Esta história é parte de uma série sobre Jornalismo de Inovação na América Latina e Caribe (*)
Os projetos inovadores de jornalismo na América Latina que usam tecnologias de realidade virtual e vídeo de 360 graus ainda não geram renda para os meios de comunicação, mas colaboraram para ampliar as audiências, principalmente entre o público mais jovem, segundo jornalistas envolvidos na sua produção.
A primeira parte desta matéria abordou as primeiras experiências com realidade virtual e vídeos 360 realizadas por meios de comunicação da América Latina. Nesta segunda parte voltamos a falar com Todo Noticias da Argentina, Diario Financiero do Chile e TV Globo do Brasil para analisar as plataformas de distribuição, a audiência e o modelo de negócio desses projetos inovadores.
Ainda que os meios de comunicação costumem publicar seus vídeos 360 em seus próprios sites, tanto Diario Financiero como Todo Noticias e TV Globo concordam que, no momento, os meios mais efetivos de difusão desse produto são as mídias sociais, principalmente Facebook e YouTube.
Ambas mídias sociais oferecem vantagens e desvantagens para os vídeos 360. YouTube permite o uso de cardboards para uma experiência totalmente estereofônica, uma possibilidade que Facebook não dispõe. No entanto, a mídia social de Mark Zuckerberg é a que proporciona a difusão em grande escala.
“Nós percebemos que podíamos publicar os vídeos 360 no Facebook, porque mesmo que o YouTube já tenha o conteúdo, o nosso tráfego vem pelo menos 40% ou 50% do Facebook,” afirmou Federico Willoughby, do Diario Financiero. “Quando colocamos os vídeos no Facebook eles chegam a um público que talvez esteja conhecendo o Diario Financiero por meio destes vídeos em 360. Acho que o Facebook é muito bom para movimentar conteúdo, tem mais impacto. Por ora estamos apostando mais no Facebook que no YouTube.”
Ainda que seja muito prematuro falar de um benefício econômico diretamente ligado aos vídeos em 360 graus, o impacto que este novo produto tem nas mídias sociais tem significado um outro tipo de lucro para as empresas: o aumento da audiência.
“Um ano depois do primeiro vídeo, já temos quase 2,5 milhões de views dos nossos vídeos 360. A visualização de vídeos superou 50%. Isto é, as pessoas estão vendo mais da metade do vídeo, e uma grande parte termina de assistir o conteúdo. Isso não costuma acontecer com os vídeos nas mídias sociais”, contou Juan Ignacio Sixto, de Todo Noticias.
No caso do Diario Financiero, do Chile, a audiência em seu site de vídeos aumentou 120% desde junho, quando lançaram o seu primeiro vídeo 360. Além disso, os seus seguidores no Facebook estão crescendo a um ritmo de 12% ao mês. O veículo não descarta que esse incremento de popularidade na rede possa se traduzir rapidamente em benefício econômico, por meio de coalizões com outras empresas.
“O mais importante é que DF Videos está sendo montada como uma unidade de negócios que, por um lado, atrai audiência e permite vender publicidade, mas, por outro lado, estamos fechando parcerias com bancos e outras instituições para fazer programas dentro da DF Videos. Esse tipo de venda de produtos é mais fácil quando mostramos as inovações que fazemos e onde queremos chegar”, explicou Federico Willoughby.
Da mesma forma, Todo Noticias usou a aliança com outras empresas na Argentina como estratégia para expandir o alcance do seu conteúdo em 360 graus: a televisão se uniu à empresa de telefonia Movistar e à rede de equipamentos eletrônicos Garbarino para que elas fossem as distribuidoras dos seus cardboards oficiais.
“Primeiro entendemos a ferramenta e a forma de contar histórias, depois conseguimos a audiência e agora estamos capitalizando a possibilidade de expandir, de dar mais conteúdo, de ter colaboração comercial para que isso também possa significar um negócio para a empresa, uma fonte a mais de renda e principalmente que nos permita fazer novos investimentos na nossa equipe,” disse Juan Ignacio Sixto.
Depois dessas primeiras tentativas de apresentar para a sua audiência a experiência de imersão, as empresas de mídia têm o objetivo de integrar os vídeos 360 às pautas diárias, tanto jornalísticas como de entretenimento, que justifiquem o uso da câmera 360.
