Em 22 de janeiro, Eunice López, locutora da Rádio Honduras e âncora de TN5 Telenoticias, tentou algo diferente em seu perfil no TikTok: um desafio. Consistia em López propondo que seus seguidores tentassem usar um teleprompter para ver como eles poderiam se sair como apresentadores de uma notícia. O resultado foi inegável.
Depois de quase 6 milhões de visualizações e ainda contando, meio milhão de curtidas, quase 7.000 comentários e mais de 19.000 compartilhamentos para outros aplicativos, López ficou pasma. Os números brutos não eram apenas enormes, mas as interações provocadas por seus seguidores, e até mesmo por pessoas famosas em seu país e no exterior, também eram significativas.
Embora o TikTok torne difícil saber ao certo na primeira vez que alguém promoveu o desafio - seu algoritmo não é cronológico - López parece ser um dos primeiros a experimentá-lo. E, aparentemente, tudo começou devido a uma forte dose de curiosidade.
“Acho que foi o resultado de tantas vezes que as pessoas me perguntaram como eu poderia falar as notícias tão bem na televisão e como posso saber todas as notícias sem cometer erros”, disse López à LatAm Journalism Review (LJR), lembrando um dia em que estava no intervalo comercial e, de repente, resolveu experimentar. "Ok, vou gravar este texto e ver se alguém quer lê-lo.”
Além de Honduras, o desafio imediato - #teleprompterchallenge ou #prompterchallenge - ganhou ainda mais força nos últimos meses. Jornalistas de todo o mundo (do Brasil ao México, dos Estados Unidos à Suíça) também participaram, apresentando uma parte crucial da âncora de notícias de uma forma mais leve, divertida e, no geral, mais palatável.
Postagens pequenas e aparentemente mundanas como essas podem estar ajudando a criar uma ponte com os principais usuários do TikTok: jovens, que, de acordo com uma pesquisa em países em desenvolvimento, geralmente são mais céticos em relação às notícias na internet.
Desde o seu lançamento, o aplicativo de compartilhamento de vídeo teve um crescimento vertiginoso na cultura popular, especialmente em 2020 e 2021. O aplicativo tem aproximadamente 689 milhões de usuários ativos globais, com uma estimativa de 64,4 milhões no México, Brasil e Argentina. Sessenta e dois por cento dos usuários dos EUA têm menos de 30 anos. Os usuários do aplicativo o usam em média 45 minutos por dia. Jornalistas e editores, no entanto, têm sido cautelosos em adotá-lo. No entanto, os poucos que o têm explorado veem a necessidade de, entre outras coisas, não se levar tão a sério.
O TikTok pode ser visto como uma mistura de muitas plataformas de mídia social. Em meio a um caleidoscópio de possibilidades visuais para criadores como duetos cantando, respostas em forma de conteúdo postado nos comentários, sincronizações labiais, efeitos de tela verde, filtros etc., jornalistas e meios de comunicação são apresentados a um conjunto diversificado de ferramentas que distinguem o app de outros.
“O fato é que do Instagram para o TikTok há um abismo de distância. O TikTok eu já acho mais difícil. Não acho que seja tão simples assim pra qualquer um fazer não”, disse Guilherme Amado, colunista político brasileiro da Metrópoles, à LJR. Ele foi um dos primeiros em sua área a criar um perfil em ambos os aplicativos.
“O TikTok é um vídeo mais produzido. É um vídeo que geralmente os tiktokers levam mais de um dia produzindo. Tem vídeo que o tik toker leva uma semana fazendo porque é de uma produção mais sofisticada”, disse. “Abre uma ampla janela para a expressão artística, exigindo o desenvolvimento de sofisticadas ferramentas audiovisuais.”
Devido a essa forte ênfase nos elementos visuais e ao fato de seu algoritmo trazer à tona o que é popular - e não o que é novo - muitos pesquisadores veem os genes do aplicativo como incompatíveis com o jornalismo em tempo real.
“O TikTok não se encaixa naturalmente nas notícias de última hora”, disse Corinne Podger, consultora de desenvolvimento de mídia, à LJR . “Mas é perfeito para histórias perenes e para construir uma identidade pessoal e de marca que seu público futuro se lembrará quando tiver idade suficiente para considerar a assinatura de um provedor de notícias.”
Uma dessas referências é a conta Washington Post no TikTok gerenciada por Dave Jorgenson, que tem quase 1 milhão de seguidores e uma persona muito prolífica, peculiar e autoconsciente.
