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Novo mapa põe em evidência leis contra a desinformação na América Latina e além

Um dos temas centrais do debate político contemporâneo, a desinformação motiva respostas políticas e legislativas de governos ao redor do mundo. Sob o argumento de manter uma esfera pública sadia, parlamentos em várias regiões globais, incluindo a América Latina, apresentam propostas de leis para regulamentar temas como notícias falsas, discursos de ódio, campanhas difamatórias e disseminação de propaganda estrangeira. 

O estado atual destas leis acaba de ser mapeado e disponibilizado para acesso de qualquer pessoa com o lançamento no dia 6 de novembro do LupaMundi, uma iniciativa da agência de checagem de fatos brasileira Lupa. Disponível em português e inglês, o mapa reúne informações sobre leis e projetos de lei ligados a desinformação de 188 países entre os 195 reconhecidos pela Organização das Nações Unidas (os sete excluídos, sob a alegação de falta de fontes disponíveis, são Antígua e Barbuda, Dominica, Islândia, Micronésia, Niger, Palau e Suriname).

“Muitos países estão se esforçando para responder à desinformação e aos seus impactos através de seus sistemas legais, mas, até agora, não era possível enxergar isso dentro de uma fotografia maior, que permitisse comparações e análises a partir de um único lugar. É isso que o LupaMundi permite, e é por isso que ele é tão relevante”, afirmou a diretora-executiva da Lupa, Natália Leal, à LatAm Journalism Review (LJR). “É um trabalho que reflete as discussões mais recentes sobre desinformação, na medida que reúne referências que têm sido buscadas por diferentes grupos de pesquisadores e profissionais”.

A cartografia permite um olhar comparativo e abrangente sobre como cada país está lidando com a desinformação. Segundo seus idealizadores, o mapeamento em âmbito global é inédito e tem por objetivo “fomentar a pesquisa e a produção de conteúdo em torno do tema, levando à qualificação do debate público sobre o combate à desinformação”. Seu público-alvo são jornalistas, pesquisadores e acadêmicos da desinformação mundo afora.

Entre os países democráticos da América Latina e no Caribe, ainda não há leis específicas aprovadas contra a desinformação, mas há iniciativas, como a atualmente em discussão no Brasil, que tentam alterar a situação. A ausência de legislações específicas para o combate à desinformação por vezes leva a distorções, como o uso de outras leis, criadas com propósitos bem diferentes – como, por exemplo o combate ao terrorismo –, com este fim. 

A iniciativa – que, segundo Leal, deve ser atualizada regularmente, mas sem frequência definida – incentiva discussões sobre o que é desinformação, qual é a sua atual situação na América Latina e quais são os desafios e a pertinência ao enfrentá-la. 

Projetos contra a desinformação também podem ter efeitos negativos sobre a democracia e a liberdade de expressão, incluindo a atividade jornalística independente. Leis em países como Nicarágua e Venezuela demonstram como legislar sobre o que é ou não um discurso falso pode servir como ferramenta de censura.

"Em termos de advocacy, o conceito de desinformação é útil, interessante e descreve uma situação que é antiga, mas adquire novas características com a chegada da internet. No entanto, no âmbito jurídico, a desinformação se apresenta como um termo ambíguo que abrange uma ampla gama de comportamentos, desde fraudes até calúnias e até mesmo mentiras intencionais. Alguns são lícitos e outrao não", afirmou à LJR Agustina Del Campo, diretora do Centro de Estudos em Liberdade de Expressão e Acesso à Informação (CELE, na sigla em espanhol), em Buenos Aires, que mantém o seu próprio Observatório Legislativo sobre nove países latino-americanos.  

"Dado que a definição de desinformação é ambígua, essas leis permitem interpretações amplas que podem ser utilizadas para restringir a liberdade de expressão e o conteúdo além do que originalmente se pretendia", acrescentou.

