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O que pensam os argentinos sobre o uso da IA generativa no jornalismo?

Um estudo sobre as percepções das pessoas quanto ao uso de inteligência artificial (IA) generativa em notícias mostrou que a plataforma mais popular na Argentina é, de longe, o ChatGPT, embora muito poucos o utilizem para obter notícias. O estudo também revelou que mais argentinos confiam nos meios de notícias para fazer uso responsável da tecnologia do que pessoas de outros países.

O estudo “What Does the Public in Six Countries Think of Generative AI in News?” (O que o público de seis países pensa da IA generativa nas notícias?), conduzido pelo Reuters Institute for the Study of Journalism da Universidade de Oxford, Reino Unido, e publicado em 28 de maio, buscou analisar e documentar as atitudes do público em relação à IA generativa, sua aplicação em vários setores da sociedade e, mais detalhadamente, no jornalismo e na mídia.

A Argentina foi o único país latino-americano e de língua espanhola considerado na pesquisa, que também incluiu a Dinamarca, a França, o Japão, o Reino Unido e os Estados Unidos. O estudo foi realizado por meio de uma pesquisa online com cerca de duas mil pessoas em cada um desses países.

Cover of the Reuters Institute report "What does the public in six countries think of generative AI in news?"

Relatório traz os resultados de uma pesquisa realizada com pessoas de Argentina, Dinamarca, França, Japão, Reino Unido e Estados Unidos. (Captura de tela do site do Instituto Reuters)

Embora a pesquisa tenha apresentado resultados semelhantes para cada país na maioria das perguntas, algumas descobertas sobre a Argentina diferem um pouco das demais, principalmente quando se trata do nível de confiança das pessoas no uso de IA por meios de notícias.

"Embora alguns padrões sejam consistentes nos seis países pesquisados, nossos dados sugerem que as pessoas na Argentina são um pouco mais otimistas do que as de outras partes do mundo sobre o impacto que a IA generativa terá na sociedade e em suas próprias vidas", disse Richard Fletcher, diretor de pesquisa do Reuters Institute e um dos autores do estudo, à LatAm Journalism Review (LJR). "Por exemplo, 44% dos entrevistados na Argentina acham que a IA generativa tornará a sociedade melhor, em comparação com 30% da média dos seis países. O mesmo se aplica à IA generativa nas notícias."

Trinta por cento dos argentinos entrevistados disseram estar moderada ou fortemente confiantes de que o setor de notícias faz uso responsável da IA generativa, enquanto as porcentagens nos outros países variaram de 12 a 23%, com exceção dos Estados Unidos, que também foi de 30%.

Os resultados são semelhantes para as redes sociais: 30% dos argentinos disseram confiar que as empresas de redes sociais fazem uso responsável da IA generativa, enquanto as porcentagens dos outros países variaram de 9% a 27%.

Da mesma forma, 40% dos argentinos disseram que confiam nos editores humanos dos meios de notícias para monitorar sempre ou frequentemente os resultados da IA generativa. Esse número também é o mais alto entre os seis países e superior à média de 32%.

O relatório indica que a variação entre os países sobre essa questão pode estar relacionada a diferenças nos níveis de confiança nas instituições de cada país. No entanto, embora os números da Argentina sejam um pouco mais altos do que os de outros países, ainda são porcentagens baixas, de modo que os autores não se apressaram em tirar conclusões definitivas.

"Uma parte significativa do público não tem uma opinião forte sobre se confia ou desconfia do uso responsável da IA generativa por diferentes instituições. Dependendo do setor e do país, entre um quarto e metade dos entrevistados respondem 'nem confiam nem desconfiam' ou 'não sabem'", diz o relatório. "Há muita incerteza e, muitas vezes, uma experiência pessoal limitada [dos entrevistados].”

Entretanto, jornalistas argentinos consultados pela LJR acreditam que os números da pesquisa não refletem necessariamente um alto nível de confiança do público na mídia argentina.

Adrián Pino, jornalista de dados argentino e diretor executivo da organização antidesinformação Proyecto Desconfío, disse que os dados do estudo podem se dever mais ao baixo nível de conhecimento que ainda existe sobre o assunto no país e à baixa penetração dessa tecnologia no ecossistema de mídia da Argentina.

"A Argentina sofreu um grande declínio na confiança na mídia nos últimos anos. Embora isso tenha várias causas, o fato de que 3 em cada 10 usuários consideram que a mídia usa a IA de forma responsável na Argentina pode ter a ver com a baixa conscientização sobre essas questões entre os usuários de notícias", disse Pino à LJR.

 

O jornalista, cuja organização trabalha com pequenos meios de comunicação na América Latina para treinar seus jornalistas no uso de ferramentas de IA para o trabalho jornalístico, acredita que os resultados do estudo podem ter mais a ver com o fato de que a presença da IA generativa ainda não é muito difundida nos meios argentinos e as pessoas têm poucas referências sobre seu uso no jornalismo.