“É muito mais uma plataforma baseada na personalidade e não há como contornar isso”, disse ele em uma entrevista à LJR, ressaltando que ele tem algumas vantagens, “como ser capaz de editar e operar uma uma câmera," e desafios: "a edição não é suficiente se a sua persona não parecer genuína.”
Essas particularidades dificultam que jornalistas e editores assumam a liderança, especialmente porque o aplicativo ainda não possui ferramentas convenientes para os editores, como uma função de hiperlink que pode enviar o usuário diretamente de uma postagem para uma notícia de última hora.
A maré, no entanto, parece estar mudando, observa Noelia Gonzalez Pereyra, uma gerente de mídia social argentina e professora de marketing da Universidade Católica de Córdoba.
“Os jornalistas latino-americanos estão entendendo a necessidade de usar o TikTok como uma forma mais direta de atingir o público jovem que usa o entretenimento como ferramenta de comunicação”, disse ela à LJR. .
Os números, no entanto, ainda são baixos. Uma lista de editores e jornalistas no TikTok, gerenciada pelo jornalista italiano e editor sênior de mídia social do The Telegraph, Francesco Zaffarano, conta apenas oito casos de jornalistas ou veículos de notícias usando o aplicativo na América Latina entre 194 listados. Não havia nenhum no Caribe. Embora a LJR tenha conseguido encontrar outros veículos, os números não passam de 33, sendo 19 de veículos e 14 de jornalistas da América Latina.
Nesse mix, o UOL, grande player de conteúdo online brasileiro, fez sucesso com seu perfil UOL Esporte, chegando a quase 400 mil seguidores. Jean Louis Manzon, editor de mídias sociais do UOL, compartilhou sua percepção sobre o TikTok, onde o UOL possui outros seis perfis relacionados a projetos editoriais distintos.
O UOL Esporte, voltado principalmente para a editoria de esportes, foi criado com uma abordagem diferenciada. Em vez de dar total controle criativo a uma pessoa, a obra é dividida entre poucos criadores, mesclada com clipes de outros conteúdos criados pelo ou sob a égide do UOL Esporte.
“A gente já tinha no UOL esporte no Instagram, o grande mérito ali é ter uma linguagem informal. Não é só sobre as noticias do futebol, é sobre como a gente fala com as pessoas,” disse Manzon à LJR. “Então a gente achou um grupo de creators que poderiam ir para o TikTok dar o rosto pra essa personalidade que a gente já tinha no Instagram.”
A jornalista Isabela Valiero, por exemplo, enfatiza postagens mais humorísticas, seguindo memes que estão em alta. Enquanto isso, Vitor Lacerda se concentra em explicar as notícias da atualidade relacionadas ao esporte. Há também um streamer de jogos, Farahoh, para atender aos dados demográficos dos jogos eletrônicos.
La Nación TikTok, por outro lado, encontrou seu nicho na Argentina com uma equipe pequena, mas de alta energia, especialmente Sofia Altuna, ela mesma uma criadora verificada com mais de 700.000 seguidores em seu perfil pessoal.
Usando ganchos para chamar a atenção do espectador e recortes dinâmicos em meio à música de suspense, além do efeito de tela verde que serve para criar uma imagem de fundo vinculada ao tema, a conta reuniu, segundo Felix Ramallo, editor-chefe de mídia social, quase 215.000 seguidores.
As abordagens de ambos os editores sobre o TikTok representam abordagens distintas que não são simplesmente copiar formatos de outros veículos, mas também experimentar e se adaptar às suas necessidades e públicos específicos. Nesse sentido, a organização básica da empresa parece ser essencial para que ambas as editoras se mantenham à frente.
“Nossa equipe analisa o que é tendência, bem como os principais tópicos do dia ou o que vemos tendência em outras redes. Também analisamos qual conteúdo tem as melhores métricas em nossas redes sociais, quais histórias tiveram um impacto maior”, disse Ramallo à LJR.
“A partir disso, decidimos que história contar, além de um vaivém entre o editor e o repórter. Além disso, o repórter oferece seus próprios temas de interesse em um resumo semanal ou diário”, disse.
Algo semelhante acontece com o UOL Esportes, onde Manzon vê diferentes escolas de pensamento, citando veículos que usam um jornalista para apresentar o conteúdo das editoras.
"Aqui do nosso lado a gente decidiu ter variedade dentro do nosso perfil. Isso é mais a cara do UOL, com mais diversidade. Sobre a produção especifica, temos uma grade que flua bem em função dos acontecimentos. A produção é toda coordenada com a editoria, com o que vai acontecer na semana, o que estamos tratando e tem essa troca o tempo todo. Nenhum deles é autônomo, é tudo sobre como a gente consegue integrar," afirmou.
