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Nenhuma pessoa ou tópico está a salvo do olhar das publicações satíricas da America Latina

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  • 5 dezembro, 2016

Por Molly Smith*

Atualmente, as manchetes de todo o mundo muitas vezes parecem absurdas. Escritores latino-americanos aproveitaram a estranheza das situações políticas e econômicas de seus países para criar conteúdo para a crescente lista de publicações satíricas da região.

As manchetes dos artigos mais populares do site de notícias satíricas colombiano Actualidad Panamericana não poupam ninguém: "Neonazistas colombianos são brutalmente espancados por neonazistas alemães"; "Casos de parceiros [sexuais] apegados aumentam durante a Semana Santa"; "Mensagens subliminares descobertas nas camisas de Rafael Correa"; e "Telefones celulares do vôo perdido da Malaysia Airlines encontrados no mercado negro de Bogotá".

Ao contrário do The Onion, publicação americana similar cujo conteúdo se concentra quase exclusivamente nos Estados Unidos, os escritores da Actualidad Panamericana têm um amplo leque de temas. Política colombiana, acontecimentos internacionais, cultura pop, Igreja Católica e futebol são todos alvos do humor arrojado do site.

O Actualidad Panamericana é apenas uma das várias publicações latino-americanas que brincam com as notícias. Existem revistas satíricas como The Clinic (Chile) e Barcelona (Argentina), além de sites de notícias falsas como El Panfleto (Peru), ElDeforma (México) e Sensacionalista (Brasil). O mexicano El Pulso de la República e o argentino Caiga Quien Caiga, ou CQC, são programas de TV satíricos populares. O CQC foi tão bem sucedido que foi adaptado no Chile e no Brasil.

Paul Alonso, professor assistente da School of Modern Languages do Georgia Institute of Technology, disse ao Centro Knight que a sátira tem uma extensa tradição na América Latina. Sátira é definida como o uso de humor, ironia ou exagero para expor e criticar um indivíduo ou uma situação.

"A sátira tem raízes nas tradições literárias na América Latina. Sua evolução e as formas de mídia contemporâneas têm sido geralmente negociadas dentro dos sistemas políticos e de mídia, das culturas populares locais e das tensões socioculturais dos países", disse Alonso.

A sátira latino-americana permanece largamente inexplorada, com a maior parte da pesquisa no hemisfério ocidental focada em programas de infotainment satíricos dos Estados Unidos, como The Daily Show e The Colbert Report. Alonso está escrevendo um livro sobre sátira nas Américas que deve ajudar a preencher a falta de literatura sobre o assunto. A pesquisa dele sobre sátira e infotainment já apareceu em publicações como Bulletin of Latin American Research, The Journal of Popular Culture e  Journal of Iberian and Latin American Studies.

"Desde a Grécia Antiga, o papel da sátira foi dizer o que não poderia ser dito de outra forma , falar a verdade ao poder", disse Alonso sobre como as publicações satíricas e programas de TV frequentemente respondem a um contexto político e midiático específico.

De acordo com Alonso, nos Estados Unidos, a popularidade da sátira política de John Stewart e Stephen Colbert nos programas de late night se desenvolveu como uma reação ao governo de George W. Bush, à Guerra do Iraque e à "Foxificação" das notícias, em que os meios de comunicação passaram a noticiar eventos com um ponto de visto político explícito.

Alonso mencionou, por exemplo, programas de TV satíricos como El mañanero (2000-2004), de Brozo, no México, que refletiu a abertura da mídia após 71 anos de governo ininterrupto do Partido Revolucionário Institucional (PRI). Mais recentemente, o programa El Pulso de la República (2014-presente) foi uma reação ao papel da Televisa, uma das principais emissoras do país, no retorno do PRI ao poder por meio da eleição de Enrique Peña Nieto.

"O infotainment satírico tem funcionado como um crítico da mídia, como um 'cão de guarda' dos 'cães de guarda'", disse Alonso sobre a motivação principal por trás do gênero das notícias falsas.

