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Realidade virtual na América Latina: apresentando ao público uma nova forma de ver o mundo

Esta é a primeira parte de um artigo sobre iniciativas de realidade virtual e vídeos 360 na mídia latino-americana.

Esta história é parte de uma série sobre Jornalismo de Inovação na América Latina e Caribe (*)​


Em 1895, pela primeira vez em público, os irmãos Louis e Auguste Lumière usaram o cinematógrafo para mostrar imagens em movimento em uma tela. Eles conseguiram desenvolver a invenção após várias tentativas fracassadas.

O público presente na exibição reagiu com descrença ao ver seqüências como a famosa chegada de um trem a uma estação. As pessoas ficaram fascinadas ao ver as cenas como se estivessem acontecendo de verdade.

Uma vez que o público se habituou a esta nova experiência e à existência da "realidade" refletida na tela, a novidade foi superada pela necessidade de contar histórias mais complexas e interessantes que, com o passar dos anos, deram origem aos filmes que conhecemos hoje.

Estamos vivendo uma situação semelhante hoje, 121 anos após o cinematógrafo, com a introdução do vídeo 360. Enquanto meios de comunicação como o New York Times ou a BBC estão na vanguarda do uso do chamado "jornalismo imersivo", o gênero ainda está em nível experimental na América Latina.

Três importantes organizações de mídia na região que se aventuraram no uso de vídeos 360 compartilharam suas experiências sobre seus projetos neste campo com o Centro Knight: Diario Financiero, do Chile; Todo Noticias, da Argentina; e a TV Globo, do Brasil.

"Nossa primeira estratégia foi tentar gerar uma experiência em 360 graus que nos permitisse ensinar ao público que a ferramenta existe, que a tecnologia existe e que eles podem usufruí-la e consumi-la. Mas para isso precisamos "evangelizá-los", e é por isso que começamos a trabalhar com o conteúdo "experiencial". Ao invés de irmos longe e nos envolvermos com a notícia documental e profunda, tivemos que ensinar as pessoas "como o trem chegou à estação"", disse ao Centro Knight Juan Ignacio Sixto, chefe da equipe de 360 e Realidade Virtual do Todo Noticias. Ele é um dos primeiros meios de comunicação latino-americanos a se aventurar nesta tecnologia.

O vídeo 360 e a realidade virtual são baseados no mesmo conceito: as imagens, gravadas de forma omnidirecional, permitem ao usuário contemplar uma cena como se estivesse no centro dela. Assim, ele pode ver o que acontece em todas as direções: para a frente, para trás, para a direita, para a esquerda, para cima ou para baixo.

No caso dos vídeos 360, eles podem ser vistos como qualquer outro audiovisual, de um dispositivo móvel ou PC. A diferença para um vídeo normal é que o usuário pode 'mover-se' através do vídeo - com o cursor ou simplesmente movendo o celular - para ver a cena em todas as direções possíveis.

Estes vídeos imersivos, também chamados esféricos, podem ser vistos por meio de visualizadores ou de capacetes especiais que bloqueiam a visão toda do usuário. As opções vão desde óculos simples feitos de papelão do Google (os cardboards) até equipamentos mais sofisticados como o Oculus Rift ou o PlayStation VR, entre outros. Quando discutimos realidade virtual, estamos falando sobre como usar estes dispositivos para assistir a vídeos esféricos. A experiência da realidade virtual é muito mais imersiva, já que o usuário está totalmente confuso com imagens e som, e tem que se mover para mudar o ângulo de visão.

Para a Todo Noticias, a incursão em vídeos 360 aconteceu em 2015, em meio à cobertura das eleições presidenciais. Sixto se juntou a um diretor de cinema e a um especialista em edição e animação para fazer as primeiras tentativas com vídeo imersivo.

"O primeiro trabalho que publicamos foi a filmagem nos bastidores de um de nossos noticiários. Fizemos as primeiras experiências nos nossos estúdios de TV, para podermos ter controle total da luz, do áudio e da disposição das pessoas, antes de partirmos para um terreno hostil ", disse Sixto. "Depois desse momento, a estratégia foi gerar audiência, gerar conhecimento para explorar o desenvolvimento, a maneira de contar uma história assim e a forma de usar as redes sociais, onde as pessoas mais do que nunca têm encontrado esse conteúdo e navegado de uma maneira mais natural."

Ao primeiro vídeo 360, seguiram-se entrevistas com candidatos à presidência no estúdio da Todo Noticias, onde o usuário podia ver tanto a cena que apareceu na televisão, quanto poderia virar-se para ver as câmeras e equipe técnica.

Para mostrar ao público as vantagens da nova ferramenta - ou "evangelizá-los", como disse Sixto - a equipe da Todo Noticias decidiu distribuir 'cardboards', máscaras feitas de papelão com um sistema interno de lentes desenvolvidas por empresas como o Google. Os espectadores colocam seus smartphones no cardboard para uma experiência melhor de imersão.

"Queríamos dar às pessoas as ferramentas necessárias para tirar o máximo proveito da experiência 360, porque a imersão, o que achamos ser a parte mais valiosa dessa ferramenta, não pode ser totalmente alcançada a menos que você use o cardboard ou um capacete especial", disse Sixto.

