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Podcast documental e narrativo oferece grandes oportunidades para jornalismo investigativo, dizem especialistas

O podcast está em plena efervescência e estudos mostram que a indústria de podcasting continuará crescendo aceleradamente nos próximos anos.

A estimativa é de que 2022 fechará com dois bilhões de dólares gerados pela publicidade em produções de podcast, e que esse valor dobrará em 2024, segundo o relatório anual do Interactive Advertising Bureau dos Estados Unidos e da consultoria PricewaterhouseCoopers, publicado em maio. Além disso, em setembro deste ano o Spotify anunciou que, na Espanha, o consumo de podcasts cresceu 106% em um ano.

Pouco a pouco o jornalismo foi se somando ao boom do podcast. Embora os podcasts de notícias não sejam os mais ouvidos na América Latina, o jornalismo investigativo tem grandes oportunidades nos podcasts narrativos-documentais. Porém os criadores precisam estar dispostos a se adaptar e a aproveitar as características do formato, segundo diversos especialistas da região.

De acordo com várias pesquisas, o conteúdo de jornalismo investigativo e os documentários estão entre os temas favoritos dos consumidores de podcasts em espanhol. A pesquisa EncuestaPod 2022, elaborada pela organização Podcaster@s, indicou que 40% das pessoas consultadas citaram "Jornalismo investigativo" como um de seus temas favoritos de podcast, o que coloca essa categoria no primeiro lugar, seguida de "História" (38%) e “Comédia/Humor” (37%). Em quarto lugar, com 29%, ficou a “Análise Política”, gênero geralmente realizado por jornalistas.

A categoria “Notícias”, que se refere principalmente a podcasts com notícias do dia, ficou em sétimo lugar entre as 22 categorias avaliadas pela pesquisa. A pesquisa EncuestaPod 2022 entrevistou 2.213 ouvintes ativos de podcasts de 40 países da América e da Europa. Algumas perguntas, como a mencionada acima, permitiam várias respostas.

“Existem podcasts jornalísticos, mas que não são de notícias, porque não falam do que está acontecendo no momento”, disse Mariana Vaccaro, editora do Podcaster@s e analista da pesquisa EncuestaPod 2022, à LatAm Journalism Review (LJR). “Em um determinado momento havia muitos podcasts imitando de alguma forma aquele formato da Rádio Ambulante, de uma crônica narrativa em áudio. Desse ponto de vista, não me surpreende que [‘Jornalismo investigativo’] seja um dos temas mais ouvidos."

Bar chart showing the preferred topic of podcast listeners, according to the EncuestaPod survey.

Um dos gráficos com resultados da pesquisa EncuestaPod 2022. (Imagem: Cortesia EncuestaPod)

Em contraste com esses números, um dos formatos de podcast que mais cresceu em vários países da América Latina nos últimos anos foi o do tipo “daily”. A imprensa tradicional tem apostado mais neste formato em países como Argentina, Brasil, Colômbia e México.

“Há cinco anos, a grande mídia começou a fazer seus próprios podcasts”, disse Eugênia Cabral, vice-presidente da Associação Brasileira de Podcasters (ABPod), à LJR. “A Folha de S.Paulo começou a fazer o 'Café da Manhã', que é um podcast diário de notícias. O Globo começou a fazer 'Ao Ponto', a Revista Piauí tem o 'Foro de Teresina', que é um podcast de notícias políticas. Quando esses grandes veículos de comunicação começaram a fazer podcasts, vimos um crescimento muito forte do jornalismo em podcast.”

Da mesma forma, no México o jornal Reforma tem seu podcast “El Café de la Mañana” e a revista Expansión lançou “Expansión Daily” neste ano. Na Colômbia, La Silla Vacía tem "Huevos Revueltos con Política", enquanto o jornal El Tiempo produz "Al Cierre".