"A Argentina está apenas começando a dar alguns passos interessantes no uso da IA no jornalismo. Essas inovações não são generalizadas e ainda mostram um baixo grau de aplicação nas rotinas diárias", disse ele.

ChatGPT, o mais popular

O ChatGPT da OpenAI é a plataforma de IA generativa mais conhecida na Argentina, com 41%, seguido pelo My AI do Snapchat (17%), Gemini do Google (15%) e Copilot da Microsoft (15%), de acordo com o estudo, que mostrou números semelhantes para o resto dos países.

Em média, 24% dos entrevistados nos seis países disseram ter usado a IA generativa para coletar informações, enquanto 28% disseram tê-la usado para gerar algum tipo de conteúdo, seja texto, imagens, vídeo ou som.

Entre os entrevistados que disseram ter usado a IA generativa para obter informações, apenas 5%, em média, disseram que o fizeram para obter notícias. A porcentagem da Argentina nessa categoria é um pouco maior do que a média, com 6%, atrás apenas dos Estados Unidos, que obteve 10%.

O relatório indica que um possível motivo para o baixo uso dessa tecnologia na coleta de notícias é que as versões gratuitas das plataformas de IA generativas foram treinadas com dados para datas específicas. A versão 3.5 do ChatGPT, por exemplo, usa dados até setembro de 2021. Outra possível razão, de acordo com o relatório, é que cada vez mais veículos de notícias estão bloqueando o acesso dessas plataformas ao seu conteúdo.

O documento indicou que o número de 10% de pessoas que usam IA generativa para obter notícias nos EUA pode ser devido ao fato de as Experiências de Pesquisa Generativa (GSE) do Google estarem em fase de testes nos EUA há cerca de um ano. A SGE é a aplicação da IA generativa no mecanismo de busca da empresa.

 

"As pessoas que usam o Google para pesquisar um tema relacionado a notícias – algo que 23% dos americanos fazem toda semana – podem ver algum texto de IA generativa que tenta fornecer uma resposta", diz o relatório. "No entanto, [...] o número mais alto nos EUA também pode ser simplesmente porque a IA generativa é mais usada lá em geral."

As funções de SGE estão disponíveis em alguns países da América Latina desde este ano, embora em menor escala do que nos EUA. O que existe em alguns países latino-americanos são aplicativos desenvolvidos por veículos de notícias que usam IA para proporcionar melhor navegação do conteúdo jornalístico, de acordo com Carlos Jornet, presidente do Comitê de Liberdade de Imprensa da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e diretor do La Voz del Interior, em Córdoba, Argentina.

"O Clarín tem um aplicativo de inteligência artificial que resume os pontos principais de cada notícia e também destaca números e frases. É uma espécie de copiloto para ler notícias", disse Jornet à LJR. "Talvez seja isso que tenha aumentado a porcentagem de alguns dos entrevistados [que disseram usar IA generativa para obter notícias na Argentina]."

Para que os jornalistas estão usando a IA generativa?

Uma parte significativa dos entrevistados em todos os seis países acredita que a IA generativa terá um impacto nas comunicações. Setenta e dois por cento acreditam que a tecnologia afetará as plataformas de redes sociais, o setor com a maior porcentagem nessa pergunta. Em seguida, vêm os mecanismos de pesquisa, com 71%, e os meios de notícias, com 66%.

A pesquisa também perguntou se o impacto da IA generativa em cada setor seria positivo ou negativo. Em todos os seis países, o setor de notícias e jornalismo ficou no lado pessimista, atrás apenas da segurança no emprego. A esse respeito, Jornet acredita que, embora a IA tenha o potencial de impactar positivamente o jornalismo na Argentina, ele também vê grandes riscos em seu uso.

"Acredito que a IA, quando aplicada adequadamente ao jornalismo, pode ser uma grande ajuda, mas também vejo grandes riscos de gerar notícias falsas, de usá-la para estigmatizar, assediar e realizar espionagem cibernética, inclusive por meio de informações falsas que estão sendo viralizadas por robôs de IA", disse o jornalista. "Isso em alguns países está começando a ser uma preocupação séria, portanto, o papel do jornalismo sério e responsável com marcas tradicionais por trás é fundamental para que as pessoas confiem nele ou não."

Mais de 40% dos entrevistados em todos os países acreditam que os jornalistas usam IA generativa com frequência ou sempre para tradução (43%), verificação ortográfica e gramatical (43) e análise de dados (40). Em contraste, as tarefas de geração de conteúdo – geração de manchetes (29%), geração de imagens (28%) e geração de artigos completos (27%) – tiveram a classificação mais baixa.

Embora os resultados estejam, em sua maioria, alinhados com o uso atual de IA generativa por jornalistas argentinos, Pino acredita que a tecnologia ainda está em fase experimental no jornalismo de seu país e que levará mais tempo até que seu uso seja consolidado nas redações.