Para marcas pessoais, como a do colunista Guilherme Amado, o quadro é mais complexo porque não tem uma equipe atrás dele o ajudando. O trabalho de Amado tem alta demanda, o que conflita com a natureza desafiadora do aplicativo.
Por isso, revelou Amado à LJR, ele contratou do próprio bolso a jornalista Bruna Lima, de 21 anos, para ajudar a polir sua identidade de coluna e traçar estratégias no TikTok e outras redes sociais.
“Eu não tenho tempo porque não é minha função primordial ser tiktoker. (...) Se eu levar mais de uma hora pra produzir algo, eu estou errado porque nessa hora eu deveria estar apurando uma noticia”, disse Amado.
Essa perspectiva está em sincronia com Dave Jorgenson, que acredita que qualquer pessoa (mesmo aqueles que desejam explicar as coisas de uma forma mais direta) pode ter uma abordagem interessante e única no aplicativo. “Eles não precisam ser bons em tudo, eles só precisam saber no que são bons”, disse ele.
Outra coisa que ajuda é não se levar tão a sério. Jorgenson compartilhou que sempre ouviu esse conselho do recém-aposentado editor executivo do Washington Post, Marty Baron.
“Você deve ser preciso e trabalhar duro, mas se sua cabeça ficar muito grande, eventualmente ela não caberá na tela do telefone de ninguém”, disse Jorgenson. “Ninguém quer um jornalista que se considere mais importante do que seus leitores (ou espectadores, neste caso).”
Jean Manzon também falou sobre a apresentação na rede social, citando que uma ideia particularmente importante é entender que o ponto de partida não é você, mas como o outro está consumindo essa experiência.
“O território que você está ocupando não é onde estão UOL, Globo, CBS, entre outros. Você está no meio de muitos criadores individuais, instituições, influenciadores etc. (...) Essas linhas do que divide uma coisa ou outra não são mais tao claras. É importante entender o meio e onde você pode ir sem comprometer sua própria personalidade”, disse ele.
Em meio a essa discussão, muitos jornalistas continuam experimentando. Depois de sua postagem de sucesso, Eunice López deu continuidade à tendência, fazendo ainda mais postagens que estimulavam a curiosidade, acabando sendo respondidas (em forma de duetos) por pessoas que aspiram a estudar jornalismo, que estão estudando atualmente o assunto e até por quem desistiu.
“É fazer com que pareça fácil, sem linguagem técnica, algo que eles possam dizer 'eu também posso fazer isso'”, percebeu López, observando que esse tipo de conteúdo gera muito tráfego. “Também não me esqueço de responder às suas perguntas através dos comentários.”
López apresenta um ponto vital, mais uma vez.
Junto com todos aqueles que assistiram aos desafios do teleprompter dela e de outras pessoas estava Elisabeth Alvarenga, uma estudante salvadorenha de 26 anos de graduação em jornalismo. Alvarenga fez dueto com o jornalista Antonio Betancourt na seção de comentários. O futuro jornalista achou interessante ver um futuro colega apresentando a realidade por trás das câmeras, principalmente detalhes técnicos.
“O público gosta de curiosidades e, com isso, o jornalista atinge seu objetivo, que é gerar mais curtidas, comentários e crescimento em suas contas”, disse Alvarenga.
Essa interação com a seção de comentários também é importante no La Nación, de acordo com Ramallo.
“Nossos seguidores no TikTok participam ativamente com seus comentários nos vídeos. Sofia [Altuna] também comenta no perfil do jornal e também no seu próprio e, em várias ocasiões, criamos vídeos a partir dos comentários dos seguidores”.
Tudo isso parece girar em torno do tema do engajamento sobre “ser o primeiro”, um ponto de foco tradicional para jornalistas e editores.
“No geral, as pessoas querem precisão e um vídeo que prenda a atenção. Aprendi essa lição várias vezes”, concluiu Jorgenson, antes de voar ao pôr do sol para retomar os vídeos do Washington Post TikTok.
Eventos recentes como a pandemia do coronavírus provavelmente vão acelerar as mudanças sociais, que também envolvem o consumo da mídia, de acordo com a gerente de mídia social e professora de marketing Noelia Pereyra.
“A forma de viajar mudou para sempre, a forma de fazer compras mudou para sempre, e a forma de estudar e de nos informar também”, disse ela. “Será extremamente interessante ver como, nos próximos anos, a mídia terá que criar pontes fortes, diretas e atraentes para o coração de novos consumidores pós-pandemia.”