no país, e a aprovação dessa lei tornaria todo o trabalho muito mais caro.

“É uma lei claramente inconstitucional, que viola princípios e normas nacionais e internacionais, e me parece uma agressão se acaba sendo aprovada. Mas isso não vai nos impedir."

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