Impulsionada por investimentos totais de € 700 mil (BRL 4,1 milhões), a newstech franco-brasileira Headline entra no ar este ano com a pretensão de servir de plataforma de conteúdos para jornalistas e organizações independentes. Conta a seu favor com dois trunfos que nem Google, nem Facebook, nem nenhuma outra Big Tech, ou veículo tradicional, conseguiu reunir ainda: a combinação de monetização e curadoria de conteúdos jornalísticos.
“Você tem aí as redações diminuindo de tamanho e botando 50, 60 pessoas para fora, passaralho à vontade. E botando a galera boa para fora porque o modelo de negócio baseado na publicidade já não existe mais. (...) O resultado é que tem uma galera muito boa aí fora se organizando ou fazendo sozinha. Jornalismo de muito boa qualidade, mas não tem vitrine, não tem escala, não tem dinheiro, não tem marketing. Não tem nada para colocar isso lá para frente e atingir o público,” disse um dos fundadores da Headline, Danilo Rocha Lima, à LatAm Journalism Review (LJR).
Rocha Lima se refere às transformações que a internet impôs a jornalistas e organizações de notícias nos últimos 30 anos. Se por um lado a internet permitiu o surgimento de um ambiente diverso de novas organizações nascidas no meio digital, essas organizações são pequenas, pulverizadas, e não detêm o mesmo poder de fogo que as empresas tradicionais de jornalismo detiveram no passado. O resultado é jornalismo de qualidade com menos visibilidade e impacto, além de uma luta contínua pela sobrevivência financeira.
O diretório de meios do Sembramedia lista 1.033 empreendimentos jornalísticos nativos digitais em língua espanhola nas Américas e na Espanha. Cerca de 45% (469 veículos) têm equipes de até seis pessoas em tempo integral; outros 15% (159 organizações) somam mais de seis colaboradores com dedicação exclusiva. E os demais 40% (405 empreendimentos) não podem arcar nem menos com uma pessoa em tempo integral. O Sembramedia não tem dados sobre o Brasil, mas nada leva a crer que as organizações nativas digitais brasileiras enfrentem uma realidade diferente.
“A ideia da Headline é prover o jornalismo independente daquelas coisas que mais faltam ao jornalismo independente: escala de produção de conteúdo; acesso a tecnologia de qualidade, digna das grandes plataformas da internet de hoje; acesso a ferramentas data driven, paywall inteligente, machine learning, customização, recomendação, geolocalização e tudo que vem por trás disso tudo; e, quarto elemento, um plano de negócios coerente que potencialize tudo isso,” disse à LJR outro fundador da Headline, Andrei Netto.
A Headline nasceu na França, onde viviam os cinco fundadores. Eles se conheceram enquanto trabalhavam como correspondentes de veículos brasileiros em Paris. A centralidade das redes sociais e de jornalistas independentes locais na cobertura dos eventos da Primavera Árabe no Oriente Médio, em 2011, serviu de inspiração. Por que em plena revolução digital jornalistas profissionais não conseguem ser propriamente remunerados quando atuam de forma independente, ou seja, sem ligação com grandes grupos de mídia?
“A gente descobriu, conversando com os fundadores de veículos independentes, que as barreiras que eles enfrentavam, as dores, eram as mesmas. Então, a gente decidiu que não podia simplesmente repetir a experiência e enfrentar as mesmas dores. Vamos tentar propor algo que solucione as dores deles,” disse Netto.
O professor e pesquisador Samuel Lima, do programa de pós-graduação em jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), acredita que a Headline enfrenta dois desafios principais para decolar. O primeiro é conseguir dar suporte necessário para que as organizações parceiras ou jornalistas independentes ganhem em escala. E o segundo é negociar um retorno sobre investimento factível. “A forma como cada parceiro vai ser remunerado vai indicar o que o parceiro vai produzir ou não,” disse Samuel Lima à LJR.
