*Por Brenda Focás e Marina Moguillansky, publicado originalmente no site da Revista Anfibia
Saturação de notícias. Necessidade de se desconectar. Esses sentimentos não apareceram apenas com a modorra do Ano Novo. A reação apontava uma tendência que se intensificou após a pandemia.
Durante os primeiros meses da pandemia, quase toda a agenda informativa foi dominada pela COVID-19, com índices muito altos de consulta em portais, e aumento da audiência em televisão e rádio. Como consequência do confinamento, do grande grau de desconhecimento sobre a evolução do vírus, e das medidas que o governo ia tomando, a principal atividade social era o consumo de notícias. A mídia se transformou em um longo noticiário, e o cardápio informativo era composto por coletivas de imprensa permanentes e curvas mostrando o crescimento exponencial dos contágios. 2020 foi o ano da sobrecarga de informação e da saturação das audiências.
Nos primeiros momentos da pandemia, passar dia e noite consumindo informações em diferentes meios de comunicação e plataformas tornou-se um hábito. Lucila tem 34 anos, trabalha em uma imobiliária e mora em Palermo, na cidade de Buenos Aires. Ela lembra: “Eu assistia a todos os programas de notícias, lia jornais na internet e nas redes sociais, acompanhava todas as notícias". A esta hiperexposição junta-se o fato de que a agenda midiática estava dominada pelas notícias sobre a pandemia. Como lembra Elsa, de 78 anos, aposentada, “qualquer noticiário que você ligasse falava da Covid. Não tinha outros programas, não tinha outra coisa para assistir”. Segundo dados do Observatório de Meios da Universidade Nacional de Cuyo, em Mendoza, em março de 2020 quase 90% das notícias de meios digitais argentinos se concentravam no coronavírus. Ao excesso de informação e à saturação somava-se um efeito de desinformação, pois as versões encontradas sobre um tema tão delicado quanto a saúde, mesmo de fontes legítimas como a OMS, eram conflitantes.
Uma das questões centrais durante a pandemia foi o consumo de meios de comunicação e a abordagem das notícias durante o confinamento. Vários estudos mostram que durante os primeiros meses da quarentena houve uma grande demanda de informação que levou à saturação. Paradoxalmente, enquanto a Argentina atingia os maiores índices de casos de Covid-19, o interesse midiático caía e dava lugar a outros itens da agenda.
Em uma pesquisa recente realizada pelo Núcleo de Estudos em Comunicação e Cultura (NECyC), da Universidad Nacional de San Martín (Buenos Aires), indagamos sobre a cobertura midiática da pandemia. Dos participantes, 63% discordaram da afirmação “os meios de comunicação transmitiram informações corretas e úteis” e avaliaram negativamente a cobertura. Na mesma linha crítica, 46,9% concordaram com a afirmação de que os meios estão muito politizados. A percepção do público parece indicar que, após alguns meses de consenso e apoio à quarentena, os meios tomaram partido por uma posição – neste caso, a favor ou contra o governo nacional – o que acrescentou um viés à cobertura informativa.
Esse cenário de saturação levou a um novo hábito após a pandemia: grande parte do público parou de consumir notícias. Atualmente, apenas uma em cada quatro pessoas afirma se informar diariamente em portais digitais, enquanto que uma em cada duas pessoas nunca lê jornais nem ouve rádio. Em relação à televisão, a pesquisa levantou que só 22,2% assistiam a programas de notícias todos os dias; 29,2% assistiam às vezes; e 39,4% nunca. Em consonância com outras pesquisas, o cansaço em relação aos meios aparece como uma tendência atual das práticas comunicacionais.
Natália, estudante de Psicologia da Universidade de Buenos Aires (UBA), conta: “Nos primeiros meses de 2020, eu consumia todo tipo de notícias. Depois parei porque isso estava me deixando doente. Havia tanta morte e tanto ódio na televisão que eu pensei: acho melhor eu ler um livro, assistir a uma série.” Assim como ela, muitos pararam de ligar a televisão e de ouvir as notícias para preservar seu estado emocional durante a pandemia.