Devido ao declínio do que Alonso chama de "notícias úteis democraticamente" e da cobertura de assuntos de interesse público em toda a América, a mídia satírica por vezes pode ser mais informativa do que os principais meios de comunicação. Por meio da desconstrução dos acontecimentos das notícias e da retórica política, os meios de comunicação satíricos desafiam os erros factuais e as inconsistências da grande mídia. "Isso se torna uma ferramenta para impor responsabilidade ética", explicou.

Um dos fundadores do ElDeforma, site mexicano de notícias falsas cujo nome é uma brincadeira com um dos maiores jornais do México, Reforma, disse a um repórter da Maclean’s Magazine: "Eu não diria que estamos mudando o México, mas estamos abrindo um caminho para que as pessoas possam ser críticas".

Da mesma forma, o Actualidad Panamericana se descreve como "um espaço para falar verdades com humor".

"A forma ideal [com que a sátira poderia ajudar a sociedade colombiana] seria por meio do encorajamento da capacidade de rir de nós mesmos, algo que falta aqui. Também seria pelo uso do humor para desmistificar os líderes que as pessoas seguem cegamente, e assim fazê-las desistir um pouco do fanatismo e da polarização ", disse Leovigildo Galarza, escritor da Actualidad Panamericana, ao Centro Knight. "Talvez essa responsabilidade seja da família ou do Estado e não nossa, que, em última análise, queremos rir, e se tivermos sorte, fazer os outros rirem também", disse ele.

Os sete principais escritores do Actualidad Panamericana produzem e conduzem entrevistas com pseudônimos, em um esforço para separar suas piadas de suas identidades pessoais e profissionais.

Desde a fundação de seus respectivos sites, os autores do ElDeforma e do Actualidad Panamericana viram suas manchetes falsas aparecerem nos feeds de políticos no Twitter e até serem republicadas por jornalistas. Muitos dos que visitam os sites pela primeira vez por engano acreditam que as manchetes que estão lendo são reais.

"Muitas pessoas não sabem como ou não querem ler, e aqueles que não lêem as entrelinhas não entendem o humor. Também percebemos que as pessoas estão muito inclinadas a ficarem indignadas com qualquer coisa e, por isso, caem na armadilha de acreditar no que escrevemos ", disse o Actualidad Panamericana em entrevista à revista Semana.

A sátira continua a ser um gênero elitista na América Latina. Para que seja entendida, requer níveis altos de alfabetização midiática, de educação social e política e de consciência dos acontecimentos atuais, todas características não comuns às audiências de massa, disse Alonso. "Quanto mais interessante, sofisticado ou risqué o produto satírico é, mais reduzido é o nicho do seu público. E há sempre o risco de que a sátira seja mal entendida ou percebida literalmente por algumas pessoas", explicou.

Ainda que a maioria dos assuntos seja abordada pelo Actualidad Panamericana, alguns tópicos estão fora dos limites. Isso inclui notícias que re-vitimizem uma pessoa ou um grupo e artigos que poderiam gerar pânico ou desinformação com efeitos negativos concretos.

Não surpreendentemente, a recente eleição presidencial americana deu aos escritores riqueza de material. "Donald Trump vai traduzir para o inglês os nomes das cidades em espanhol" e "'Votei em Trump para que não nos enchêssemos com mais latinos', diz latino que acabou de receber a cidadania", foram manchetes publicadas nos dias de votação, que podem gerar risadas de leitores em ambos os países.

O Actualidad Panamericana não mostra sinais de cansaço, se a presença nas mídias sociais pode ser uma indicação de sucesso. Nos quase três anos desde sua fundação, o site acumulou mais de 120 mil seguidores no Twitter e 280 mil seguidores no Facebook, assim como lançou um livro com seus artigos mais populares, juntamente com histórias inéditas.

 

*Molly Smith é uma estudante de mestrado da Universidade do Texas em Austin, onde ela estuda para completar um título duplo de Jornalismo e Estudos de Política Global. Ela vai se graduar em maio de 2017.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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