Inovação brasileira

O LupaMundi aponta quais países têm legislações específicas sobre a disseminação de informações falsas, e também países em que, embora, não haja leis específicas, outras legislações – como, por exemplo, o Código Penal – versam sobre o tema. O mapa também inclui 14 projetos de lei que a equipe da Lupa considerou mais relevantes globalmente neste momento. 

O levantamento mostra que somente 35 países têm leis específicas aprovadas sobre desinformação, sendo que 28 deles estão na Europa. Esta concentração se deve ao Digital Services Act (DSA), uma regulação das plataformas digitais aprovada pela União Europeia (UE) que entrou em vigor em novembro do ano passado. A lei exige das plataformas digitais a adoção de posturas ativas e observância a procedimentos definidos em lei para moderação de conteúdo ilegal online.

Na América Latina, a iniciativa semelhante mais perto de ser aprovada é o Projeto de Lei n° 2630, de 2020, do Brasil, conhecido como PL das Fake News. Após mais de três anos de discussão e alterações, houve grande especulação de que o projeto pudesse ser votado e aprovado no Congresso entre abril e agosto deste ano, mas isso não chegou a acontecer. A expectativa agora é de que sua votação aconteça no mínimo em 2024.

Segundo o seu relator, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), o projeto preserva três pilares importantes: a liberdade de expressão, mecanismos para transparência dos serviços de plataformas digitais e a alteração do regime de responsabilidade das plataformas. A falta de consenso, no entanto, sobre qual órgão ficaria responsável por monitorar e acompanhar a aplicação das medidas previstas na lei impediu sua aprovação.

Brazilian congressman Orlando Silva addressing the Lower Chamber during the debate on the 'Fake News Bill' in Brasília on April 25th, surrounded by fellow lawmakers

O deputado Orlando Silva, relator do PL das Fake News, numa sessão da Câmara no dia 25 de abril: desde então, avanço do projeto perdeu fôlego (Foto: Lula Marques/ Agência Brasil)

Especialista em liberdade de expressão na internet, o professor de Direito no Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), em São Paulo, Ivar Alberto Hartmann vê aspectos positivos e negativos nas versões mais recentes do projeto.

“A legislação brasileira para combater a desinformação é praticamente inexistente. Houve alterações pontuais na legislação eleitoral, mas são restritas, e foram feitas sem uma boa compreensão de como funciona a comunicação online”, afirmou Hartmann à LJR.

Entre os pontos positivos da lei proposta, segundo o pesquisador, está a instituição de obrigações de transparência por parte das plataformas sociais, que precisarão explicar quais critérios usam em suas decisões de conteúdo. Além disso, a lei também oferece mais garantias processuais aos usuários, que poderão apelar caso tenham seus conteúdos removidos.

Entre os pontos negativos, para Hartmann, está justamente a indefinição sobre qual seria o órgão encarregado de fazer a supervisão da aplicação da lei.

“Seria uma catástrofe se o órgão encarregado de fazer supervisão de redes sociais fosse um órgão político, de livre nomeação pelo presidente. Isso significaria que esse órgão teria controle sobre a liberdade de expressão. Precisa ser um órgão totalmente autônomo, onde a pessoa nomeada não possa ser demitida”, disse Hartmann. “Mas é totalmente viável fazer isso. Essa foi a opção adotada na UE”.

Fragilidades latino-americanas

O temor de que legislações para inibir a desinformação na verdade sejam usadas para restringir a liberdade de expressão é o principal motivo para a reticência de especialistas com esse tipo de lei. 

Segundo Adriana Amado Suárez, jornalista argentina e professora na Universidade Camilo José Cela, em Madri, certas condições comuns na região facilitam a instrumentalização política do tema, como a falta de transparência dos dados públicos, baixos níveis de confiança e consumo de notícias e informação pública desvalorizada por excesso de propaganda.

