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Meios de comunicação latino-americanos fazem parcerias com universidades para produzir conteúdo jornalístico

Os âncoras são jornalistas experientes que reportam histórias nacionais e entrevistam formadores de opinião e políticos do país para um noticiário televisivo produzido profissionalmente. Tudo sobre o jornal diário de duas horas do diário peruano Correo opera como qualquer outro programa de um meio de comunicação.

Mas há uma colaboração por trás das cenas que torna este programa especial: é produzido em um estúdio no campus da Universidad San Ignacio de Loyola (USIL), com a ajuda de estudantes de Comunicação que operam câmeras sob a supervisão de seus professores.

A mídia latino-americana, como o Correo, está formando alianças com as escolas locais de jornalismo como uma maneira criativa de lutar contra a redução de recursos que enfrenta a indústria do jornalismo, ao mesmo tempo em que prepara a próxima geração de profissionais. Meios e universidades estão compartilhando espaços de trabalho, colaborando em investigações e reportagens lado a lado.

Como praticamente todas as publicações impressas em todo o mundo, as vendas do jornal Correo começaram a diminuir consistentemente. Isso levou a sua empresa-mãe, Grupo Epensa, a estabelecer um acordo com a USIL em 2015 para compartilhar espaço de trabalho e recursos para produzir conteúdo. Graças a este acordo, os profissionais da Epensa podem usar o estúdio da universidade e a sala de produção de televisão, com a colaboração de alguns alunos do USIL como estagiário.

É assim que o Los Desayunos de Correo y USIL nasceu. É um noticiário matinal de TV da manhã com conteúdo informativo produzido por jornalistas da Epensa no estúdio de televisão da USIL. Estudantes de comunicação operam as câmeras e dois profissionais contratados pela universidade são responsáveis pelo gerenciamento de câmeras e som.

"Nestes dois anos, este acordo de co-produção com o Correo para o desenvolvimento do programa Los Desayunos de Correo y USIL beneficiou trinta alunos, dando a eles as habilidades necessárias para praticar sua profissão", disse Úrsula Vallejo Moreno, diretora do programa de comunicação na USIL, disse ao Centro Knight: "Eles podem convergir com profissionais de ampla trajetória na imprensa e na televisão, e tê-los como referência. Além disso, eles aprendem, em tempo real e de maneira direta, o processo de comunicação, produção e realização de programas informativos. Tudo isso lhes dá a capacidade de ser profissionais altamente competentes".

O programa de notícias é transmitido duas horas todos os dias em TV de sinal aberto, através do canal do YouTube Willax TV, no Facebook Live e nos sites de Correo e USIL.

"Este formato é um compromisso com o conteúdo jornalístico. Se a publicidade vem, perfeito. Na verdade, empresas como a (operadora de telecomunicações) Claro mostraram seus produtos durante as horas de transmissão", disse Iván Slocovich, diretor nacional do Correo, que acrescentou que o Grupo Epensa e a USIL estão muito satisfeitos com a aliança estratégica.

E o Correo não é o único meio de comunicação peruano a ver os benefícios de trabalhar junto com estudantes universitários.

Em de julho de 2017, o site nativo digital Ojo Público, que produz jornalismo investigativo e de dados, publicou a primeira reportagem conjunta com estudantes universitários de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica do Peru (PUCP). NarcoMapa, plataforma de jornalismo investigativo, tem foco nos principais casos de tráfico de drogas no país, seus atores e conexões políticas.

O projeto foi proposto por um grupo de estudantes universitários que estavam terminando seus estudos de jornalismo na PUCP. Como parte de um curso ministrado pela advogada e jornalista peruana Rosa María Palacios, os alunos apresentaram um projeto de reportagem, propuseram um modelo de negócios e um veículo para publicação. Eles também delinearam estratégias para distribuir o projeto.

"O assunto nos interessou e também queremos trabalhar com jovens, com estudantes universitários", disse Óscar Castilla, diretor executivo e co-fundador da Ojo Público. Ele destacou que a missão do site tem o compromisso de ajudar jovens jornalistas e estudantes que entrarão no mercado de trabalho.​

NarcoMapa "foi um projeto que foi um pouco sui generis, no qual tivemos que acompanhar os alunos no processo. Dois ou três meses depois de começarmos, concordamos que seria um projeto conjunto entre o Ojo Público e eles (os alunos)", disse Castilla.

Os alunos aprenderam a lidar com fontes judiciais, a apurar na rua e nos tribunais e a tirar fotos. De acordo com Castilla, a experiência foi bastante completa em termos do que significa ser um jornalista moderno, em oposição a um jornalista tradicional ocupado com a apuração e a escrita de uma matéria.