O que prevalece hoje em dia é o consumo incidental de informação. O hábito já estava instalado como prática (Mitchelstein e Boczkowski, 2018) e se expandiu durante os primeiros meses da COVID-19. As informações cruzam o nosso caminho, vêm ao nosso encontro. Notícias de portais, partes de programas de televisão e de rádio aparecem nas nossas redes sociais.
Juan tem 18 anos e mora com os pais em Palermo, na cidade de Buenos Aires. Ele conta que na pandemia "[eu] não fazia o esforço consciente de dizer: vou ler o jornal. Mas acabava me informando porque alguém colocava alguma coisa no Twitter, que é a única maneira de se informar agora”. Embora essa prática predomine entre os mais jovens, ela também se tornou mais frequente em outras faixas etárias. Na referida pesquisa, uma em cada duas pessoas disse que se informava por meio das redes sociais.
A porcentagem de pessoas que evitam as notícias tem aumentado em todos os países. Isso também ficou confirmado no último relatório global da Reuters. Esse tipo de evasão seletiva dobrou no Brasil (54%) e no Reino Unido (46%) nos últimos cinco anos, e muitas pessoas relatam que as notícias têm um efeito negativo em seu estado de ânimo.
Claudia tem 47 anos, é separada e mora com os dois filhos na cidade de La Plata, Argentina. Ela tem uma loja de alimentos naturais, por isso estava autorizada a trabalhar durante a pandemia. “No começo a gente assistia a muitos programas de notícias, o tempo todo. Até que um dia, alternando entre os canais TN, C5N e América, eu disse: 'Isso é um circo'. Senti que tinha que me afastar de tudo aquilo. Então eu e os meus filhos resolvemos não assistir mais nada."
Uma coisa parecida aconteceu com Helena, 42 anos, que trabalha com marketing e comunicação, é mãe de três filhos e mora com eles em Almagro, na cidade de Buenos Aires. “No começo eu estava sempre atualizada com as notícias da pandemia. Mas depois eu parei porque estava começando a ficar cansada e anestesiada com o assunto. Comecei a assistir menos programas de notícias, assistia só de vez em quando.”
Uma porcentagem significativa de pessoas jovens e com um nível de instrução baixo diz que evita as notícias porque elas podem ser difíceis de acompanhar ou entender. Isso sugere que os meios poderiam fazer muito mais para simplificar a linguagem e explicar ou contextualizar melhor as informações complexas. O desengajamento também é um sinal da dificuldade para atrair determinados públicos no ambiente digital.
Ao mesmo tempo, descobrimos que a porcentagem de pessoas que dizem estar muito interessadas em notícias diminuiu ao longo do tempo em todos os mercados: essa é uma tendência que se acelerou apesar da pandemia. Em 2022, o interesse por notícias foi menor na maioria dos países. Em alguns, como Argentina, Brasil, Espanha e Reino Unido, esse declínio vem crescendo já faz tempo.
Acreditamos nas notícias? Ou desconfiamos das informações veiculadas pelos meios de comunicação? É diferente no caso das redes sociais? Em nossa pesquisa observamos que 52,3% dos participantes responderam que se informam pelas redes sociais. É interessante notar que, no conjunto das redes, 37,5% dos participantes da pesquisa afirmaram que procuram informação diretamente de contas ou páginas de políticos, jornalistas e instituições; 37,4%, disseram que recebem notícias de portais digitais que outros usuários postam; 25,1% mencionaram conteúdos que chegam pelo WhatsApp ou outros aplicativos de mensagens. Esses dados mostram o papel destas redes e das fontes diretas na divulgação de conteúdos informativos.