"A maior parte dos casos na Argentina se dá pelo uso de IA para substituir tarefas mecânicas, como a gravação de entrevistas, ou o uso de ferramentas para identificar nomes ou empresas em grandes volumes de documentos", disse o jornalista. "Outro uso frequente que vemos em várias soluções de IA é melhorar o posicionamento SEO de títulos de notícias".

 

Jornet concorda que o uso de IA generativa na mídia argentina ainda não é sistemático, mas experimental. Além disso, ele disse que há uma notória disparidade no nível de adoção dessa tecnologia entre meios grandes e pequenos.

"Talvez a crise econômica na Argentina, e na mídia em particular, também esteja impedindo ou atrasando essa adoção", disse Jornet. "Os grandes meios de comunicação seguiram o caminho dos meios de comunicação estrangeiros, que não estão apenas fazendo laboratórios, mas já estão realizando aplicações concretas".

O jornalista disse que na mídia argentina há mais casos notáveis de uso de modelos de Processamento de Linguagem Natural (PLN) para a análise de grandes volumes de dados do que para tarefas generativas.

Esse é o caso do "Genie", a ferramenta desenvolvida pelo jornal La Nación, que mede o nível de representação de gênero no conteúdo do meio detectando o gênero das pessoas mencionadas ou citadas no conteúdo. A ferramenta, que tem sido usada internamente pela redação do La Nación desde 2023, ganhou o prêmio WAN-IFRA Digital Media Americas de Melhor Uso de Inteligência Artificial em uma Redação.

Jornet também mencionou um caso do jornal que dirige, La Voz del Interior. O jornal analisou um projeto de lei de mais de 600 artigos apresentado pelo governo do presidente Javier Milei em janeiro deste ano. Com o apoio de uma consultoria de comunicação, a equipe do La Voz del Interior aplicou ferramentas de IA para analisar o significado e as possíveis consequências de cada artigo da lei proposta.

"Em um tempo muito curto, conseguimos fazer uma análise ponto a ponto dessa lei e de um decreto de necessidade e urgência que também havia sido aprovado naqueles dias", disse Jornet.

A IA ajudará a sustentabilidade da mídia?

O estudo perguntou às pessoas como elas acham que serão as notícias produzidas principalmente por IA com alguma supervisão humana, em comparação com as notícias produzidas inteiramente por humanos, analisando uma lista de qualidades e atributos. Em média, os entrevistados em todos os seis países esperam que as notícias produzidas em grande parte por IA sejam menos confiáveis e menos transparentes, mas mais atualizadas e – por uma ampla margem – mais baratas de produzir.

"No momento, o público pode ver como a IA generativa beneficia os meios de notícias, mas é mais difícil para eles verem como isso poderia beneficiá-los. É por isso que é importante que os veículos de notícias comuniquem como o uso da IA generativa aprimora e agrega valor à sua cobertura", disse Fletcher.

A pesquisa perguntou se vale mais ou menos a pena pagar por notícias que são em grande parte produzidas por IA. Quarenta e um por cento dos entrevistados nos seis países disseram que vale menos a pena pagar pelo conteúdo de notícias geradas por IA, enquanto apenas 8% disseram que as notícias geradas por IA serão mais valiosas.

No entanto, a Argentina teve a maior porcentagem de pessoas que acreditam que vale mais a pena pagar por notícias geradas por IA, com 15%. Trinta e sete por cento dos argentinos acreditam que vale a pena pagar por notícias geradas por IA tanto quanto por notícias geradas por humanos, enquanto 31% acreditam que vale menos a pena pagar por notícias geradas por IA.

 

Na opinião de Jornet, esses números não indicam necessariamente que mais pessoas na Argentina estão dispostas a pagar por notícias geradas por IA do que em outros países.

"As notícias enriquecidas com IA podem certamente ser muito mais valiosas, mas também acredito, e a experiência nos diz, que as notícias que as pessoas mais valorizam são aquelas que têm algum desenvolvimento criativo interessante, uma assinatura de autor", disse ele. "Há novos desenvolvimentos de IA que são realmente impactantes, mas ainda acredito que, no trabalho de criação jornalística e artística, ainda há uma lacuna em favor do olhar humano."

Por sua vez, Pino acredita que há outros usos da IA que poderiam ter um impacto positivo nos modelos de negócios da mídia, como a personalização do conteúdo ajustado aos interesses de cada usuário ou a automação de tarefas. No entanto, ele disse que, até hoje, o principal valor do jornalismo ainda é o valor agregado pelos jornalistas de carne e osso.

"Diante do avanço da IA generativa, o jornalismo deve se refugiar em seus princípios mais básicos, aqueles capazes de mover e mobilizar a consciência dos cidadãos, apostando no jornalismo investigativo e enfrentando os poderes do dia para expor casos de corrupção ou desvio de verbas", disse Pino. "A IA, nesse aspecto, nada mais é do que uma ferramenta que deve facilitar a tarefa do jornalismo comprometido".

Traduzido por Carolina de Assis
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