As campanhas políticas para as eleições municipais no Brasil marcadas para o dia 6 de outubro já começaram oficialmente, e iniciativas novas ou renovadas de veículos independentes do país buscam facilitar a vida de jornalistas e cidadãos para acessar informações elusivas.
Uma newsletter que monitora conteúdo político dentro dos geralmente furtivos grupos de Whatsapp ou Telegram, um chatbot que usa inteligência artificial (IA) para verificar informações dentro destes espaços e um monitor que agrega informações de legislações e regulações públicas estão entre as novidades.
Os projetos destacados abaixo ajudam jornalistas e o público a encontrarem informações confiáveis e úteis enquanto os 5.570 municípios se preparam para votar.
O Whatsapp e o Telegram podem servir como caixas-pretas das discussões que acontecem lá dentro, mas um novo produto joga luz das atividades em seus grupos públicos. A Agência Lupa, conhecida por seu trabalho de checagem de fatos, lançou em agosto a newsletter Ebulição, que monitora esses espaços virtuais tradicionalmente pouco acessíveis.
Segundo Cristina Tardáguila, fundadora e sócia da Lupa, a origem da Ebulição remete a 2018, quando a Lupa passou a ter acesso a sistemas que permitem ver as atividades de grupos públicos nessas plataformas de mensagens. Foi só recentemente, no entanto, que a equipe da agência percebeu que aquelas informações poderiam virar conteúdo jornalístico de forma recorrente.
“Percebemos que tínhamos uma joia em termos de informação, mas não estávamos compartilhando esse conhecimento de forma mais ampla. Agora, com a Ebulição, conseguimos jogar luz sobre esse universo muitas vezes inacessível”, afirmou Tardáguila à LJR.
A newsletter utiliza a tecnologia da empresa brasileira Palver, que desde 2020 monitora grupos públicos de WhatsApp. Com essa ferramenta, é possível centralizar informações em um painel, realizar buscas por termos específicos, períodos e até mesmo segmentar os resultados por localização geográfica.
Há mais de 80 mil grupos monitorados, em um montante em constante crescimento. Há uma newsletter dedicada ao Rio de Janeiro e outra a São Paulo. Entre os assuntos já cobertos, há, por exemplo, a repercussão de pesquisas, como temas religiosos têm aparecido na campanha e como as propostas têm ficado em segundo plano durante as campanhas paulistanas até aqui.
“Conseguimos, por exemplo, rastrear quando determinado conteúdo começou a circular em grupos públicos e identificar possíveis coordenações na disseminação dessas informações. Isso é ouro para entender como o universo criptografado é utilizado para dispersão de conteúdo”, afirmou Tardáguila.
Entre os planos da Lupa, estão fazer adaptações da newsletter para vídeo e programas de rádio. A Ebulição não tem por foco exclusivo as eleições e irá perdurar quando o ciclo eleitoral chegar ao fim. Nesse período de campanha, todavia, sua utilidade é renovada.
"Nosso objetivo é que as pessoas interessadas e envolvidas com a eleição saibam que existe uma maneira confiável de acompanhar o que está acontecendo nesses grupos", disse Tardáguila.
Também dedicado à verificação de informações, o Aos Fatos se prepara para enfrentar o desafio da desinformação com duas ferramentas inovadoras que utilizam IA: uma atualização da chatbot Fátima e a plataforma Busca Fatos.
Lançada em 2019, Fátima realiza checagens instantâneas de acordo com as dúvidas dos usuários. O lançamento de sua versão 3.0 está programado para a primeira semana de setembro, e incorpora a tecnologia de LLM (sigla em inglês para Grande Modelo de Linguagem) para interpretar as perguntas dos usuários e fornecer respostas mais relevantes em linguagem natural.
Treinada com a base de dados do Aos Fatos para responder a dúvidas sobre qualquer tópico que o veículo cubra, a nova atualização da chatbot está em testes desde o final do ano passado – segundo a diretora-executiva do Aos Fatos Tai Nalon, com resultados muito promissores.
