Mostrar a face mais humana dos jornalistas e conectar suas histórias pessoais com as de seu público é um dos desafios do novo podcast da Revista Elementos, de El Salvador.
Sob o título Misceláneo, a equipe da revista especializada em jornalismo em profundidade publicou a primeira temporada de um podcast que narra a jornada de quatro jornalistas salvadorenhos.
"Nos últimos anos, sob o governo atual, temos recebido muitos ataques do governo que fazem com que [jornalistas] pareçamos pessoas negativas. De fato, nos colocaram na mesma cesta que os membros da oposição e nos fizeram parecer seus inimigos. Sempre mantendo o discurso do bem e do mal", disse Maite Portillo, coordenadora multimídia da revista Elementos, à LatAm Journalism Review (LJR).
Segundo Portillo, uma das motivações para a criação desse podcast é contrabalançar os ataques à imprensa salvadorenha e fazer com que "o público veja que, além do personagem que investiga, além do personagem que reporta, há uma pessoa que tem uma história de vida e que sofre as consequências de querer fazer a coisa certa".
A Associação de Jornalistas de El Salvador denunciou que, sob o atual governo do presidente Nayib Bukele, a profissão de jornalista tem sido criminalizada no país.
Além disso, de acordo com dados da associação, em 2022 foi registrado um total de 147 violações e 161 ataques a jornalistas. Sem contar os relatos de que os telefones de 35 jornalistas e membros da sociedade civil foram infectados com o programa de spyware Pegasus entre julho de 2020 e novembro de 2021.
A Revista Elementos foi fundada no final de 2021 pelos jornalistas Luis Canizales e David Ernesto Pérez e a ideia por trás de sua criação, segundo Portillo, é revelar e explicar, por meio de suas investigações jornalísticas, o que está acontecendo em El Salvador.
Segundo Maite Portillo, coordenadora multimídia da revista Elementos, uma das motivações para criar o podcast Misceláneo é combater os ataques que a imprensa salvadorenha tem sofrido (Foto: Revista Elementos)
Para realizar o podcast, eles contaram com o apoio da plataforma de ativismo digital Inspiratorio (uma iniciativa da organização sem fins lucrativos Puentes, com sede na Colômbia e na Espanha) que, por meio da segunda edição de seu acampamento virtual para jornalistas, forneceu à Revista Elementos financiamento e apoio para a elaboração, o desenvolvimento e a divulgação do podcast.
Paloma Martínez, cocoordenadora da Intrasentido [organização parceira da Inspiratorio.org no México], disse à LJR que eles criaram o acampamento virtual com o objetivo de promover a experimentação de narrativas e a colaboração com jornalistas de várias partes da América Latina.
“Este ano o acampamento foi realizado de 12 a 28 de setembro de 2023 e participaram jornalistas do México, Equador, Argentina e El Salvador. A ideia é que haja cinco semanas de treinamento para cinco organizações, que receberão um subsídio de US$ 5 mil para realizar seu trabalho. Já estamos preparando o acampamento virtual do próximo ano e a chamada para inscrições será publicada no site do Inspiratorio.”
Em seu site, Inspiratorio afirma que, por meio da “criação coletiva de narrativas alternativas, diversas e esperançosas, podemos desafiar os interesses dominantes que estabeleceram narrativas sobre o mundo, perpetuando e normalizando a injustiça, a opressão e a desigualdade. Em comunidade, é possível reescrever essa história.”
Apesar de mais de 10 anos trabalhando como jornalista em El Salvador, esta é a primeira vez que Astrid Mejía se atreve a contar sua história pessoal.
No podcast, ela faz uma viagem desde sua infância na área rural de Chalatenango, no norte de El Salvador, até se tornar uma jornalista de destaque especializada em futebol e lidar com os desafios enfrentados pelas mulheres no jornalismo esportivo.
"Astrid Mejía, o futebol, o jornalismo e a luta de gênero em El Salvador" é um dos episódios da primeira temporada do Podcast Misceláneo. (Imagem: Revista Elementos)
"O que eu reprovo na carreira é que ela mutilou muito do que eu sentia como fã de esportes, especificamente de futebol. Quero dizer, ir ao campo como espectadora e depois ir ao campo como jornalista são experiências totalmente diferentes. E se eu tivesse que escolher uma ou outra, eu escolheria a primeira", disse Mejía no episódio intitulado "Astrid Mejía, futebol, jornalismo e a luta de gênero em El Salvador".
Mejía disse à LJR que, apesar de não estar acostumada a ser a protagonista das histórias, ela se sentiu muito à vontade com a entrevista e as perguntas que lhe foram feitas.
"É necessário mostrar esse outro lado, porque corremos muito com essa ideia de que o jornalista é cético, que nada permeia o jornalista. É como remover um pouco dessa forma de pensar e mostrar esse nosso lado e dizer que você é uma pessoa normal como qualquer outra, com uma história", explicou Mejía. "Outras pessoas também podem se ver refletidas em sua história e ouvir como foi difícil para você alcançar certas coisas", acrescentou.
Mas Mejía não é a única jornalista salvadorenha que se atreveu a participar do podcast. A primeira temporada do Misceláneo também contou com depoimentos de Carlos Hernández Cruz, jornalista que faz parte da comunidade LGBTQIA+; Mónica Rodríguez, ex-jornalista de televisão; e Metzi Martel, jornalista feminista.
Os criadores do podcast Misceláneo levaram em média dois meses para dar forma às quatro histórias apresentadas na primeira temporada. Eles também querem fazer uma segunda temporada.
No entanto, no momento, estão concentrados em promover a primeira temporada e esperam conversar com organizações não governamentais no início do próximo ano para divulgar as histórias publicadas.
"Queremos mudar o discurso de ódio contra jornalistas, o discurso que diz que jornalistas são mentirosos e vendidos, para um discurso mais próximo da realidade", disse Portillo.
Misceláneo foi lançado em novembro e está disponível no Spotify.