Na Argentina, a questão da confiança e da credibilidade das fontes tornou-se central em um cenário de polarização política e fragmentação da agenda informativa. Na pesquisa, perguntamos quais fontes de informação eram mais confiáveis na pandemia: 38% apontaram os meios nacionais; 24%, os meios internacionais; 15%, os cientistas; 13%, o governo; e 10%, as redes sociais. A relação de confiança é mediada pela identidade política da pessoa que responde. Assim, as pessoas que votam no governo dizem confiar na opinião dos cientistas (mencionam os infectologistas ou os médicos em geral que costumam aparecer nos meios de comunicação) e também em algumas personalidades do governo. Os que votam na oposição costumam mencionar um determinado canal ou jornalista em que confiam. A pesquisa também mostra contrastes no nível de confiança dependendo da posição política.
Para você, qual dos atores a seguir foi uma fonte de informação confiável na pandemia?
Para os apoiadores do governo, a fonte mais escolhida foram os meios nacionais, depois o governo, os cientistas, os meios internacionais e as redes sociais, nessa ordem. Para os opositores, a fonte mais confiável foram os meios internacionais, depois os nacionais, os cientistas, as redes sociais e, finalmente, o governo. O maior contraste entre opositores e governistas observa-se na confiança ou desconfiança nos meios internacionais como fonte: eles foram escolhidos por 41,69% dos opositores, contra 10,41% dos governistas. Esse contraste também se reflete no nível de confiança no governo como fonte: ele foi escolhido por 22,2% dos governistas, contra 1,4% dos opositores. Esses dados reforçam o panorama de antagonismo na mídia e a polarização no consumo de informações durante a pandemia.
Clara tem 72 anos e antes de se aposentar trabalhava como analista de sistemas. Ela vota em Juntos por el Cambio [aliança política liderada pelo ex-presidente argentino Mauricio Macri]. "Se eu procuro informação, infelizmente tem que ser na mídia estrangeira, de correspondentes que estão no exterior, porque eu não confio na mídia daqui. Estou bastante atenta às fake news, uso muito o Twitter, mas se o meu bom senso me diz que algo não dá para ser como estão contando, eu vou no Google e tento encontrar uma fonte confiável”.
Eva tem 36 anos, três filhos, é professora de tango e vota na Frente de Todos [coalizão liderada pelo presidente argentino Alberto Fernández]. Durante a pandemia, ela ficou sem renda porque as milongas e as aulas de dança foram suspensas. Mas diz: “Eu tenho muita confiança no Ministério da Saúde e no governo nacional. Agradeço muito porque se isso tivesse acontecido com o governo anterior teria sido terrível. Ouço muito rádio e leio os jornais digitais, os relatórios diários, os anúncios presidenciais”.
Raúl, 66 anos, empresário do setor de gastronomia, diz não tolerar o discurso politizado dos meios. Não se identifica com o kirchnerismo [governo] nem com o macrismo [oposição], mas no segundo turno de 2019 votou em Macri, a contragosto. “Não tem nenhum veículo que seja apolítico. Eu não consigo assistir ao canal C5N e não consigo assistir ao canal 13 porque são duas faces da mesma moeda. Às vezes eu tento, faço um esforço, mas não consigo”. Três formas diferentes de pensar o mundo.
Este panorama mostra a evolução dinâmica dos vínculos com a informação durante e depois da pandemia na Argentina. A busca inicial por notícias, a superexposição e a agenda dominada pela COVID-19 como único assunto acarretaram saturação, desconexão e desconfiança. A avaliação das fontes de informação, em um cenário de crescente polarização, aparece intimamente ligada à posição política dos sujeitos, fragmentando o cenário. A pesquisa e as entrevistas confirmam o consumo incidental de notícias e a necessidade de se desconectar como práticas cada vez mais frequentes do público. Esses fenômenos ocorrem em conjunto com o declínio da confiança nas informações veiculadas pelos meios, com a diminuição do interesse por notícias e com o aumento do número daqueles que as evitam de propósito.
Imagem em destaque: Jael Díaz Vila/Revista Anfibia