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Meios latino-americanos participam de iniciativa global para reforçar cobertura sobre a crise climática

“Nossa própria ‘guerra de mentira’ do aquecimento global acabou. A guerra quente está aqui”, disse o veterano jornalista norte-americano Bill Moyers em uma conferência em abril, quando ele comparou a importância e a urgência da cobertura jornalística sobre a crise climática com a cobertura da Segunda Guerra Mundial.

A conferência realizada em Nova York, nos Estados Unidos, reuniu jornalistas e representantes de meios de comunicação para debater como cobrir a “mudança climática em um mundo de 1,5o C”.

Este é o quanto a temperatura global deve subir entre 2030 e 2052 em relação àquela registrada antes da era industrial, segundo um relatório lançado em outubro de 2018 pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC, na sigla em inglês). Trata-se do aquecimento global provocado pela atividade humana, cujo impacto já tem sido sentido no aumento da frequência e da intensidade de eventos climáticos extremos ao redor do mundo, por exemplo, diz o relatório.

A partir dessa urgência, uma aliança global pretende colocar a crise climática no centro da cobertura jornalística de mais de 200 meios de comunicação, entre jornais, sites, rádios, canais de TV e podcasts nas próximas semanas e além.

A iniciativa Covering Climate Now, capitaneada pelas revistas norte-americanas The Nation e Columbia Journalism Review (CJR), conta até o momento com seis parceiros latino-americanos – e espera que outros meios da região queiram se unir à aliança.

(Foto: Martin Snicer/Flickr CC)

(Foto: Martin Snicer/Flickr CC)

“Quando os cientistas do IPCC lançaram seu alerta para os próximos 12 anos, eles disseram que limitar o aumento da temperatura a 1,5o C demandaria transformar radicalmente a energia, a agricultura, o transporte, a construção e outros setores essenciais da economia global”, escreveram Mark Hertsgaard, correspondente ambiental da The Nation, e Kyle Pope, editor-chefe da CJR, em um artigo publicado em abril na The Nation. “Nosso projeto se baseia na convicção de que o setor de notícias deve ser transformado tão radicalmente quanto.”

A aliança que vem sendo forjada desde então prevê que todos os meios parceiros se comprometam a publicar o equivalente a uma semana de conteúdo sobre mudança climática no contexto da Cúpula de Ação Climática da ONU, que será realizada em Nova York em 23 de setembro.

Hertsgaard, coordenador da iniciativa, contou ao Centro Knight que, no início do projeto, o foco era a imprensa norte-americana. “Foi uma surpresa boa quando tantos veículos de outros países começaram a entrar em contato conosco e a dizer ‘ei, queremos fazer parte disso também’.”

Até o momento, o projeto conta com cerca de 230 meios jornalísticos do mundo todo, mais parceiros institucionais e jornalistas independentes. Na América Latina, participam os jornais La Nación (Argentina) e La Tercera (Chile), os sites Ojo al Clima (Costa Rica) e Red/acción (Argentina), o canal My News (Brasil) e a instituição de ensino superior Insper (Brasil).

“Não é tarde demais para que os meios participem”, disse ele. Veículos e profissionais interessados podem entrar em contato pelos emails editors@cjr.org ou coveringclimatenow@cjr.org.

“O tema da nossa era”

Tania Opazo, editora de narrativas interativas no jornal chileno La Tercera, disse ao Centro Knight que foi impactada pela fala de Moyers e que logo entrou em contato com a organização do projeto.

Ela contou que já vinha pensando em reforçar a cobertura do jornal sobre o clima também porque o Chile vai sediar a Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 25, em dezembro deste ano – responsabilidade que o país tomou para si depois que o Brasil abriu mão de sediar o evento, conforme orientação do atual presidente, Jair Bolsonaro.

“É muito relevante, sobretudo nos tempos atuais, que os meios de comunicação sejamos capazes de trabalhar de maneira coordenada, sem importar em que lugar do mundo estejamos”, disse Opazo sobre o projeto. “E este é o tema de nossa era. É a notícia do nosso tempo e temos que fazer o melhor trabalho possível para levá-la a nossas audiências em nossos respectivos países. E creio que temos muito que aprender uns dos outros nisso.”

Além de reportagens na revista online Qué Pasa, que cobre meio ambiente, ciência e sociedade no site de La Tercera, o jornal pretende publicar nas próximas semanas uma edição completa do diário impresso dedicada à crise climática. Nesta edição, todas as reportagens serão sobre o tema, a partir das perspectivas de cada seção do jornal.

“Acho que vai ser um ponto de partida significativo tanto para os jornalistas como para os editores, uma tomada de consciência de que cada um, desde suas próprias áreas, podem contribuir e fazer boas coberturas sobre o tema da crise climática. Basta que o considerem, que pensem nele, porque estão acontecendo muitas coisas, desde a economia, a política, a educação. Pode-se abordá-lo desde todas as arestas possíveis e a ideia é um pouco instalar esta semente em toda a redação”, disse ela.

Outro parceiro da iniciativa, o costa-riquenho Ojo al Clima tem se dedicado a abordar a mudança climática por várias perspectivas desde sua fundação em novembro de 2015, disse ao Centro Knight o jornalista e cofundador do site Diego Arguedas Ortiz.

“Já em 2015 era evidente que este tema requeria mais atenção nos meios do que tinha então”, disse ele. “Estávamos na prévia ao acordo de Paris e as pessoas cobriram muito o tema e eu perguntava ‘o que acontece depois?’ Ou seja, o que acontece quando essa cobertura diminui.”

