A jornalista Ximena Pinto, até há poucos dias responsável pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência do Conselho de Ministros (PCM) do Peru, renunciou ao cargo em 24 de fevereiro depois de denunciar que o presidente do PCM, Aníbal Torres, lhe pediu para excluir o Canal 4, do Grupo El Comercio, da contratação de publicidade estatal para a campanha escolar em canais de televisão.
Segundo disse Pinto à LatAm Journalism Review (LJR), depois de aprovar o plano de estratégia publicitária da campanha escolar, Torres pediu explicitamente que ela não incluísse os meios de comunicação do Grupo El Comercio.
Quando Pinto explicou a Torres que os spots comerciais da campanha escolar seriam atribuídos aos meios de comunicação que o centro de comunicação determina, de acordo com o estudo realizado com base em critérios como audiência, classificação, etc., disse Pinto, Torres respondeu que ela então excluísse todos os meios de Lima.
“E essa campanha [escolar] é importante porque algumas pesquisas foram feitas em janeiro. Já estava desenhada e tudo se baseou precisamente naquelas pesquisas que mostraram, por exemplo, que na região de Lima há mais de 50% de descontentamento ou desconfiança no início das aulas presenciais”, disse Pinto.
A Secretaria de Comunicação Social coordena a estratégia de comunicação dos 18 ministérios do Poder Executivo no Peru. Segundo Pinto, o fundo atual é de 18 milhões de soles (cerca de US$ 4,8 milhões), que é administrado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
A LJR entrou em contato com a assessoria de imprensa e imagem institucional do PCM para confirmar as declarações do Primeiro-Ministro, mas não obteve resposta antes do fechamento desta matéria.
Na sua carta de renúncia irrevogável ao cargo, a que LJR teve acesso, Pinto mencionou que os seus valores enquanto profissional, com 20 anos de experiência a serviço do Estado, não se refletem nas ações que tenta colocar em prática o presidente do Conselho de Ministros, ao querer alocar a publicidade estatal com critérios políticos, infringindo as regras.
“Sou advogado, não atuo fora da lei”, disse Torres ao CanalN, sobre a denúncia pública de Pinto. "Têm que se considerar os meios das regiões e os meios locais."
Torres disse ao Canal N que existem outros meios aos quais a publicidade estatal pode ser atribuída, que não pode haver monopólio. Ele mencionou o artigo 7º da Lei 28.874, enfatizando que a publicidade estatal deve ser feita principalmente em meios de comunicação estatais, como a TV Peru ou a Rádio Nacional, segundo o site do Canal N.
Segundo Roberto Pereira, advogado especialista em questões de liberdade de expressão e assessor jurídico do Instituto de Imprensa e Sociedade (IPYS) do Peru, Torres teria infringido a Convenção Americana de Direitos Humanos ao propor a exclusão do Grupo El Comercio da alocação de publicidade estatal, publicou o jornal La República.
De acordo com o artigo 13.3 da Convenção, “o direito de expressão não pode ser restringido por meios indiretos, como o abuso de controles oficiais ou privados sobre papel de jornal, frequências de rádio ou equipamentos utilizados na transmissão de informações ou por qualquer outro meio destinado a impedir a comunicação e a circulação de ideias e opiniões”.
Da mesma forma, conforme confirmou Pereira ao LJR, se fosse constatado que houve tentativa de utilização de recursos do Estado para outros fins que não os orçados anteriormente, configurar-se-ia o crime de tentativa de peculato, de acordo com o Código Penal peruano.
O diretor-executivo do Conselho de Imprensa do Peru (CPP), Rodrigo Salazar, disse à LJR que essa estratégia não oficial do governo, de separar Lima do resto das regiões do país, teria origem na cobertura "tremendamente injusta e abusiva" que a imprensa tradicional deu ao agora presidente peruano Pedro Castillo quando era candidato na campanha eleitoral para a presidência, em 2021.
“O que gerou agora é que há uma vingança contra esses meios de comunicação”, disse Salazar. "E essa vingança, seja de Aníbal Torres e de alguns ministros e do próprio presidente, é tentar de alguma forma refletir com atos que para nós beiram a criminalidade, ou seja, decidir usar dinheiro público com interesses políticos."
De acordo com a Declaração de Chapultepec, mencionou Salazar, – adotada pelos países membros da Organização dos Estados Americanos, incluindo o Peru – os Estados não podem conceder ou suprimir a publicidade estatal para recompensar ou punir os meios de comunicação ou jornalistas.
Em entrevista anterior à LJR, a presidente da Associação Nacional de Jornalistas do Peru (ANP), Zuliana Lainez, disse sobre a publicidade estatal que deve responder a mecanismos que promovam, a partir do próprio Estado, a sustentabilidade do ecossistema midiático.
Na ocasião, Lainez explicou que “o modelo de distribuição de publicidade estatal no Peru deve ser reformulado com urgência, deve ser descentralizado. Infelizmente, a publicidade estatal ainda é usada com poucos critérios técnicos, e não é uma questão deste governo, tem sido uma crítica sustentada pelo menos nos últimos três ou quatro governos”.
O ecossistema de mídia peruano tem uma alta concentração de meios nas mãos de poucos grupos.
Em 2013, com a compra dos meios do Grupo Epensa, o Grupo El Comercio assumiu o controle de 77,86% do mercado de vendas de jornais. Em um estudo sobre concentração de mídia realizado em 2016 pelo Ojo Público e o Monitoramento da Propriedade de Mídia do escritório da organização Repórteres Sem Fronteiras na Alemanha, observa-se a “posição de mercado perigosamente dominante do Grupo El Comercio” no Peru.
Na opinião de Lainez, os critérios geográficos e um sistema de rodízio para atribuição de publicidade estatal devem ser incluídos para apoiar fundamentalmente os meios de comunicação do país que produzem informações locais.