Entretanto, a maioria dos podcasts citados é produzida em parceria com plataformas digitais de áudio. E apesar do fato de que cada vez mais veículos estão apostando no formato “daily”, numa tentativa de imitar o sucesso do “The Daily” do The New York Times, os gráficos mostram que os podcasts de notícias não são os favoritos do público.

Nas listas do Spotify, os podcasts "daily" de maior sucesso estão abaixo do 20º lugar nas preferências.

"Estamos muito influenciados e obcecados com o que acontece no New York Times e no 'The Daily', mas na verdade, na América Latina vivemos outra realidade", disse Mauricio Cabrera, especialista em mídia e fundador da plataforma de jornalismo de conteúdo Story Baker, à LJR. "E não é que você diga 'o que eu ouvi no 'Expansión Daily' ou no 'El Café de la Mañana' foi tão marcante ou tão interessante que a mídia repercutiu’. Isso não aconteceu e é algo que deveríamos buscar, que o podcast jornalístico não seja apenas um relato do que já aconteceu, e sim que seja também um início de conversa."

Quando se trata de ouvintes, vise a qualidade, não a quantidade

Cabrera destacou que geralmente os podcasts de notícias que mais se destacam são justamente aqueles produzidos em parceria com plataformas digitais de áudio, ou aqueles que contam com suporte publicitário dos grandes veículos que os produzem.

No entanto, segundo os especialistas, criar um podcast de sucesso não depende necessariamente do número de ouvintes ou do lugar que ocupa nos rankings de popularidade. Na verdade, dizem, trata-se de transformar os ouvintes em uma comunidade e de criar um hábito de escuta que se transforme em fidelidade.

“O sucesso de um podcast, principalmente jornalístico, não acontece necessariamente porque atinge milhões de pessoas, mas porque alcança um compromisso, um alto engajamento entre as pessoas que estão ouvindo e o criador ou jornalista que está fazendo seu próprio programa”, disse Cabrera.

Mexican journalist Mauricio Cabrera

Mauricio Cabrera (Foto: Twitter)

Também há vários casos em que os podcasts de notícias são respaldados pela marca pessoal de um jornalista que chega ao universo dos podcasts já com uma audiência cativa. Isso os coloca em uma vantagem competitiva, mas não garante necessariamente o engajamento e a fidelização desse público.

“Os podcasts têm que ter uma comunidade, um grupo, para que os ouvintes saiam a buscar outros ouvintes”, disse Cabral. "Acho que é um trabalho que tem que ser feito com comunidades que os grandes meios não conseguem fazer, porque o público deles é muito grande."

Uma comunidade de audiência leal e engajada pode se manifestar de várias maneiras em benefício dos podcasts. Uma dessas formas pode ser o apoio financeiro aos criadores. A pesquisa EncuestaPod 2022 mostrou que 75% das pessoas consultadas responderam que poderiam pensar em fazer um pagamento ou uma doação para seu podcast favorito. E 73% responderam que a motivação para fazer um pagamento seria apoiar financeiramente os criadores do podcast.

Esses números indicam que programas de membros, assinaturas e crowdsourcing podem ser oportunidades promissoras para veículos jornalísticos que têm dificuldade em vender seus podcasts para anunciantes por causa dos temas que os produtos de notícias podem cobrir.

Até agora, contudo, vários jornalistas independentes que lançaram seus podcasts sob o modelo de assinatura ou doações mal conseguem cobrir os custos de produção.

“A maioria desses podcasts independentes oferece assinaturas para os apoiadores e quando eu converso com alguns deles, eles dizem que não ganham com o podcast, mas [as assinaturas] pagam o podcast. [Em outras palavras] Eles não precisam tirar dinheiro do bolso para fazer o podcast, o podcast se paga sozinho, mas eles não podem viver do podcast”, disse Cabral.

Narração e design de som para engajar o público

Para ter um podcast jornalístico financeiramente sustentável sem depender de publicidade, e independentemente do assunto abordado, os jornalistas precisam abraçar as características intrínsecas do formato e pensar em suas produções mais como documentários em áudio ou produtos narrativos.