A pesquisadora observa que isto com frequência limita o trabalho do jornalismo:

“Muitos jornalistas, ante à possibilidade de ter algum problema a respeito, preferem abandonar certos temas para investigar. Preferem ficar em silêncio sobre opiniões políticas ou partidárias”, afirmou  Amado Suárez à LJR.

A este respeito, os casos dos regimes autoritários Nicarágua e Cuba  emitem alertas sobre riscos, afirmou o cientista política Andrés Cañizález, diretor da organização Medianálisis e professor da Universidade Andrés Bello, em Caracas. 

Embora não tenham leis específicas sobre desinformação, ambos contam com artigos em outros códigos que limitam a liberdade de expressão sob a alegação de inibir a propagação de informações supostamente falsas.

“Nesses países, a desinformação é vista a partir de um poder repressivo que se utiliza da categoria para poder sancionar ou punir quem se opõe a ela ou quem divulga informações numa lógica de confronto político”, afirmou Cañizález à LJR.

Receios com esse tipo de restrição com frequência impedem o avanço de legislações sobre o tema em diversos países. Por exemplo, no México, em 2021, o senador Ricardo Monreal propôs alterar alguns artigos da Lei Federal de Telecomunicações para regular as redes sociais. Uma forte reação negativa fez com  que o projeto não fosse adiante.

“Muitas organizações da sociedade civil e plataformas de redes sociais se opuseram a este projeto porque parecia mais uma medida punitiva contra os usuários e as plataformas. Esta complexidade surge, especialmente em nosso contexto nacional atual, onde o poder político parece influenciar todas as esferas do governo. O objetivo parece ser o controle em vez de desencorajar a desinformação”, afirmou à LJR Carolina Palfar, advogada da Suprema Corte de Justiça do México.

Uma regulamentação possível?

A pergunta que resta, neste contexto, é se é possível haver legislações sobre a desinformação que não venham a ser instrumentalizadas e inibir a liberdade de expressão.

A professora Amado Suárez entende que, no contexto de democracias imperfeitas como as latino-americanas, o risco não vale a pena.

“A democracia não exige leis de verdade, mas sim leis que garantam o acesso à informação. Precisamos de facilitar a verificação cruzada não só por parte das agências de verificação de fatos, mas também por parte dos cidadãos e das instituições. As universidades também devem desempenhar um papel na supervisão da informação fornecida pelo governo sobre questões como as alterações climáticas e as vacinas”, afirmou. 

Já a pesquisadora Del Campo, do CELE em Buenos Aires, entende que é necessário separar o tema da desinformação em seus diversos elementos – como, por exemplo, calúnia –  para avaliar quais são as deficiências dos marcos jurídicos.

“Onde realmente enfrentamos desafios como sociedade é em relação a expressões que, mesmo não sendo ilegais nem estando sujeitas a nenhum outro conceito de ilegalidade,  percebemos como prejudiciais e acreditamos que deveriam estar sujeitas à regulamentação legal. Aqui surgem problemas, especialmente se queremos estabelecer novas restrições”, disse Del Campo.

“A este respeito, enfrentamos não só um problema de definição, mas também um problema de necessidade democrática. Como justificamos a restrição ao debate público sobre questões de interesse público? Como garantimos que essa restrição seja legalmente viável sem prejudicar o debate público aberto necessário para a democracia? Acredito que esse equilíbrio não está sendo alcançado. Mas, apesar de ser juridicamente complicado, acredito que é possível”, afirmou.

Cañizález, do Medianálisis, por sua vez, entende que depende da lógica e da situação na qual cada legislação for feita.

“Tudo depende do contexto em que essas leis são promulgadas. Por exemplo, se estivessem em um contexto onde existem amplas liberdades e essas leis surgissem após um debate inclusivo envolvendo os sindicatos de jornalistas e as universidades, poderm ser algo interessante. Estas leis só fazem sentido se forem abordadas com os princípios democráticos em mente", disse Cañizález.

Regras para republicação

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