“Em cada nova tecnologia é comum dar muita atenção somente à tecnologia, mas não ao conteúdo, eu acredito que isso deve mudar. As pessoas vêem os vídeos 360 porque eles as fazem sentir algo. Se não encontramos as histórias corretas, a novidade passará em alguns meses. Precisamos encontrar histórias realmente boas e como contá-las,” afirma Eduardo Acquarone.
Além de integrar os vídeos 360 às redações dos meios de comunicação da América Latina, há o desafio de superar as barreiras econômicas e tecnológicas típicas da região. Em uma época em que as empresas de mídia fazem mais cortes de funcionários do que contratam, é ainda mais difícil dar impulso para inovações como os vídeos de imersão e a realidade virtual.
“Nos últimos dois anos passamos por momentos difíceis no Brasil, então provavelmente não contrataremos funcionários para realizar os vídeos 360. Precisamos fazer isso com as pessoas que já estão na redação. Precisamos criar um bom fluxo de trabalho para fazer desse produto algo de valor para a empresa,” considerou Acquarone sobre a situação na TV Globo.
Soma-se a isso o problema de conexão na América Latina, bem como de capacidade dos servidores. Na TV Globo, a demanda dos seus vídeos online é tão alta que supera a capacidade dos seus servidores. Por isso, precisam recorrer a servidores externos de empresas como Amazon, o que significa um custo extra para a televisão.
“O desafio é conseguir que as pessoas acessem com facilidade o conteúdo e evitar que tenham problemas de conexão e se frustrem. O medo que temos como criadores é que as pessoas tenham uma experiência ruim e condenem a plataforma. Esse é o risco de fazer algo novo: que as pessoas não consigam consumir o conteúdo de forma plena”, disse Juan Ignacio Sixto.
No entanto, as empresas de mídia concordam que o principal desafio é o uso responsável dos vídeos 360 em relação à audiência, assim como assumir as mudanças culturais que essas novas tecnologias representam para o jornalismo tradicional.
“Há uma missão de gerar novidade e inovar, testando novas tecnologias, para ver até que ponto isso cabe no DNA do seu veículo. A câmera 360 faz parte da inovação de um jornal que tem que estar a par das tecnologias para tentar atrair novas audiências. Não acho que os vídeos 360 sejam um luxo ou uma excentricidade. É algo necessário que vai se pagar com o tempo,” considerou Federico Willoughby.
Colocar a audiência no local e no ambiente dos fatos noticiosos pode ser uma faca de dois gumes: enquanto um vídeo de imersão pode ajudar o público a entender os fatos com mais claridade, também pode ser uma experiência desagradável, principalmente no caso de notícias trágicas ou violentas.
“Eu acho que a imersão é algo muito poderoso. Por um lado é importante que a audiência se veja imersa no ambiente da notícia, mas temos que escolher os temas muito bem. As pessoas podem não gostar do que estão vendo, não porque o vídeo seja ruim, mas porque estão sendo colocadas em uma realidade que pode ser muito dura,” disse Acquarone. “Temos que estar conscientes das diferentes reações que o usuário pode ter. Acredito que os vídeos 360 são muito poderosos, por isso devemos ter cuidado.”
Usados no jornalismo ou no entretenimento, o objetivo dos vídeos 360 será transformar a câmera nos olhos do público, sem a mediação de um jornalista como narrador dos fatos. Isto é, colocar a audiência em primeira pessoa, de forma que os protagonistas e os testemunhos falem diretamente com ela.
“Ainda há um grande caminho para percorrer na parte tecnológica, mas acho que o potencial do conteúdo nós já vimos. Estamos caminhando ao lado do desenvolvimento tecnológico, então não sabemos bem o que vai acontecer. Mas eu acredito que o potencial está na forma de contar histórias, na possibilidade de colocar as pessoas no lugar do outro, no local onde ocorrem as coisas”, concluiu Juan Ignacio Sixto.
Diario Financiero – Revista Capital
(*) Esta história é parte de um projeto especial do Centro Knight que é possível graças ao apoio generoso da Open Society Foundations. A série "Jornalismo de Inovação" cobre novas tendências de mídias digitais e melhores práticas na América Latina e Caribe.
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Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.