Este texto foi publicado originalmente em inglês pela Ethical Journalism Network (EJN). Foi republicado aqui com autorização.
Por Elva Narcia*
No fim de janeiro, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou que a violência no México é pior do que no Afeganistão.
Por meio de seu perfil no Twitter, ele detalhou que os casos de homicídio no México aumentaram 33% em 2018 em comparação com o ano anterior, atingindo um total de 33.341 casos. “Este é um fator que contribui para a crise humanitária que ocorre na nossa fronteira sul e se estende por nosso país.”
Os dados duros parecem respaldar as afirmações de Trump, pois segundo organizações nacionais e internacionais, entre janeiro e setembro de 2018, o México registrou quase 90% mais mortes violentas de civis do que o Afeganistão.
A este contexto de violência no México, se soma o número de pessoas desaparecidas, as quais chegam a 40.180, segundo divulgou Roberto Cabrera Alfaro, ex-Comissário Nacional da Busca por Desaparecidos.
Para a doutora Carolina Robledo, coordenadora de um grupo de pesquisa em Antropologia Social e Forense, o México vive múltiplas violências, não apenas as relacionadas ao crime organizado. Ela fala de uma crise de direitos humanos e do Estado de direito.
“Temos um contexto de graves violações dos direitos humano, o que implica que as forças públicas de segurança, das municipais às estaduais, têm exercido o controle da segurança por meio de abusos e do uso da violência como forma de controlar territórios e populações, mas também como uma forma de administrar negócios e beneficiar os interesses privados com esse uso ilegítimo da força”.
O México, afirma Robledo, vive em um contexto de violências institucionais, econômicas, patrimoniais, de gênero. A violência também se exerce no âmbito da informação: “existe um sistema deliberado que busca ocultar a verdade e os crimes, apagar as evidências”.
Nesse contexto de múltiplas violências, qual é o papel da imprensa? Podem os meios de comunicação contribuir para criar um ambiente de paz, podem contribuir no combate ao crime e à violência? Para buscar respostas, consultamos vinte especialistas, entre advogados, acadêmicos, ativistas, jornalistas e defensores de direitos humanos.
No caso específico dos desaparecimentos forçados e das valas comuns clandestinas, a imprensa tem cumprido um papel muito importante ao tornar visível o problema e colocá-lo na agenda pública. Familiares das vítimas, como Mirna Nereyda Medina Quiñones, que lidera a organização Las Rastreadoras de El Fuerte, um grupo de mães em busca de seus filhos desaparecidos no Estado de Sinaloa, afirmam que o acompanhamento da imprensa tem sido fundamental no caminho para encontrar a verdade e a justiça: “nos ajudaram com a divulgação, levantando a voz junto com a gente”.
Nereyda fundou Las Rastreadoras após o desaparecimento de seu filho Roberto Corrales Medina. Ele foi sequestrado em 14 de julho de 2014 e seus restos mortais foram encontrados em uma fossa clandestina três anos depois. Ela diz que o trabalho que fazem os meios de comunicação ajuda grupos como o dela a chegar a governos e instituições e a documentar as respostas que recebem deles, para que permaneçam como antecedentes e possam ser retomadas quando necessário.
Cristina Avila Cesati, fundadora da Corresponsales de Paz, enfatiza a importância do exercício de um jornalismo ético, já que às vezes os jornalistas podem dificultar as investigações, incorrer na revitimização, distorcer informações ou publicá-las sem permissão.
Outra maneira pela qual a imprensa tem contribuído no combate ao crime e à violência é mediante a coleta de testemunhos, a captura de imagens, gravações, entrevistas e notas jornalísticas que têm servido para resolver casos e levar os perpetradores à Justiça. Essa é a opinião de María del Carmen Alanis, ex-magistrada do Tribunal Eleitoral do Poder Judiciário da Federação, que usou esse tipo de evidência em casos de violência política em razão de gênero.
Vários dos jornalistas consultados afirmam que a imprensa não é nem a polícia nem o Ministério Público para combater a violência e o crime. No entanto, concordam que, ao acompanhar as investigações para que os casos não se percam na impunidade, além de insistir das autoridades transparência, acesso à informação e justiça rápida e eficiente, é uma maneira de contribuir desde o exercício ético da profissão.
Para Adela Navarro, diretora-geral da revista semanal Zeta, cuja sede fica na cidade fronteiriça de Tijuana, Baja California, o papel da imprensa é revelar a informação que o governo está ocultando: “fazemos um jornalismo de análise, investigação, contestatário: tentamos dizer à população quem são as pessoas que nos estão prejudicando como sociedade.”
“O compromisso deve ser divulgar a informação e contribuir para a maturidade de uma sociedade informada para que, no momento de tomar decisões, as pessoas considerem essas posições. Então acredito que, nesse sentido, podemos ser parte dessa sociedade que está exigindo mudanças, que está exigindo que os governos se comportem à altura, investiguem e façam seu trabalho para que saiamos dessa insegurança e dessa violência na qual temos vivido nos últimos anos.”
No entanto, esse trabalho tem suas consequências, e não tem sido fácil para o semanário Zeta. Nos 38 anos desde a sua fundação, três de seus jornalistas foram assassinados e seu fundador, Jesús Blancornelas, sobreviveu a um ataque em 1997 quando foi atingido por quatro disparos, embora seu motorista e guarda-costas não tenha tido a mesma sorte.