“[O jornalismo independente] tem um problema de escala. Por exemplo, em Joinvile [cidade de 597 mil habitantes no sul do Brasil], 15 a 20 mil pessoas se disseram dispostas a colocar a mão no bolso para financiar o jornalismo local. Mas como se organiza isso? Outro exemplo, uma pequena organização de jornalismo independente no interior do Piauí [estado da Região Nordeste]. Como eles [Headline] podem dar suporte para que eles ganhem visibilidade na região para um público de, digamos, 100 mil pessoas? A questão da escala é crucial,” continuou Samuel Lima, que coordena a pesquisa anual Perfil do Jornalismo Brasileiro e é um dos organizadores do livro Jornalismo Local a Serviço dos Públicos.
Remuneração para jornalistas
O jornalismo digital independente conta amplamente com as redes sociais como ferramenta de divulgação: Facebook, Twitter, Instagram, Whatsapp e outras são plataformas essenciais para transmitir os conteúdos jornalísticos. As plataformas, apesar de estarem entre as empresas mais bem sucedidas do mundo, pouco ou nada repassam aos produtores do que arrecadam em publicidade. Já o Google, através do Google AdSense e do YouTube, remunera com base em visualizações, mas faz o conteúdo jornalístico competir com demais conteúdos, como memes virais, entretenimento, culinária e até mesmo fake news.
“Se você compara com as grandes plataformas, a cultura do Vale do Silício é: ‘eu criei a plataforma. O conteúdo são vocês. Eu ponho um algoritmo aqui que regula, entrega, etc, mas o conteúdo são vocês’. E, na verdade, no jornalismo isso não pode funcionar, porque é a porta aberta a todo tipo de fraude jornalística. Então, no jornalismo, precisa ter curadoria de qualidade. Precisa ter edição de qualidade. Curadoria significa edição,” disse Netto.
Para a estreia, prevista para o primeiro semestre de 2022, a plataforma negocia com dez organizações digitais nativas do Brasil. Futuramente, a Headline aceitará inscrições de outros veículos e também de jornalistas independentes.
“Eles vão passar, a priori, pela seleção do nosso comitê editorial. [Os jornalistas] se inscrevem na plataforma, fazem um pedido de adesão dentro da plataforma, submetem o conteúdo. E aí tem uma avaliação com o comitê editorial”, explicou Rocha Lima.
A Headline pretende repassar até 70% da sua arrecadação total -- mediante assinaturas e licenciamento de conteúdo -- para os jornalistas e organizações independentes presentes na plataforma. A remuneração dos produtores será feita com base em um critério objetivo: tempo de consumo da informação. A ele se somará um outro critério jornalístico de longo prazo: o impacto político e social, definido pelo comitê editorial.
“A gente quer uma plataforma que pague melhor ao jornalista, porque quanto melhor você remunerar o jornalista, mais jornalistas bem pagos vão vir para plataforma, e melhor conteúdo você vai atrair para plataforma,” explicou Rocha Lima.
“[Nossa pesquisa mostra que] existe um grupo [de leitores] muito claro que quer curadoria de conteúdo, ou seja, poucos conteúdos muito bem escritos, muito bem resolvidos em si. Existe um outro grupo que quer hard news na veia. E existe um terceiro grupo que quer opinião e análise. E a Headline foi construída a partir disso. A proposta jornalística da Headline foi construída a partir dessas três conclusões,” disse Netto.
Headline começou a ser concebida em 2017, com investimentos pessoais dos fundadores e com aportes individuais de investidores-anjo de até € 20 mil, totalizando € 150 mil (BRL 828 mil). Em 2018, a start-up foi selecionada pelo programa de aceleração do Google News Initiative na Europa e recebeu mais € 50 mil (BRL295 mil). E mais recentemente, contou com o investimento de € 500 mil (BRL 2,9 milhões) da Santos Vision, um family office do brasileiro Helio Santos, presidente da empresa de desenvolvimento de softwares industriais Safekick.“Não estou investindo para doar, é claro. Porém, eu tenho mais paciência do que um venture capitalist convencional, tenho mais visão de longo prazo. Não preciso, em dois anos ou em um ano, multiplicar este investimento por dez. Não é esse o objetivo,” disse Santos à LJR. “Eu quero ajudar a fazer uma mudança. Então, se eu puder ajudar a fazer uma mudança, moralmente é bom, e o dinheiro, o rendimento, vai ser uma consequência natural se aquilo for uma coisa boa ou não.”