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“Só o trabalho da imprensa pode garantir um pouco do direito à verdade”: Site de jornalismo investigativo de Honduras apura assassinatos de colegas

Quando o jornalista hondurenho Gabriel Hernández foi assassinado em 17 de março de 2019, a equipe de Reporteros de Investigación sabia que deveria investigar o caso. Hernández caminhava em direção a sua casa no município de Nacaóme, departamento de Valle, quando uma pessoa atirou nele seis vezes.

O comunicador de 54 anos trabalhava para o canal Valle TV e era diretor e apresentador do programa “El Pueblo Habla”, onde criticava abertamente o prefeito e os deputados do departamento. Em 2015, ele havia recebido ameaças e agressões da polícia, mas quando solicitou medidas de proteção, elas foram negadas. “Não se qualifica”, foi a resposta oficial, segundo o site jornalístico. Isso foi desmentido por um representante do Sistema de Proteção Geral, que disse à LatAm Journalism Review (LJR) por email que o sistema não estava ciente de ameaças contra o jornalista ou solicitações de proteção.

Serie de investigación Sicarios

Captura de pantalla de la serie Sicarios.

A investigação do crime, que se somou à apuração da morte um segundo jornalista, Edgar Joel Aguilar, ocorrida em 31 de agosto de 2019, levou Reporteros de Investigación a publicar diferentes séries. A última delas, Sicarios, segue as pistas de crimes contra jornalistas e outras personalidades.

“Na verdade, a série Sicarios fala sobre como há elites em conluio com o crime organizado no país para assassinar jornalistas e atores importantes do país”, explica Wendy Funes, diretora e fundadora da Reporteros de Investigación de Honduras, no documentário Élites Criminales. “O surpreendente é que são utilizadas maras, gangues e também alguns grupos armados do estado”.

O documentário, que mostra as principais descobertas de Sicarios e também o trabalho de Reporteros de Investigación em geral, foi lançado no cinema de Tegucigalpa na noite de 8 de dezembro e já está disponível no YouTube. O documentário faz parte de um projeto de longo prazo para fazer curtas-metragens que mostrem o perigo que os jornalistas enfrentam em Honduras.

Investigar os assassinatos e outras ameaças que os jornalistas enfrentam no país tem sido uma parte central do trabalho do Reporteros de Investigación desde sua criação em 2017, explicou Funes à LJR*.

"Queremos acompanhar isso [assassinatos de jornalistas] porque, na realidade, o que acreditamos é que enquanto não investigarmos, ninguém mais investigará: nem a polícia nem a promotoria, ninguém liga. Se a imprensa não investigar a imprensa, ninguém mais vai fazer”, diz Funes.

A sua declaração não está longe da realidade. Matar jornalistas em Honduras parece não ter consequências. Na última década, mais de 80 jornalistas foram assassinados e, de acordo com o Comisionado Nacional de los Derechos Humanos en Honduras (CONADEH) , 97% deles continuam impunes.

Muito dessa impunidade tem a ver com os autores intelectuais nunca serem processados. Com base em documentos vazados, a série Sicarios revela um suposto “mercado de pistoleiros financiado pelas elites no país”, segundo Funes, que acrescentou que isso não se verifica somente em crimes de jornalistas, mas também no de lideranças como Berta Cáceres. O crime contra Cáceres, uma mulher indígena e defensora dos direitos humanos, envolveu empresários, conforme a investigação criminal do caso. Porém, “para eles não há punição”, diz Funes.

“A assinatura criminosa mais clara da linhagem dos políticos que estão alimentando os matadores de aluguel se destaca no crime contra o jornalista Aníbal Barrow”, diz parte da primeira parte da série Sicarios. “Cinco anos depois que o ex-chefe da investigação criminal Carlos José Zavala Velásquez encontrou os corpos do jornalista e de seu motorista, decapitados, queimados e esquartejados, ele testemunhou perante o Tribunal Distrital do Sul de Nova York que 'corriam rumores de que Barrow havia sido assassinado por ordem de políticos corruptos altamente qualificados'. A prova encontra-se no arquivo 1: 2015-cr-00174-439818 daquele tribunal. O policial identificou [a organização criminosa] Los Cachiros como responsável pela morte de Barrow. “No entanto, ele foi realocado e, portanto, não pôde dar continuidade”, disse sua defesa perante este Tribunal”.

