Com pouco mais de quatro meses no poder, o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, implementou uma estratégia de assédio e desqualificação contra os meios de comunicação que está causando uma polarização da imprensa do país, de acordo com os jornalistas Salvador Camarena e Daniel Moreno.
Camarena, diretor-geral de investigação jornalística da organização Mexicanos contra a Corrupção e Impunidade (MCCI), e Moreno, diretor editorial do site Animal Político, aprofundaram essa ideia durante o 12º Colóquio Ibero-americano de Jornalismo Digital, em 14 de abril, na Universidade do Texas em Austin.
Camarena e Moreno conduziram a palestra "Os Desafios e Realidades do Jornalismo Mexicano", na qual os jornalistas explicaram o panorama atual da imprensa crítica no México diante da chegada ao poder de López Obrador, em 1º de dezembro de 2018. A palestra foi mediada por Gabriela Polit, professora associada do Departamento de Espanhol e Português da Universidade do Texas em Austin.
O presidente, que tem aprovação de mais de 70% de acordo com pesquisas, fez do ataque aos meios uma de suas narrativas favoritas, disse Camarena. Um exemplo é o termo "imprensa fifí", que López Obrador cunhou para se referir à mídia que, em sua opinião, é conservadora e, portanto, corrupta, explicou o jornalista.
"Esses insultos nos levam a uma polarização maior, onde ele tem muito dinheiro, muitos canais de comunicação, maioria nos dois congressos – a Câmara dos Deputados e a Câmara dos Senadores – e também tem um governo inteiro mobilizado nisso, em ofender os jornalistas", disse Camarena.
López Obrador oferece coletivas de imprensa de segunda a sexta-feira às 7h por cerca de uma hora e meia, que são transmitidas na televisão aberta, YouTube, Facebook, Twitter e são divulgadas no Spotify. No entanto, sua estratégia de comunicação está longe de oferecer transparência e prestação de contas, segundo Moreno.
"Se alguém faz uma pergunta crítica, os jornalistas que estão na coletiva de imprensa sibilam contra o jornalista porque 'como ele ousa perguntar essas coisas'", disse Moreno.
"Dar uma coletiva de imprensa onde os jornalistas fazem isso se você perguntar algo ‘errado’ não é prestar contas", acrescentou.
Quando os jornalistas refutam as declarações de López Obrador com dados, o presidente os desqualifica e insiste que são seus próprios dados o que conta, disse Moreno. Como na coletiva de imprensa na sexta-feira, 12 de abril, quando o jornalista da Univision Jorge Ramos o questionou sobre a taxa de homicídios no México. O comunicador recebeu milhares de ataques em redes sociais com a hashtag #JorgeRamosProvocador.
Na segunda-feira seguinte, o presidente se referiu ao fato de que, se os jornalistas "passam do limite, eles já sabem o que acontece".
Moreno mostrou exemplos de YouTubers que se dedicam a descreditar de forma aberta os jornalistas que questionam o presidente por meio de vídeos que superam 1 milhão de visualizações, frente aos meios de comunicação que, disse ele, têm um nível de credibilidade de menos de 50%.
“Se tem algo de que podemos acusar os meios é que a imprensa [tradicional] mexicana historicamente esqueceu do serviço aos leitores. A imprensa basicamente se dedicou a viver do poder e teve a capacidade de se adaptar. O que vemos hoje? Uma nova imprensa ‘governista’”, disse.
Embora cobrir o Presidente do México na capital do país implique em dificuldades, estas não se comparam com o que vivem os jornalistas no interior da República, que também têm que superar o perigo de violência física para cobrir as autoridades locais.
"Nossos companheiros dos estados vivem um inferno", disse Camarena. "É mais difícil criticar o prefeito do que o Presidente da República. Eu não gostaria de morar em uma cidade comum no México e criticar o prefeito, porque nisso você perde sua vida, literalmente ".
Diante desse panorama, a opção para os cidadãos é a imprensa crítica que lhes oferece informações sem tendências, fora da polarização que prevalece na mídia tradicional.
"Sim, há cidadãos que não querem ficar presos nessa dicotomia, nesse maniqueísmo", disse Camarena. "Eles querem informações pontuais sem qualquer tipo de tendência, nem a favor nem contra, o que é correto para tomar decisões corretas".