Greg Michener *
Apesar da mobilização crescente da sociedade civil brasileira para exigir maior transparência no poder público, o Brasil permanece na lista de poucos países da América Latina que ainda não aprovaram uma Lei de Acesso à Informação. Propostas nesse sentido tramitam vagarosamente no Congresso desde 2003. O desinteresse da imprensa brasileira pelo assunto tem sido um fator decisivo para o atraso na aprovação de uma lei que garanta aos cidadãos o direito de acessar informações em poder das instituições governamentais.
Os meios de comunicação dedicaram recentemente um espaço considerável a outras propostas e medidas relacionadas à prestação de contas do governo, como por exemplo a Lei da Ficha Limpa. No entanto, o mecanismo mais importante para garantir a transparência dos atos governamentais – a Lei de Acesso à Informação – não vem despertando a mesma atenção. Embora associações profissionais de jornalistas e meios de comunicação apoiem oficialmente a adoção de uma Lei de Acesso, seus compromissos não se traduziram na cobertura que o tema merece. Não se trata necessariamente de assumir uma postura ativista, fazendo campanha aberta nas páginas dos jornais, mas simplesmente de dar espaço para o debate de uma lei de interesse público – cuja aplicação está diretamente relacionada a questões como corrupção, direitos humanos, liberdade de imprensa e ineficiência nos gastos públicos.
Uma tese de doutorado que completei em 2010, na Universidade do Texas em Austin, encontrou evidências de que a mídia exerce um papel fundamental no processo de adoção de leis de acesso à informação. Ou seja, os países nos quais a imprensa se dedicou a uma ampla cobertura do tema aprovaram essas leis de forma mais rápida, e com conteúdos mais abrangentes. A pesquisa avaliou a difusão de mecanismos de acesso à informação pública em 12 países da América Latina.
O silêncio dos meios de comunicação
No caso brasileiro, a cobertura tímida do assunto abre espaço para resistência política no Congresso, com a consequente postergação da aprovação do projeto. Uma análise do conteúdo divulgado por um dos principais jornais brasileiros dá uma dimensão disso. Essa análise abrange um período de onze meses – desde quando o Executivo enviou um projeto de Lei de Acesso ao Congresso, em maio de 2009, até sua aprovação pela Câmara dos Deputados em abril deste ano. Durante esse período, a Folha de São Paulo publicou uma média de 4,2 matérias por mês mencionando o acesso à informação pública como um direito do cidadão ou uma medida legal (essa menções faziam parte de matérias que tratavam principalmente de outros assuntos). No entanto, uma média de apenas 1,5 matéria por mês falava especificamente de uma lei de acesso à informação. A maior parte desses textos foi assinada por um único autor, o jornalista Fernando Rodrigues. Um acompanhamento da cobertura feita pelos outros grandes jornais brasileiros demonstra uma situação semelhante.
Em outros países que aprovaram leis de acesso à informação na última década, a imprensa dedicou uma atenção muito maior ao tema. Durante a campanha de 2001 e 2002 por uma lei de acesso à informação no México, por exemplo, ambos os jornais El Universal e Reforma publicaram uma média superior a 12 notícias por mês, durante mais de um ano, tratando diretamente do projeto de lei de acesso à informação. A legislação foi aprovada em maio de 2002 e é hoje considerada uma referência internacional.
Esse relativo silêncio da imprensa brasileira é surpreendente, especialmente levando-se em conta episódios recentes do país, como as denúncias de corrupção na Casa Civil da Presidência da República, divulgadas pelos meios de comunicação. Em países como Chile, Guatemala, México e Peru, escândalos envolvendo o desvio de dinheiro público serviram como gatilho para iniciar uma forte cobertura e até mesmo campanhas abertas da imprensa por maior transparência pública, através da aprovação de leis de acesso à informação.
Tramitação lenta
A reduzida cobertura das propostas de uma lei de acesso explica, em grande parte, por que os políticos brasileiros têm sido capazes de postergar sua aprovação, desde que o primeiro projeto chegou ao Congresso em 2003. Embora a transparência tenha sido um dos três pilares da campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva naquele ano, poucos mecanismos para promover a abertura do Poder Público foram de fato implementados. Uma proposta de lei de acesso introduzida na Câmara pelo deputado Reginaldo Lopes (PT), durante o primeiro ano do governo Lula, foi ignorada. Em 2006, a aprovação de uma Lei de Acesso virou promessa de campanha, mas o governo só enviou ao Congresso um projeto de lei em maio de 2009 – após um Seminário Internacional de Acesso à Informação Pública organizado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a ONG Artigo 19 e o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas. O texto foi aprovado em abril de 2010 pela Câmara dos Deputados, mas ainda depende de aprovação no Senado.
Mais de 5 bilhões de pessoas em mais de 80 países se beneficiam atualmente de leis de acesso à informação. A tendência de aprovação desses marcos legais pode ser observada na América Latina, onde 11 países já aprovaram leis abrangentes, dez delas desde 2002 – Colômbia (1985), Chile (2008), República Dominicana (2004), Equador (2004), Guatemala (2008), Honduras (2006), México (2002), Nicarágua (2007), Panamá (2002), Peru (2002) e Uruguai (2008) são exemplos de países que já aprovaram leis de acesso, sendo que Argentina e Bolívia têm decretos presidenciais tratado desse direito. Três países – Argentina, Brasil e El Salvador – consideram atualmente a adoção de uma legislação abrangente.
Será que a sociedade civil e os meios de comunicação brasileiros irão começar a gerar pressão suficiente na Presidência e no Senado para garantir a aprovação de um marco legal que regulamente o direito de acesso? A esperança é de que o Brasil não tenha que depender apenas da boa vontade dos representantes recém-eleitos para assegurar a aprovação de uma Lei de Acesso à Informação Pública.
* Greg Michener, cidadão canadense e residente permanente no Brasil, concluiu recentemente um doutorado em ciências políticas na Universidade do Texas em Austin, nos Estados Unidos. Sua tese analisou o processo de adoção de leis de acesso à informação na América Latina. Uma análise da trajetória da lei brasileira pode ser vista no site do autor: http://gregmichener.com/Dissertation.html (capítulo 4).
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.