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Na Amazônia peruana, surge um programa de apoio e uma rede de comunicadores de saúde indígena

O fotojornalista Patrick Murayari, que faz parte da comunidade indígena kukama-kukamiria em Loreto, no Peru, investiga a poluição causada pelas empresas extrativistas de hidrocarbonetos na região há décadas.

Ele afirma que isso está afetando a saúde das populações indígenas que há anos denunciam a situação, mas não são ouvidas por falta de visibilidade.

“Muitos dos meus trabalhos partem de minhas decisões políticas, de minhas experiências. Nasci em um bairro onde a água já não serve mais para tomar banho ou para beber. Mesmo assim, as crianças continuam tomando banho nela. E é isso que me preocupa”, ele disse à LatAm Journalism Review (LJR)

Murayari é um dos oito jornalistas, comunicadores sociais e fotógrafos selecionados para participar do novo programa de bolsas na Amazônia peruana do Salud con Lupa, um meio digital especializado na cobertura de saúde pública.

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O fotógrafo jornalístico Patrick Murayari, da comunidade indígena kukama-kukamiria, expõe a poluição causada pelas empresas extrativas de hidrocarbonetos nos territórios da Amazônia (Crédito: Salud con Lupa).

Como parte do programa, o Saúde com Lupa também criou um programa de treinamento e lançou a primeira rede de comunicadores e jornalistas de saúde indígena na região.

O objetivo do programa, que conta com o apoio do Fundo Canadense para Iniciativas Locais, é fortalecer a cobertura dos principais desafios de saúde pública das populações indígenas que vivem na região.

A criação da chamada Rede de Comunicadores de Saúde Indígena na Amazônia atende à necessidade de que os jornalistas locais sejam aqueles que contem seus problemas e escolham quais histórias querem investigar, disse Fabiola Torres, diretora e fundadora do Salud con Lupa, à LJR. Ela acrescentou que também é uma maneira de colocar o foco na agenda de saúde,uma vez que, na Amazônia, ela frequentemente fica obscurecida por questões ambientais ou de defesa da terra.

A ideia do projeto surgiu de uma devastadora crise de saúde pública que ocorreu no norte do Peru em julho de 2023.

Quando viram a notícia de que nove crianças de uma comunidade indígena em Loreto tinham morrido devido a um surto de diarreia, a equipe do Salud con Lupa soube que tinha que fazer algo.

"Soubemos dessa notícia porque a líder da Nação Chapra foi até Lima para relatar o que estava acontecendo e nenhum dos meios de comunicação nacionais estava cobrindo. Para nós, foi uma motivação, decidimos que tínhamos que fazer algo a mais", disse Torres.

"Sabíamos que estávamos alcançando um grupo de jornalistas e comunicadores que têm muito a dizer, mas que não tinham ferramentas para fazê-lo", acrescentou.

Treinamento jornalístico na Amazônia peruana

Cerca de 50 comunicadores e jornalistas dos departamentos de Loreto e do Amazonas foram beneficiados na primeira edição do programa de treinamento. Os dois departamentos ficam localizados ao norte do Peru, atravessados pela selva amazônica, a maior floresta tropical do mundo.

As capacitações do Salud con Lupa na Amazônia peruana foram realizadas nas cidades de Bagua, no Amazonas, e de Iquitos, em Loreto. Cerca de 50 jornalistas e comunicadores indígenas da região participaram.

A workshop of people

Os treinamentos do Salud con Lupa na Amazônia peruana foram realizados nas cidades de Bagua, Amazonas, e Iquitos, Loreto. Participaram cerca de 50 jornalistas e comunicadores indígenas da região (Crédito: Salud con Lupa)

Devido às grandes distâncias entre as cidades e as comunidades na Amazônia, Torres disse que alguns dos participantes tiveram que viajar dois dias de avião, rio e estrada para chegar lá.

Os treinamentos foram uma oportunidade para os participantes conhecerem uns aos outros e a equipe do Salud con Lupa e discutirem sobre o que é e o que implica a saúde nas comunidades indígenas.

Alguns dos principais temas abordados no programa de treinamento – o que se explica pelas dificuldades de na saúde pública vividas pelas comunidades indígenas na Amazônia peruana e pelos interesses dos jornalistas – incluíram altas taxas de mortalidade materna em comunidades indígenas, acesso limitado à água potável e a serviços médicos, insegurança alimentar e impactos na saúde devido às atividades extrativistas.

"Uma premissa do Salud con Lupa é que não íamos ensinar nada aos jornalistas das comunidades indígenas, são eles que têm a experiência que precisamos tornar visível e fortalecer", disse a diretora.

