Por Mariana Muñoz
Uma agência do governo do Equador que regula o conteúdo dos meios de comunicação, dita as manchetes e as correções que as organizações de notícias devem publicar, e que distribui multas àqueles que se atrevem a desobedecê-la acaba de celebrar seu segundo aniversário e anunciar mudanças na polêmica lei de comunicação do país.
Apesar da firme crítica vinda de organizações nacionais e internacionais dedicadas a defender a liberdade de expressão e de impresa, o governo equatoriano está feliz com o trabalho desta agência sem precedentes, chamada Superintendência de Informação e Comunicação e conhecida pela sigla Supercom.
“Creio que hoje, mais do que nunca, existe neste país uma verdadeira liberdade de expressão”, afirmou Carlos Ochoa, diretor da Supercom.
Nos últimos dois anos, Ochoa e sua equipe executaram mais de 500 processos contra meios de comunicação, sancionaram 313 empresas midiáticas e impuseram multas que chegaram a quase 274 mil dólares.
Em 23 de junho, a Supercom anunciou que a entidade está revisando um documento de propostas de reformas à Lei Orgânica de Comunicação (LOC) que será entregue no final do ano.
Algumas das reformas propostas incluem a figura da “mediação” entre as partes envolvidas em uma disputa para que possam chegar a um acordo e evitar sanções; estabelecer sanções graduais em uma escala de 1 a 10 que dependerão de “determinadas condições”; e a possibilidade de que os meios de comunicação incluam programação educativa no lugar do pagamento de multa.
Contudo, nas últimas semanas, vários meios de comunicação foram sancionados pela Supercom e se viram obrigados a publicar réplicas e correções.
Em sua edição de 23 de junho, o jornal La Hora publicou uma réplica com a manchete e a matéria previamente diagramada pela Secretaria Nacional de Comunicação (Secom), informou Fundamedios. O jornal disse em um editorial que o havia feito sob protesto e que considerava o ato uma humilhação para o veículo, os editores e os jornalistas.
La Hora havia publicado uma matéria original sobre a proposta de um imposto e sua relação com a classe média em 27 de maio, e recebeu a petição de réplica quase um mês depois. A diretora geral do Serviço de Receitas Internas pediu uma réplica “pelas supostas inconsistências e tergiversação de alguns dados contidos na matéria”, de acordo com Fundamedios. O pedido acompanhava uma carta e um CD da Secom com a réplica que a publicação deveria publicar, já com o título, o texto e a diagramação da matéria estabelecidos.
Não obstante, La Hora não foi o único meio a chamar a atenção da Secom nas últimas semanas.
Em 22 de junho, o jornal El Comercio publicou uma retificação com título e diagramação enviada pela Secom. A correção se referia a um artigo publicado em 16 de junho sobre um discurso dado pelo presidente da república, Rafael Correa, informou Fundamedios.
Em maio e junho, o jornal Expreso teve problemas com a Supercom em duas ocasiões por uma matéria sobre outra agência do governo, publicada em 29 de abril, que dizia que o presidente do Conselho Diretivo do Instituto Equatoriano de Seguridade Social (IESS) tinha problemas em dissipar os protestos dos pensionistas.
Uma primeira retificação foi publicada em 1º de maio. Porém, o funcionário da agência governamental denunciou que a publicação não viabilizou a correção nos termos estabelecidos na lei.
Expreso foi obrigado a publicar uma desculpa pública e pagar uma multa equivalente a 10% de seu faturamento médio nos últimos três meses. Em 21 de junho, o jornal publicou a retificação que incluía o título e a diagramação impostos pelo presidente do IESS.
Quase uma semana antes, El Universo foi sancionado com uma multa equivalente a 10% de seu faturamento médio dos últimos três meses (aproximadamente 350.000 dólares) por supostamente não cumprir a LOC ao não publicar uma réplica de uma historia do IESS como exigia este instituto. Dois dias antes, o jornal publicou um editorial dizendo que estava exercendo seu direito de resistência.
Além de meios de comunicação, a Secom também mirou na organização Fundamedios, que em 24 de junho recebeu um ofício observando que ela havia se "desviado" de seus fins estatutários pra tomar "posições de caráter notoriamente" político. Fundamendios é uma ONG que monitora as ameaças aos jornalistas e à liberdade de expressão no país.
“No ofício são citadas causas de dissolução estabelecidas no decreto executivo No. 16, e se ameaça Fundamedios por sua ‘clara intenção de se colocar como um ator político que busca gerar suspeitas na opinião pública sobre temas que não são de sua competência’”, informou Fundamedios.
César Ricaurte, diretor-executivo de Fundamedios, disse que a organização não é partidária, mas realiza um trabalho que “tem um interesse público evidente”.
“Vamos seguir emitindo alertas, goste a Secom ou não. Se nos fecharem, seguiremos trabalhando de nossas casas. Se vierem com a polícia fechar nosso escritório, estaremos aqui, aqui vão nos encontrar”, disse Ricaurte.
Quando a LOC foi aprovada em 2013, a Supercom foi criada para regular os meios de comunicação do país.
Por uma carta oficial enviada ao Estado do Equador em 2013, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) analisou algumas disposições da LOC que poderiam restringir o direito à liberdade de expressão.
Organizações internacionais de imprensa também se uniram para chamar atenção sobre os problemas da LOC e da Supercom.
Em 16 de junho, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) pediu à comunidade internacional, em especial à Assembleia Geral da OEA, maior atenção para este tema para denunciar “o flagrante atropelo do governo de Rafael Correa contra ao direito do público a estar informado, contra o trabalho livre dos jornalistas e contra os meios de comunicação privados e independentes de seu país”.
A Supercom emitiu um comunicado afirmando que executou 506 processos e que emitiu 313 resoluções durante seus dois primeiros anos. Em 185 casos destos 313, os demandados receberam punições econômicas.
Fundamedios apoiou a realização de dois estudos, um dos quais analisou 269 casos apresentados à Supercom. O estudo encontrou que dos 143 processos com resolução, “49 foram iniciados pela Supercom e todos terminaram em sanção”. Nos casos em que foram impostas sanções, apenas um era de um veículo público, enquanto que as outras 142 sanções foram impostas a meios privados, segundo a organização. Além das monetárias, as sanções mais comuns são os pedidos de desculpa ou retificação.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.