Dizem que a união faz a força. E no caso da desinformação esse ditado cai como uma luva. Não só para quem está por trás das campanhas de criação de notícias falsas, mas também para quem as combate, pois está confirmado que o fenômeno da desinformação não é orgânico e que por trás existe um processo de organização com propósitos muito claros.
Por essa razão, em novembro de 2022 um grupo de meios de comunicação e de organizações de direitos digitais da Venezuela formou a C-Informa, uma coalizão de fact-checking que busca produzir conteúdo informativo para mostrar como a desinformação opera nesse país sul-americano.
Medianálisis, Efecto Cocuyo, El Estímulo, Cazadores de Fake News e Probox, com o apoio do Consórcio de Apoio ao Jornalismo Independente da Região (CAPIR, na sigla em espanhol) e assessoria do Chequeado, da Argentina, e do DataCrítica, do México, participam dessa coalizão.
“A ideia já existia há algum tempo e tínhamos conversado com algumas das organizações sobre como criar um espaço a partir do qual poderíamos debater e explicar para a sociedade como funciona a desinformação. Depois houve uma aproximação com o The Institute for War & Peace Reporting (IWPR), que por meio da iniciativa CAPIR tornou possível a criação dessa coalizão”, disse Andrés Cañizález, diretor da Medianálisis, entidade que coordena editorialmente a C-Informa, à LatAm Journalism Review (LJR).
“A primeira coisa que fizemos foi passar várias semanas nos conhecendo para entender o que cada um estava fazendo em relação ao combate à desinformação. A ideia não era replicar o que já estávamos fazendo, ou continuar fazendo a mesma coisa, mas ver como esse conhecimento e essa expertise poderiam ser úteis porque, dessa vez, os meios de comunicação e os ativistas de direitos digitais estavam unindo forças. Acreditamos que essa combinação geraria coisas positivas”, afirmou Cañizalez.
A Venezuela está vivendo uma complexa crise econômica, política e humanitária. Há anos que violações do direito à liberdade de expressão vêm sendo denunciadas e o fechamento de veículos de comunicação vem sendo documentado. Por sua vez, o governo venezuelano tem aproveitado o alcance das redes sociais para divulgar sua propaganda política, desarticular opositores e desviar ou confundir a atenção das massas.
Andrés Cañizález, diretor de Medianálisis, entidade que coordena editorialmente C-Informa.
“Na América Latina existe um clima favorável à desinformação, mas, no caso da Venezuela, ela tem sido acentuada pela ausência de grandes meios de comunicação nacionais. É o contrário de países onde também há muita desinformação, como o Brasil, mas que ainda têm a meios nacionaisl como referência para a sociedade. Esses países ainda têm mídia impressa e rádio que continuam informando”, disse Cañizalez.
“No caso da Venezuela, estamos vivendo as consequências de mais de 20 anos de uma política orientada à hegemonia oficial. Isso resultou em um número significativo de veículos de comunicação fechados, meios censurados e uma conectividade bastante precária. Portanto, do meu ponto de vista, informar-se por meio das redes sociais ainda é algo muito limitado no país”, disse o jornalista.
Um dos trabalhos publicados pela coalizão foi uma análise estatística das 489 verificações ou fact-checks publicados pelo Efecto Cocuyo de março de 2018 a novembro de 2022. Após o mapeamento, concluiu-se que os temas de desinformação mais comuns no país foram: política, saúde, meio ambiente, roubos, insegurança e serviços públicos. Além disso, a maioria das notícias falsas havia sido preparada exclusivamente para a Venezuela, embora também circulassem teorias da conspiração e conteúdos de interesse global.
A C-Informa não é o primeiro exemplo de união entre organizações de fact-checking na Venezuela. Sete veículos de comunicação venezuelanos, sob a coordenação do IPYS Venezuela e com o apoio de ProBox, Observatório Global de Comunicação e Democracia, e do EsTendenciaVzl, já uniram forças para combater a desinformação nas eleições parlamentares de 6 de dezembro de 2020.
A C-Informa trabalha em duas escalas: cada meio ou organização faz suas próprias reportagens ou investigações, mas em algumas situações se juntam para realizar um trabalho colaborativo.
Foi o caso da cobertura conjunta da coalizão sobre a participação do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, na 27ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP27), realizada de 6 a 18 de novembro de 2022 no Egito.
A coalizão realizou uma cobertura conjunta sobre a participação do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, na 27a Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP27).
“Nosso trabalho mais relevante foi sobre a estratégia da mentira oficial no caso da cúpula do clima no Egito, onde pudemos revelar que havia um discurso duplo. Para o exterior, o presidente Nicolás Maduro defende a Amazônia, a floresta, o verde, mas existe uma série de políticas de depredação da natureza no país. Por exemplo, todo o projeto conhecido como Arco Mineiro do Orinoco”, explicou Cañizalez.
Entre os trabalhos individuais, destaca-se a investigação realizada por Cazadores de Fake News para C-Informa, que confirmou que falsos portais e possivelmente contas automatizadas (bots) foram criados para simular apoio popular a Alex Saab, um empresário ligado ao governo de Maduro.
Além disso, a C-Informa, em colaboração, publicou um glossário de termos relacionados à desinformação em novembro de 2022. Nesse glossário, os leitores podem encontrar o significado de palavras ou frases relacionadas a notícias falsas, como desinformação, fake news, spam, contas fake, etc.
“Existe uma energia, simpatia e sinergia muito positivas na equipe. Recentemente, fizemos um glossário de termos associados à desinformação. Isso foi importante neste caminho incipiente”, comentou Cañizalez. "Estamos muito satisfeitos. Essa coalizão é algo que consideramos necessário porque não se trata apenas de fazer investigações sobre questões que afetam a sociedade. Também queremos mostrar como a desinformação opera no país. Cumprimos uma função jornalística, mas também podemos cumprir uma função educativa ou pedagógica na sociedade.”
