Por Dylan Baddour
As empresas de notícias privadas resistiram a uma longa história de ataques debilitantes do governo venezuelano. Alguns proprietários de mídia estão agora desistindo e vendendo suas propriedades.
O jornal de oposição El Universal se torna o terceiro gigante de mídia da Venezuela vendido a investidores sob a presidência de Nicolás Maduro, e representa mais um golpe para a mídia privada, em sua longa batalha para sobreviver sob o governo bolivariano da Venezuela.
Com 105 anos, El Universal é o mais tradicional e um dos jornais mais importantes da Venezuela. Foi lançado pelo poeta Andrés Mata, em abril de 1909, e pertenceu à família Mata até a semana passada, quando foi vendido a um conglomerado espanhol desconhecido. A nova administração prometeu manter a equipe editorial, mas a maioria dos funcionários estão preocupados com o futuro e alguns já estão saindo, informou o jornal El Universo do Equador.
O jornal da Venezuela líder em circulação, Últimas Noticias, e outras propriedades da Cadena Capriles, um dos maiores conglomerados de mídia do país, também foram vendidos em outubro de 2013 para um conglomerado empresarial inglês com laços estreitos com o governo. Similarmente, em março de 2013, a rede de TV Globovisión foi vendida para uma corretora de seguros, após ser alvo por meses de "investigações, multas e violência" praticadas pelo governo.
Numerosos meios de comunicação foram fechados ou mudaram de donos desde o início do governo de Hugo Chávez, em 1999, e especialmente depois que ele acusou a mídia privada de organizar em 2002 um golpe de Estado contra ele. Maduro, o sucessor escolhido a dedo por Chávez, continuou a lutar contra o jornalismo independente em meio à agitação social generalizada e à política polarizada na Venezuela desde a morte de Chávez, em 2013.
As pressões impostas contra a mídia pelo governo vão além do que se identifica superficialmente. Em uma entrevista em junho de 2014 com o El Universal, o editor de Notitarde, um jornal local da região central do país, chamou a censura na Venezuela de "muito mais perversa e sofisticada" do que invadir estações e prender jornalistas. Ele disse que o governo usou pressão econômica ou persuadiu proprietários de conglomerados de mídia a vender seus veículos de comunicação a compradores aprovados.
A censura e a pressão aumentaram sob Maduro, mas os atuais abalos na imprensa são parte de uma longa campanha para enfraquecer a mídia privada, segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas.
A GUERRA NA TV
Globovisión foi apenas o canal de televisão mais recente a sucumbir a um novo controle em uma longa guerra entre a mídia privada e os governos de Chávez e Maduro.
Chávez declarou guerra contra estações de televisão privadas da Venezuela depois que alegou a participação de executivos de mídia em um golpe em 2002 que o derrubou brevemente do poder. O então presidente chamou as quatro principais estações privadas de TV do país - Venevisión, Rádio Caracas Televisão, Globovisión e Televen - de "os quatro cavaleiros do apocalipse".
Em 2004, Chávez aprovou a Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Cinema, impondo um novo enquadramento à mídia no qual as transmissões não poderiam "promover, defender ou incitar brechas na ordem pública", "desrespeito a autoridades", "fomentar ansiedades nos cidadãos ou alterar a ordem pública", entre outras restrições. A lei foi ampliada em 2011 para regular a internet.
Após a lei de 2004, a rede de TV Televen abandonou sua posição editorial e adotou um ponto de vista especificamente neutro, cancelando o talk show político organizado pela jornalista Marta Colomina.
Em 2007, Chávez se recusou a renovar a licença de transmissão da Rádio Caracas TV (RCTV), que rotineiramente fazia oposição às suas políticas no ar. Como resultado, a emissora foi retirada do ar. Alguns funcionários afirmaram que a oposição ao governo foi a razão para o fim do canal, mas o ministro das comunicações William Lara disse ao Comitê para a Proteção dos Jornalistas que a RCTV violava a lei de imprensa de 2004 pela difusão de imagens sexualmente sugestivas durante o dia. A estação continua fechada.
Após o exemplo dado pelo governo com a RCTV, Venevisión, uma grande rede de TV, reestruturou a sua cobertura, substituiu alguns programas e parou com as críticas rotineiras ao presidente. Gustavo Cisneros, dono bilionário do conglomerado Cisneros Group, teria chegado a um acordo para a estação evitar política e concentrar-se em entretenimento.
Globovisión, também um conhecido canal crítico ao presidente, foi vendido ao corretor de seguros Juan Domingo Cordero em 2013 e rapidamente atenuou sua posição editorial.
Guillermo Zuloaga, dono da Globovisión, escreveu uma carta explicando a venda aos seus empregados: "Nós somos economicamente inviáveis porque nossa renda não cobre as despesas necessárias ... Estamos politicamente inviáveis, porque estamos em um país totalmente polarizado, do lado oposto a um governo todo-poderoso, que quer nos ver fracassar. "
Ele aceitou a oferta de Cordero para comprar a Globovisión, segundo ele, porque era a única maneira que o "permitia manter uma equipe de quase 500 pessoas".