Entre os jornalistas e especialistas convidados para compartilhar seus conhecimentos e experiências, Torres destacou os membros da rádio Ucamara, que opera na região; a especialista em saúde pública Magaly Blas, que trabalha com comunidades indígenas; e a jornalista Vanessa Romo, especialista na cultura Awajún Wampi.

Fazer jornalismo na Amazônia

Na segunda fase do programa, que está em andamento, os jornalistas e comunicadores treinados nas capacitações se candidataram a bolsas de financiamento de três mil soles peruanos (R$ 3.943). Os escolhidos desenvolverão matérias focadas na saúde indígena sob orientação editorial da equipe do Salud con Lupa.

Foram selecionados oito jornalistas, comunicadores sociais e fotógrafos, que atualmente estão trabalhando nas matérias que serão publicadas em fevereiro de 2024, de acordo com Torres.

Los becarios

Os oito jornalistas e comunicadores de Loreto e Amazonas, no Peru, que participaram das capacitações do Salud con Lupa, receberam bolsas para contar suas histórias e fazem parte da Rede de Comunicadores de Saúde Indígena na Amazônia. (Crédito: Salud con Lupa)

Murayari, o fotojornalista, disse que se inscreveu no programa de treinamento "para ter mais ferramentas e criar uma rede, conhecer outros comunicadores que trabalham com esses temas".

Os oito jornalistas e comunicadores de Loreto e Amazonas, Peru, que participaram das capacitações da Salud con Lupa, receberam bolsas para contar suas histórias e fazem parte da Rede de Comunicadores de Saúde Indígena na Amazônia.

Para ele, programas de treinamento para jornalistas como o do Salud con Lupa são importantes porque no território amazônico "não há espaços de formação e poucas oportunidades para mostrar o trabalho de jornalistas e comunicadores".

Ele também disse que as capacitações foram muito boas e destacou que não foram jornalistas de Lima até a Amazônia para "impor uma ideia de aprendizado", mas sim jornalistas indígenas que trabalham com povos indígenas há 20 ou 30 anos que compartilharam suas ferramentas e experiências.

Além de Murayari, os jornalistas que participaram das capacitações, receberam bolsas para contar histórias e fazem parte da rede são: Mayra Macedo Mozombite, Ángela Rodríguez Cisneros, Efraín Venancino, Leunel Tomas Kiak, Entsa María Saván Sarasara, Fabiana Arrunátegui Silupu e Juan Cabanillas Tuyas.

A liberdade de imprensa em estado de alerta

Torres disse que a liberdade de imprensa na Amazônia peruana está em "estado de alerta".

"Justamente quando estávamos realizando as oficinas, aconteceram atos de violência contra os comunicadores porque eles cobrem atividades ilegais de mineradoras que poluem o rio Santiago [rio amazônico que atravessa o Equador e o Peru]. Isso gerou muito medo, eles estão sendo ameaçados em seus territórios por relatar esses problemas", acrescentou.

Murayari disse que o primeiro desafio que enfrenta quando realiza seu trabalho jornalístico são as ameaças que recebe diariamente.

"Na cidade [Iquitos], tenho recebido ameaças porque aqui os empresários amazônicos têm uma visão ocidental: são contra os discursos indígenas e apoiam as multinacionais. Quando você torna públicos esses problemas, começam a ameaçá-lo através de seus agentes", disse Murayari.

O fotógrafo, especializado na cobertura de histórias de jovens indígenas, relatou que também recebeu ameaças por trabalhar com jovens ticunas, uma comunidade indígena do norte do Peru que vive em uma área afetada pelo tráfico de drogas.

Outro desafio para o exercício do jornalismo na Amazônia peruana, de acordo com o fotógrafo, é a locomoção. Para chegar a algumas das comunidades indígenas, é preciso viajar durante dias, inclusive de avião ou barco. Isso é muito caro.

A jornalista Ángela Rodríguez, que também mora em Loreto e faz parte da rede, disse à LJR que outro desafio para o jornalismo na Amazônia é a "falta de conectividade física e digital entre províncias e localidades, o que representa um grande desafio na cobertura de qualquer assunto".

Sobre o treinamento do Salud con Lupa, ela considerou que lhe permitiu "conhecer as perspectivas e experiências de outros colegas e dos próprios representantes de povos indígenas, alguns deles comunicadores indígenas que, a partir de sua experiência, me permitiram aprender outras maneiras de comunicar" sobre temas de saúde indígena.

Traduzido por André Duchiade
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