Ortiz propôs então para seus chefes no Semanario Universidad, da Universidade de Costa Rica, criar um meio para concentrar e potencializar a cobertura climática. “Se você tem uma seção ou um meio ou um programa de rádio sobre mudança climática, vai ter que buscar conteúdo para isso, porque essa é a estrutura dos meios de comunicação. Foi uma maneira de nos obrigar a criar mais conteúdo sobre mudança climática.”

Sobre a participação de Ojo al Clima no projeto Covering Climate Now, Ortiz comentou que alguém até poderia pensar que um meio que já cobre a mudança climática não precisaria fazer parte de uma iniciativa cujo foco é a cobertura sobre o tema. No entanto, “somente o fato de saber que somos parte de uma rede global de meios de comunicação que está dando cobertura ao tema te faz sentir acompanhado, te faz sentir que você não está sozinho”, afirmou.

Outro ponto positivo de fazer parte da rede é que as pessoas que estão “no Brasil, nos Estados Unidos, na Europa, se dão conta de que há um meio na Costa Rica que se interessa pelo tema, assim como eu me dou conta de que há um meio no Chile ou na Argentina”, disse ele.

Na Argentina, um deles é o jornal La Nación, onde o núcleo de jornalismo de dados, liderado por Momi Peralta, tem abordado a crise climática em conjunto com várias editorias do jornal.

Icebergs in Ilulissat Icefjord, Greenland in 2014 (UN Photo/Mark Garten)

Icebergs in Ilulissat Icefjord, Greenland in 2014 (UN Photo/Mark Garten)

“Começamos, desde a área de jornalismo de dados, a buscar quais são as métricas e a maneira de comunicar o sentido da urgência da crise climática, muito em linha com a decisão tomada pelo The Guardian de começar a falar de crise climática e não em mudança climática”, disse ela ao Centro Knight. “Nos demos conta de que estava muito sustentado em evidências da comunidade científica e estavam todas as provas da urgência em trabalharmos todos nesse sentido. Acho que temos a obrigação de colocar este tema na agenda.”

Há quem diga que a mudança climática é um tema que não cativa a audiência dos meios de notícias, como comentaram Hertsgaard e Pope no artigo publicado na The Nation. Para Peralta, porém, este não deve ser o critério de decisão para a cobertura.

“Estes são temas importantes e não vamos pela audiência, pelos pageviews. O impacto que nos interessa é que se aumente a participação cidadã e ter impacto é a mudança”, disse Peralta. “Os meios precisam levantar [o tema da crise climática]. E mais, o que queremos é que outros meios se somem [à iniciativa]. Nos interessa que se somem, que as coisas mudem. Este é o resultado e o impacto.”

Soluções contra o fim do mundo

Um dos objetivos do projeto Covering Climate Now também é fomentar a criação de novas estratégias para a cobertura jornalística sobre a crise climática. Além da necessidade de se fundamentar em dados científicos de organizações com trabalhos sólidos sobre o tema, a cobertura deve aproximar a questão do público consumidor de notícias e mover atores civis e políticos para mitigar o aquecimento global e lidar com os efeitos da mudança climática, segundo disseram os membros da iniciativa.

“O nível de transformação que o mundo requer nos próximos 10 anos para chegar a um caminho viável [em relação ao aquecimento global] não está de acordo com o nível de prioridade política que o tema tem hoje. E uma maneira para que os cidadãos façam mais pressão política é colocar o tema na agenda. Isso o jornalismo pode fazer: colocar o tema na agenda e pressionar as pessoas que estão tomando decisões, perguntar-lhes porque não o estão fazendo”, disse Ortiz.

Para isso, é importante trazer as causas e as implicações da mudança climática para o dia a dia de quem consome as notícias, tornando concreto um tema que muitas vezes parece abstrato, disse ele. “A mudança climática vai impactar a moradia, a saúde, os alimentos, já está impactando a migração. É algo super concreto. O problema é que aos meios de comunicação nos tem custado muito, por vários motivos, fazer essa conexão.”

Quando esta conexão é feita, porém, muitas vezes se apresenta um cenário catastrófico e irreversível, pouco convidativo às ações que podem transformá-lo, comentou Opazo.

“O grande problema é como convidar os leitores à reflexão, mostrar-lhes a situação crítica em que nos encontramos, mas também apresentar-lhes panoramas esperançosos”, disse ela, acrescentando que a edição especial de La Tercera sobre a crise climática não quer ser “o diário do fim do mundo, mas sim o diário de como este é o momento em que temos que fazer alguma coisa”.

Tornando concretos os problemas, é imprescindível apresentar soluções concretas para eles, ressaltou Hertsgaard, que há 30 anos se dedica à cobertura da mudança climática. E as soluções abrangem mais do que as inovações tecnológicas para a eficiência energética, por exemplo.

“Meu conselho seria: cubra as soluções. E as soluções não são apenas as tecnologias, mas os movimentos políticos e sociais que são necessários para fazer governos e empresas realizarem as ações necessárias para promover estas tecnologias”, disse ele. “O que muitas vezes fica esquecido é que a coisa mais importante não é trocar a sua lâmpada, mas trocar seu presidente, seu governador, seus senadores, seus representantes na política. É isso que é necessário para reverter essa crise.”

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