“Ela tem apresentado taxas de erro quase ínfimas, e a nova tecnologia tornou a experiência do usuário muito mais confiável quando quer tirar dúvidas a partir da chatbot”, afirmou Nalon à LJR.
Disponível gratuitamente no site do Aos Fatos, no WhatsApp e no Telegram, Fátima foi projetada para ser uma ferramenta acessível mesmo para aqueles que não possuem planos de dados robustos, uma vez que permite ao usuário obter informações verificadas sem precisar acessar links externos.
“A maneira mais eficiente e segura de comunicar informações verificadas e gerar confiança no leitor é operar dentro de plataformas sabidamente circuladoras de desinformação”, disse Nalon. “O fato de estar presente no Whatsapp e do Telegram oferece um ganho de usabilidade, porque os usuários conseguem chegar a uma informação qualificada com muito mais facilidade do que se tivessem que acessar um link”.
A outra ferramenta tem lançamento previsto para o fim de setembro e se chama Busca Fatos.
Ela permite ao usuário carregar links de vídeos. Após transcrever automaticamente o áudio, a ferramenta utiliza IA para, baseando-se nas verificações realizadas pelo Aos Fatos, mapear temas que podem ser passíveis de desinformação. Finalmente, ela sugere fontes confiáveis onde o usuário possa checar essas informações.
Diferentemente de outras ferramentas, o Busca Fatos não sugere diretamente as checagens do Aos Fatos, mas sim as melhores fontes de informação, promovendo a autonomia do usuário na verificação da veracidade dos conteúdos. A ideia central do Busca Fatos é oferecer recursos para o usuário identificar a desinformação com autonomia, não apenas em períodos eleitorais, mas também em outros contextos.
“A ferramenta não verifica, mas sim identifica possíveis tópicos passíveis de desinformação. A ideia é justamente qualificar o debate de ideias. Buscamos ferramentas que deem autonomia aos usuários, porque eles necessitam de informações verificadas, rápidas e na mão”, disse Nalon.
Outra das inovações é o Legislatech, uma ferramenta digital desenvolvida pelo Núcleo Jornalismo, que monitora documentos públicos, como tramitações judiciais, projetos de legislações e diários oficiais, principalmente nos poderes Legislativo e Executivo.
"O Legislatech serve para ajudar o terceiro setor e pequenas empresas a realizarem acompanhamento regulatório e legislativo de forma eficiente. Em vez de verificar 20 sites diferentes, você acessa um único lugar e fica por dentro das novidades", disse à LJR Sérgio Spagnuolo, fundador e diretor-executivo do Núcleo Jornalismo.
Lançada em modo beta em agosto de 2023 e na versão completa em março deste ano, a ferramenta monitora 16 órgãos, e já identificou 1.297 assuntos e rastreou 517.796 documentos.
O Legislatech permite que os usuários escolham três parâmetros diretamente na plataforma para personalizar a experiência: os termos específicos que desejam monitorar em documentos públicos, os órgãos que desejam acompanhar, e a periodicidade com que desejam receber alertas automatizados.
A ferramenta realiza uma varredura a cada 30 minutos, coletando todos os documentos que mencionam as palavras-chave selecionadas nos órgãos governamentais escolhidos. Com isso, o Legislatech automatiza a geração de relatórios customizados e dispara alertas para os usuários.
Além disso, o Legislatech possui uma parceria com o Querido Diário, projeto que monitora os Diários Oficiais de mais de 400 municípios brasileiros.
O Legislatech oferece diferentes planos de assinatura, incluindo uma opção gratuita, que monitora Câmara Federal e Senado e até dois assuntos.
Já os planos pagos, que começam a partir de R$ 25, oferecem acesso a automações e monitoramentos mais avançados, atendendo tanto indivíduos quanto organizações.
Para facilitar o acesso de jornalistas à plataforma, Spagnuolo informou que o Núcleo está em conversas com organizações para patrocinar a adesão de profissionais de imprensa sem custos.
“Há empresas que fazem um serviço semelhante com valor muito maior”, afirmou.