Com 144 jornalistas assassinados desde o ano 2000, o México é o país mais perigoso das Américas para a profissão. Ana Cristina Ruelas, diretora regional da Artigo 19 para o México e a América Central, afirma que “é um país sem uma guerra declarada em que o trabalho jornalístico precisa constantemente enfrentar agressões, assassinatos, desaparecimentos e disparos”.
Ainda assim, há esforços para exercer um jornalismo de investigação, de denúncia, de esperança e de soluções. Trabalhadores da imprensa no México tem encontrado mecanismos para se proteger no exercício da profissão, às vezes escolhendo abertamente por “zonas de silêncio” - em outras palavras, autocensura para proteger sua segurança e suas vidas.
Em alguns meios se opta por assinar coletivamente: as reportagens trazem o nome da redação do meio, ajudando a resguardar ps repórteres dos holofotes e do perigo. Redes também foram criadas para realizar investigações colaborativas para gerar uma resistência e vencer o medo.
Por decisão editorial também se optou por não reproduzir as mensagens deixadas pelo crime organizado, que são colocadas em notas sobre corpos mutilados, ou naquilo que no México se conhece como "narco mantas", que são penduradas em pontes, muitas vezes ao lado de corpos sem vida.
Mas o narcotráfico tem encontrado uma maneira de divulgar sua mensagem. O crime organizado se apropriou de meios, faz seus próprios comunicados, envia mensagens e vídeos em grupos do Whatsapp. “As redes sociais tornaram-se o canal de alta velocidade e baixo risco para o crime organizado”, explica o jornalista Urbano Barrera, que cobre questões de segurança há 25 anos.
Barrera diz que o crime organizado se infiltrou em diferentes esferas de poder: são peritos, policiais, estão à frente de instituições e assim, quando um jornalista começa a investigar, ele é imediatamente identificado. “Os meios nacionais podem esconder, até certo ponto, nós podemos nos camuflar nos centros urbanos. Mas nas províncias, onde todos os nossos colegas são claramente identificados, onde se sabe onde vivem e a que famílias pertencem, eles não têm a opção de publicar”.
Mas tornar pública a informação, abrir espaços para esclarecer a verdade sobre graves violações de direitos humanos, desde um jornalismo que implique investigação aprofundada, análise contextual, análise de atores, consolidar bases de dados, estabelecer a agenda do debate público e escrever os primeiros rascunhos da história é uma das principais funções da imprensa, especialmente no contexto da violência no México, segundo os especialistas consultados.
“Há formas inteligentes, conciliatórias e responsáveis, nas quais talvez possamos evitar criar mais confrontos”, diz Marcela Turati, fundadora da Red de Periodistas de a Pie e do Quinto Elemento Lab, uma organização que incentiva o jornalismo investigativo.
“Entre as coisas que a imprensa pode fazer e pelas quais pode ser responsabilizada é que a informação tenha contexto, que explique às pessoas o que está acontecendo e por que, na medida do possível, porque quando há violência, tudo fica envolto em uma névoa.”
Turati também enfatiza a importância de mostrar a lógica por trás da violência, e não apenas publicar histórias de horror, mas também tentar encontrar padrões, coisas que possam ajudar as pessoas. Outra coisa que pode ser feita, diz ela, é publicar histórias que espelhem experiências similares às que estamos vivendo e que ocorrem em outras cidades, outros Estados e outros países.
“Que nossas investigações sejam sobre o possível, do que podemos aspirar para não nos deixar cair no desespero, de modo que nem tudo o que vejamos nas notícias seja horrível e paralise as pessoas. Em vez disso, que lhes ajudem a refletir sobre possíveis maneiras de intervenção e que as pessoas possam exigir do governo uma mudança de estratégia ou possam fazer escolhas informadas.”
Por sua parte, Sergio Aguayo, professor no Colégio de México, colunista, promotor dos direitos humanos e da democracia, concorda com a necessidade de conter os violentos, explicando-os, porque na medida em que entendemos a lógica dos violentos podemos dar informação àqueles que formulam políticas públicas ou às vítimas que procuram seus familiares. Também é importante empoderar os pacíficos, dando-lhes informações.
Aguayo acredita que há histórias que precisam ser contadas e por enquanto não são suficientemente representadas nos meios de comunicação. "Um déficit que tivemos nos meios de comunicação tem a ver com o fato de que não informamos o suficiente sobre esses processos de paz."
Ele acrescenta que mais deve ser reportado sobre experiências concretas, sobre o que já está sendo feito.
"Na minha experiência, a sociedade mexicana não permaneceu com os braços cruzados, não é passiva, fez o que pôde para se defender, às vezes com sucesso, às vezes sem sucesso e pagou um enorme custo em vidas. Essas são as histórias que devemos contar também."
*Elva Narcia é fundadora da Glifos Comunicaciones. Trabalhou por 15 anos na BBC em Londres como produtora, editora, correspondente e capacitadora de jornalistas. Seu trabalho mais recente foi para o Internews em Afeganistão, Paquistão e Sudão do Sul. Especializou-se em desenho e gestão de projetos de comunicação para o desenvolvimento e para a mudança social.