Logo depois, o comentarista da Globovisión Francisco Bautista foi demitido por divulgar um discurso do candidato da oposição Henrique Capriles. Outros jornalistas saíram da emissora em protesto contra as restrições do governo sobre a mídia.
As manifestações contra o governo que eclodiram em todo o país em fevereiro foram ignoradas pela maioria das estações de televisão. Apenas a rede colombiana NTN24 (amplamente vista na Venezuela via cabo) levou ao ar a cobertura completa em vídeo dos protestos, e dias depois foi retirada do sistema a cabo da Venezuela. Maduro ainda ordenou que jornalistas da CNN saíssem do país por sua cobertura do protesto, mas depois reconsiderou a decisão.
A ESCASSEZ DE PAPEL
Em junho de 2013, a Sociedade Interamericana de Imprensa se disse preocupada com os ataques econômicos abruptos contra a mídia venezuelana, em especial às restrições de câmbio para a importação de papel-jornal, "o que poderia ser parte de uma campanha de assédio contra a imprensa independente", segundo a entidade.
A Reuters informou em setembro de 2013 que pelo menos cinco jornais venezuelanos haviam parado temporariamente de publicar por falta de papel e que outros cortaram páginas. Um dos jornais mais antigos do país, El Impulso, encurtou sua publicação impressa em outubro, alegando ter esperado 11 meses para a autorização do governo que lhe permitiria comprar papel.
Em janeiro de 2014, o jornal diário El Nacional de Caracas publicou em sua primeira página um cartão endereçado ao presidente Maduro chamando a atenção para a escassez de papel-jornal que ele e seus concorrentes estavam enfrentando após ter sido negada a troca de moeda necessária para a compra do insumo. A política econômica foi supostamente repressão à mídia impressa. Centenas de jornalistas marcharam em Caracas para protestar contra o que eles consideravam um estrangulamento dos jornais pelo governo.
Em maio, o jornal El Universal declarou-se em estado de emergência por falta de papel e diminuiu sua publicação para 16 páginas. O governo tem bloqueado um carregamento do insumo em um porto desde janeiro.
Uma associação de editores de mídia colombiana enviou mais de 100 toneladas de papel-jornal por empréstimo para evitar que vários jornais venezuelanos fechassem, incluindo El Nacional, El Nuevo Pais e El Impulso. Vários jornais, incluindo "El Sol de Maturin," "Notidiario", "La Hora", "Caribe" e "Tocha" fecharam desde que o papel se tornou menos disponível.
A PERSEGUIÇÃO JURÍDICA SOB A LEI DE MEIOS
Organizações também alegam que o governo tem usado sanções legais para combater a mídia privada. Executivos de mídia como Leocenis Garcia, presidente do Grupo 6º Poder (que tinha feito previamente uma greve de fome em protesto contra as políticas contra a mídia) e Miguel Henrique Otero, proprietário do jornal El Nacional, tiveram as suas contas bancárias congeladas imediatamente após acusações criminais.
A Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Cinema de 2004 deu fundamentos legais para a perseguição da mídia.
Em um artigo de 2004 analisando a lei, o diretor para as Américas da Human Rights Watch, José Miguel Vivanco, disse: "Esta legislação ameaça seriamente a liberdade de imprensa na Venezuela. Suas imprecisas restrições e pesadas sanções são uma receita para a autocensura por parte da imprensa e a arbitrariedade por parte das autoridades governamentais".
A lei foi anunciada como um esforço para manter o sexo e a violência fora da TV durante o dia, mas muitos grupos de oposição a vêem como um meio fácil para a supressão legal da dissidência. Nos termos da lei, em maio de 2014, o governo retirou do ar um programa de rádio que apoiava firmemente os protestos estudantis contra o governo, por supostamente divulgar "informações que promovem o ódio, incitam ou defendem atos criminosos, constituem propaganda de guerra, ou alteram a ordem público", porém nenhum exemplo específico foi citado.
Em 2013, Maduro criou a CESSPA, o Centro Estratégico de Segurança e Proteção da Pátria, para ajudar a identificar e combater o conspirações contra a Venezuela, apesar de muitos o considerarem como um mecanismo de controle da informação. Houve vários apagões de mídia desde que os protestos em massa eclodiram em fevereiro.
Maduro tem repreendido verbalmente jornais. Em meio a uma escassez de alimentos no final de 2013, ele pediu a seu partido "medidas especiais" contra os meios de comunicação acusados por ele de travar uma "guerra psicológica". Em fevereiro de 2014, ele acusou a imprensa de incitação à violência e anunciou uma legislação para perseguir reportagens "sensacionalistas".
Jornais foram multados por conteúdo ofensivo e jornalistas foram violentamente detidos enquanto cobriam protestos.
Os investidores que compraram outras empresas de mídia críticas ao governo venezuelano disseram que não iriam mudar a linha editorial de seus veículos, mas, eventualmente, o fizeram. Com esta tendência, resta saber se El Universal também vai mudar a sua linha editorial crítica.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.