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Protestos no Brasil acendem debate sobre qualidade da cobertura da grande mídia

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  • 4 julho, 2013

Por Isabela Fraga

Em meio às manifestações que se espalham pelo Brasil -- provocadas pelo aumento das passagens de ônibus em São Paulo e no Rio de Janeiro --, a cobertura da mídia de massa foi recebida de formas tão múltiplas quanto eram as pautas dos manifestantes. Além de observadora e participante, a imprensa foi também alvo de protestos, acusada de manipulação por muitos. Durante as manifestações, ouviam-se frequentemente gritos de "abaixo a Rede Globo", e repórteres de grandes empresas chegaram a ser hostilizados e xingados por manifestantes. A insatisfação com a mídia tradicional que ali foi enfatizada deu novo gás às discussões sobre o marco regulatório das comunicações, que tem o objetivo de democratizar a mídia brasileira.

Em meio às manifestações que se espalham pelo Brasil -- provocadas pelo aumento das passagens de ônibus em São Paulo e no Rio de Janeiro --, a cobertura da mídia de massa foi recebida de formas tão múltiplas quanto eram as pautas dos manifestantes. Além de observadora e participante, a imprensa foi também alvo de protestos, acusada de manipulação por muitos. Durante as manifestações, ouviam-se frequentemente gritos de "abaixo a Rede Globo", e repórteres de grandes empresas chegaram a ser hostilizados e xingados por manifestantes. A insatisfação com a mídia tradicional que ali foi enfatizada deu novo gás às discussões sobre o marco regulatório das comunicações, que tem o objetivo de acentuar a democratização da mídia brasileira.

Para Pedro Ekman, do coletivo Intervozes, as manifestações deixaram clara a crise de representação da mídia brasileira em relação à população. "As pessoas iam para a rua e viam uma coisa, depois voltavam pra casa e viam outra na cobertura da imprensa. Começaram a perceber que a mídia tradicional manobrava suas posições de acordo com seus interesses, de forma mais ou menos velada", afirma. "As pessoas não se veem ali [na mídia], naquelas informações tão editorializadas dos veículos de comunicação de massa".

Segundo Ekman, houve uma mudança brusca de posição em diversos veículos brasileiros em relação às manifestações, especialmente após os protestos em São Paulo do dia 13 de junho, quando a polícia agiu de forma violenta e brutal -- inclusive contra jornalistas. O jornal Folha de São Paulo, por exemplo, exibiu como manchete de capa no dia 13 de junho "Governo de SP diz que será mais duro contra o vandalismo". Após a noite de absurda repressão policial, a capa do dia seguinte dizia "Polícia age com violência a protesto e SP vive noite de caos".

De vilões a mocinhos
A partir daí, afirma Ekman, os jornais e a televisão mudaram sua narrativa dos acontecimentos. "Depois desse dia -- e também após uma análise de macropolítica de nacionalizar essas manifestações geraria desgaste pro governo [federal] -- o editorial mudou: passou a celebrar as manifestações e excepcionalizar o confronto."

Se, para Ekman, a mudança na postura da mídia desmoralizou a imprensa perante o público, o mesmo fato revela honestidade dos veículos, na opinião de Marcelo Beraba, diretor da sucursal no Rio de Janeiro do jornal Estado de S. Paulo. "Qual o problema em mudar de ideia?", provoca Beraba. "Se em algum momento do início dessa mobilização havia uma observação negativa das manifestações, em função de desconhecimento, e depois se percebeu que aquilo tinha outra magnitude, é uma postura honesta", defende.

Relação controversa
Do alto de prédios, de helicópteros, ao lado da polícia ou até no meio dos manifestantes (muitas vezes com microfones sem logotipos para evitar hostilidades), a mídia de massa brasileira esteve bastante presente nas manifestações. Para Eugenio Bucci, analista de mídia e professor da Universidade de São Paulo (USP), ao mesmo tempo em que as empresas de comunicação provocam a hostilidade do público ao serem identificadas com o status quo, há momentos também de confraternização e solidariedade -- por exemplo, quando jornalistas são agredidos pela polícia ou quando eles são vistos como canais de expansão da manifestação.

"O saldo que eu tiro disso é que, à medida que a mídia é identificada com uma representação do poder, qualquer marca das grandes empresas de comunicação perde a simpatia de uma partte dos manifestantes. Mas à medida que a mídia presta serviço, leva informação independente e registra o que se passa, ela talvez cresça em confiabilidade aos olhos dos manifestantes", analisa Bucci. "Mas ainda falta medir [esse crescimento]."

A expansão dos canais alternativos, no entanto, parecem revelar que o público tem se interessado também por outras fontes de informação à margem dos veículos de imprensa tradicionais. Nas redes sociais e na internet de maneira geral, proliferaram grupos de comunicação colaborativos que iam às manifestações e passavam as informações diretamente de lá para outros. A Pós TV, por exemplo, fez streaming das manifestações in loco. A Mídia Ninja, que até antes dos protestos tinha cerca de 48 mil pessoas compartilhando conteúdos no Facebook, no dia 17 de junho teve 207 mil menções e compartilhamentos.

Para Ekman, essa expansão do jornalismo colaborativo e alternativo está relacionada à crise da representação do jornalismo dos grandes meios. "A TV deixou de ser a única fonte de informação, passou a ser mais uma, sob suspeita", avalia.

Manifestante pacífico versus vândalo
Embora a visão da mídia em geral tenha se tornado mais generosa em relação às manifestações, uma narrativa bastante reproduzida nas coberturas dos protestos é a do manifestante pacífico -- a maioria -- e o vândalo, o violento, retratado como minoria que causa desserviço às causas dos protestos. Uma interpretação reducionista, avaliam Ekman e Bucci.

Para o integrante do Intervozes, esses dois "personagens" foram criados para que os veículos pudessem manejar o tom da cobertura. "A grande mídia pisa em ovos ao legitimar manifestações populares, porque não conseguem controlá-las totalmente, já que elas se estruturam para além da mídia de massa. Os veículos deixam uma salvaguarda para caso precisem voltar atrás e dizer que só há vândalos", argumenta.

A narrativa da maioria pacífica e da minoria vândala dominou parte da cobertura das manifestações.

Bucci concorda em parte. "Nenhum levante popular do mundo vai primar pela etiqueta, não serão manifestações de boas maneiras, onde ninguém pisa na grama", pondera. "É preciso considerar também que a rotina de muitas dessas pessoas é de agressão cotidiana. Vândalo é quem empurra a multidão para um transporte público como o de São Paulo. São os vândalos engravatados". Para Bucci, se as pessoas vivem numa cidade violenta, onde sofrem agressões diariamente do poder público, em momentos de coletividade como os da manifestações, reagem. "Essa situação mais complexa talvez não tenha sido entendida na cobertura da mídia, embora seja muito difícil fazer uma avaliação universal e generalizante."

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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