O jornal chileno Diario Financiero realizou um projeto semelhante: no 20º aniversário de sua publicação irmã Revista Capital, os assinantes receberam um cardboard de presente e o site da publicação lançou uma série de ​​vídeos 360 que usavam a tecnologia.

Além de celebrar o aniversário, o objetivo da estratégia foi acostumar o público à experiência de vídeos 360 para lançar clipes semanais na DF TV, a plataforma de vídeo da publicação.

"Não só fizemos nossos vídeos em 360, também compilamos vídeos na internet e colocamos no site para que nosso público pudesse usar o cardboard e experimentar um pouco o futuro. Foi um assunto muito inovador", disse Federico Willoughby, gerente de mídia digital do Diario Financiero, ao Centro Knight.

Embora o vídeo 360 esteja em fase experimental, o Diario Financiero e a Todo Noticias concordam que o investimento nessa tecnologia não foi tão alto em relação ao potencial oferecido pela nova ferramenta. Além disso, ambas as empresas confiaram no capital técnico e humano que já tinham para impulsionar a produção de vídeos imersivos.

"Nós percebemos que ter uma câmera de 360 graus não era muito caro e que essa tecnologia, que parecia distante, já estava disponível. Investimos menos de mil dólares", disse Willoughby.

No caso da Todo Noticias, o principal investimento foi em câmeras GoPro e no software necessário para juntar as imagens capturadas por cada uma delas. Os vídeos são feitos com várias câmeras sincronizadas, que formam uma tela de 360 graus. Mais tarde, esses vídeos são processados, após passarem por uma edição linear, pela pós-produção e, em seguida, por uma renderização final.

"É por isso que um vídeo de 3 minutos pode levar três ou quatro dias apenas na pós-produção. Na Todo Noticias, no entanto, contamos com o apoio de cinegrafistas do canal e de técnicos de som. Estamos em um lugar onde podemos levantar a mão e pedir ajuda", acrescentou Juan Ignacio Sixto.

A equipe liderada por Sixto decidiu ir mais longe em seus experimentos e incorporar metadados e imagens geradas por computador (CGI) nos vídeos 360. A equipe adicionou gráficos e caixas com outros vídeos na visualização panorâmica de seus vídeos.

"Fizemos 2 reconstruções da história argentina em colaboração com pessoas de todo o canal, escritores, narradores, e assim por diante. Esses vídeos também exigiram pós-produção e animação dentro do 360, algo mais avançado que exige muitas horas de trabalho e um computador com grande capacidade", disse Sixto. "Demos um salto maior na animação, diretamente com o CGI, trabalhando com uma equipe externa ao canal".

Como a Todo Noticias, outras mídias também optaram por colaborar com empresas externas para desenvolver vídeos 360, como no caso da TV Globo, que começou a experimentar com esse tipo de vídeo em 2015.

Os primeiros vídeos 360 da TV Globo foram do Carnaval, evento em que as vantagens visuais da ferramenta panorâmica poderiam ser bem exploradas. Dois anos depois, o time recorreu ao 360 novamente para um acontecimento de hard news: a tragédia causada por um derramamento de resíduos tóxicos no Rio Doce, que resultou na destruição de várias cidades no estado de Minas Gerais, Brasil.

Para essa cobertura, a Globo contou com o trabalho de Charles Boggiss, diretor da start-up brasileira UView360, especializada na produção de vídeos de 360 graus e realidade virtual, que já colaborou com redes internacionais como a CCTV, na China.

"Uma grande área foi afetada nesse desastre, então pensamos que os vídeos 360 eram uma boa maneira para as pessoas entenderem a magnitude do que aconteceu lá. Acho que foi um uso interessante da tecnologia", disse Eduardo Acquarone, editor de projetos especiais da divisão de notícias da TV Globo, ao Centro Knight. "Nosso próprio repórter operou a câmera. Normalmente os repórteres de televisão não operam câmeras, mas as câmeras 360 são dispositivos fáceis para gravar. Isso gerou experiências diferentes para toda a equipe."

A segunda parte deste artigo analisará as plataformas de distribuição, o público e o modelo de negócios de projetos de realidade virtual e vídeos 360 na mídia latino-americana.

 

Diario Financiero – Revista Capital

  • Assista aos vídeos 360
  • Chile
  • Data de início do projeto: Junho de 2016
  • Distribução de cardboards
  • Investimento: menos de $1,000
  • Responsável: Federico Willoughby, director de mídia digital do Diario Financiero

Todo Noticias

  • TN 360 (Canal do YouTube)
  • Argentina
  • Data de início do projeto: 2015
  • Distribução de cardboards
  • Investimento: câmeras GoPro e software de edição
  • Responsável: Juan Ignacio Sixto, chefe do time 360/Virtual Reality do canal Todo Noticias

TV Globo

  • Brasil
  • Data de início do projeto: 2015
  • Eduardo Acquarone, editor de projetos especiais da divisão da TV Globo

(*) Esta história é parte de um projeto especial do Centro Knight que é possível graças ao apoio generoso da Open Society Foundations. A série "Jornalismo de Inovação" cobre novas tendências de mídias digitais e melhores práticas na América Latina e Caribe.

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Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.