Para alguns meios de comunicação, a colaboração resulta não só de um desejo de ensinar e disseminar conhecimento, mas também de uma necessidade de mais mão-de-obra.

Na Argentina, o jornal La Nación e sua equipe de jornalismo de dados convocou a ajuda de voluntários da faculdade de Jornalismo, além de estudantes de Humanas, para ajudar a compilar informação para sua plataforma de dados abertos de declarações de juízes federais e membros do gabinete ministerial argentino.

O jornal e sua equipe de dados, La Nación Data, estavam trabalhando no projeto desde 2012.

No final de 2013, eles perceberam que com apenas 10 pessoas na equipe de dados e outros projetos em andamento, eles não podiam fazer o upload de todas as informações coletadas sobre os depoimentos de anos anteriores até o presente.

"Precisávamos ter um grupo controlado, que pudéssemos acompanhar, e nos ocorreu conversar com um dos nossos colegas, Hernán Cappiello, um dos jornalistas de La Nación, diretor do programa de comunicação jornalística da Universidad Católica de Argentina (UCA), para ver se poderíamos enviar um convite aos alunos para ver quem queria participar. Ele distribuiu o convite entre os alunos da UCA e os treinamos aqui no La Nación", disse Romina Colman ao Centro Knight.

Colman é responsável pela produção de dados e é a coordenadora do projeto entre a La Nación Data e a redação geral do jornal. Ela se especializa no acesso à informação pública.

Os 15 estudantes de jornalismo da UCA que se voluntariaram para o projeto foram treinados no La Nación in 2015. Eles receberam um manual e nomes de usuários com os quais eles podiam colaborar tanto do jornal quanto de suas casas.

"Para mim, foi ótimo que o La Nación tenha sido capaz de nos receber, o que para eles foi útil, mas para nós significa incorporar novos conteúdos [no programa acadêmico]. Estamos mais do que felizes com a aliança entre a universidade e a La Nación Data. Pelo menos 20 estudantes [da UCA] já colaboraram em projetos do La Nación", disse Cappiello, jornalista do La Nación e diretor do programa de jornalismo da UCA, ao Centro Knight.

A plataforma de declarações dos funcionários públicos argentinos é atualizada continuamente e, por etapas, com a ajuda dos voluntários. A La Nación Data está trabalhando agora em uma reportagem com base na informação financeira e patrimonial sobre os investimentos dos ministros que foram coletados até agora, disse Colman.

"Este é uma aproximação do mundo profissional eda  inovação, como o jornalismo de dados, ou da análise de algumas informações específicas para um projeto específico. É uma abordagem muito, muito valiosa", explicou Cappiello. O segundo aspecto que eu acho muito interessante é que os projetos em que participamos são aqueles que o jornalismo está produzindo hoje, que têm a ver com a idéia de jornalismo colaborativo, em que redes de pessoas que realizam um projeto podem incluir pessoas da sociedade civil".

O La Nación também contou com voluntários de universidades argentinas para popular a plataforma colaborativa e projeto de dados abertos VozData, desenvolvido em parceria com o Knight Mozilla Open News e a Civicus Alliance. Em março de 2014, eles começaram a trabalhar no primeiro projeto da plataforma, o Gastos del Senado, de acordo com Florencia Coelho, gerente de investigações e de treinamento de dados.

Para reunir toda essa informação, segundo Coelho, o La Nación voltou a convocar voluntários, atingindo quase mil pessoas, principalmente de universidades como UCA, Universidad Austral, Universidad de El Salvador, Colegio Universitario de Periodismo de la Provincia de Córdoba (CUP), Universidad Torcuato di Tella, Universidade Siglo 21 e Universidad de Concepción del Uruguai.

Há três anos, o projeto de despesas do Senado conta com voluntários atualizando a plataforma com informações sobre os gastos dos legisladores argentinos que datam de 2010.

Da mesma forma, em um projeto separado, eles trabalharam com estudantes universitários e voluntários de várias organizações sem fins lucrativos para verificar as primárias da eleição presidencial argentina, onde foram encontradas várias irregularidades.

"O importante sobre esta tarefa como um todo não é trabalhar para o La Nación gratuitamente, mas sim abrir dados públicos com muitas pessoas ... para poder ter um banco de dados e fazer investigações jornalísticas, tanto eles [estudantes], quanto o La Nación", disse Coelho. "Mas é um projeto impossível trabalhar por conta própria, trabalhando em equipe com universidades e ONGs, conseguimos um projeto que, de outra forma, não poderíamos fazer".

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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