“Na medida em que os veículos de comunicação aprenderem a criar propriedade intelectual -neste caso através do podcast-, poderão sair dessa dependência das vendas publicitárias mais convencionais. E de repente eles vão poder dizer 'eu já fiz esse documentário e Spotify, Amazon, Apple estão interessadas ​​nele'", disse Cabrera. "Esse tipo de construção acaba dando melhores resultados do que apenas escrever artigos."

No entanto, as condições precárias em que muitos jornalistas trabalham e a urgência da situação são fatores que impossibilitam que eles possam dedicar tempo e recursos a produções que exigem mais horas de trabalho, como um podcast documental.

Além disso, a falta de verba também acaba reduzindo as possibilidades de produção de podcasts com um design sonoro atraente que valorize a narrativa e prenda a atenção das pessoas.

“Se você não tem orçamento e está pedindo a um repórter que faça tudo rápido, seguindo as tendências, é muito complexo poder fazer esse jornalismo 'a fogo baixo'”, disse Cabrera. “Algo que ainda precisa ser feito é educar os jornalistas, os editores, os escritores, os roteiristas, para eles saberem contar histórias em áudio, para não caírem na tentação de transformar o podcast apenas em uma réplica do que sempre foi feito no rádio. Porque onde o podcast jornalístico realmente faz a diferença é na investigação, na narrativa, somadas ao design de som”.

O podcasting narrativo permite o uso de ferramentas jornalísticas, como técnicas de investigação e entrevistas, que, aliadas a um bom design de som, podem prender a atenção do público, disse Cabral, que citou o podcast 'Praia dos Ossos' como um bom exemplo disso no Brasil.

Brazilian journalist Eugenia Cabrera

Eugenia Cabral (Foto: Twitter)

É um podcast de "true crime" baseado em uma investigação jornalística da revista piauí sobre o assassinato da socialite brasileira Angela Diniz em 1976 por seu então namorado. O podcast teve tanto sucesso que seus direitos foram adquiridos para serem transformados em uma série em vídeo para uma plataforma de streaming.

"O formato de áudio nos permite uma tremenda liberdade. Podemos fazer uso de alguns tipos de textos que o jornalismo cultural tem, que a narrativa tem, tais como personagens, flashbacks, flashforwards...", disse Cabral. "A imprensa escrita usa isso e algumas [reportagens] também na televisão. Acho que o podcast dá tantas opções que poderiam ser exploradas e acho que, se fosse feito, o público responderia muito bem".

Assim como "Praia dos Ossos", o podcast narrativo documental permite o mergulho em assuntos que já estiveram no noticiário e que eles sejam explicados a partir de novas perspectivas e com outros ritmos. O formato também permite abordar questões que seriam difíceis de explicar na mídia tradicional.

"Há muitos podcasts que podem não tratar das notícias do dia, mas eles pegam um fato e fazem um trabalho sério do jornalismo para tratá-lo, como nas crônicas narrativas, o que nos Estados Unidos chamam de 'não-ficção'", disse Vaccaro. "No jargão do podcast este nome é adotado, mas dentro da 'não-ficção' há muito que é jornalismo investigativo".

Segundo Cabral, o jornalismo independente no Brasil já está aproveitando o podcast documental e narrativo, e está lentamente construindo um público.

Além do fato de que o formato é acessível em termos de recursos de produção, os jornalistas independentes têm a seu favor que sejam donos de suas decisões e expectativas em torno de seu podcast.

"Temos bons podcasts independentes que estão fazendo um ótimo trabalho porque o jornalista não tem chefe, ou anunciantes, ele pode trabalhar sua história como achar melhor e não é tão caro assim", disse Cabral. "Você só precisa ter um bom microfone, um computador, software de edição. O jornalismo independente no Brasil tem ido muito para o lado do podcast".

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