Equipo Reporteros de Investigación de Honduras

Equipo de Reporteros de Investigación de Honduras durante el lanzamiento del documental Élites Criminales. (Foto: Cortesía/ César Fuentes)

De acordo com a investigação de Sicarios, no crime contra Barrow, ocorrido em 2013, apenas os membros das ‘maras’ foram condenados, apesar de terem assegurado ao tribunal que tinham trabalhado com alguns políticos. Irregularidades desse tipo também foram constatadas no crime de Hernández – segundo alguns documentos, a polícia havia omitido depoimentos que envolveriam políticos da área.

Até o momento, segundo Funes, nem um único mandante de um crime contra jornalistas no país foi condenado. Por isso, ela está convencida de que a pouca justiça que pode ser alcançada só será possível por meio do jornalismo investigativo.

“Acredito que neste momento somente nós investigando o que está acontecendo é que pode nos salvar. Assim como fizeram os colegas dos jornalistas e da equipe do El Comercio [Equador] assassinados”, diz Funes. “Vivemos em uma região marcada pela impunidade. Já se passaram mais de 30 anos, por exemplo, de um dos assassinatos mais simbólicos da América Latina, que é o caso de Guillermo Cano [Colômbia], e ainda não está claro o que aconteceu com ele. [...] Então eu acho que só o trabalho da imprensa é que pode garantir um pouco de direito à verdade que os familiares e a sociedade em geral têm”.

Obstáculos ao jornalismo em Honduras vão além dos assassinatos

Como o próprio nome indica, Reporteros de Investigación se dedica a conduzir investigações e promover esse tipo de jornalismo. No entanto, algo que caracteriza a equipe de cinco jornalistas fixos e quase 12 freelancers é a ênfase na investigação de crimes contra jornalistas e, em geral, tudo que afete o exercício da liberdade de imprensa.

O trabalho jornalístico em Honduras enfrenta outros obstáculos além de assassinatos. Na série ‘Cárcel para la palabra’, por exemplo, a equipe relata a tendência, que vem ganhando força no país, que consiste em processar jornalistas por diversos crimes de difamação, até que possam ser presos.

“Eles aprenderam, ao levar David Romero para a prisão, que era mais eficaz acusar jornalistas por 30 crimes de difamação, por 100 crimes de difamação”, explica Funes. “Há um jornalista no momento, Milton Benítez, que tem 30 crimes de difamação. E, se somarem essas penas, como fizeram com David Romero, ele irá para a prisão”.

Romero cumpria pena de 10 anos de prisão por crimes contra a honra e crimes de difamação que constituem calúnia, segundo o C-Libre. Ele morreu no dia 18 de julho deste ano de COVID-19 depois de ficar internado por 13 dias.

Além dessa tendência de processos judiciais, se soma a desinformação que, segundo Funes, é criada pelo próprio governo para desacreditar a imprensa. Devido a este ambiente, os jornalistas têm dificuldade em cobrir um tema, são perseguidos, insultados tanto fisicamente como online.

Reporteros de Investigación producción documental

Durante la producción del documental Élites Criminales. (Foto: Cortesía/ Dunia Orellana)

“Na série ‘Cárcel para la palabra’, falamos sobre todos os riscos de ser jornalista e como podemos nos expor à prisão por ser jornalistas”, explica Funes. “Lá contamos, por exemplo, que há jornalistas exilados, que havia um jornalista preso, que era David Romero, e que há mais de 20 acusados. Também na mesma série está a questão da desinformação ”.

Reporteros de Investigación viveram eles próprios esses obstáculos. Um jornalista da equipe sofreu uma série de roubos em 2018 e, em 2019, o site foi vítima de ciberataques, bloqueios da sua página no Facebook e até campanhas de difamação. Por exemplo, queriam vincular o site com as ‘maras’, fato que foi relatado pela equipe ao Mecanismo de Proteção, segundo Funes.

Diante das investigações jornalísticas veiculadas pelo site, as autoridades têm a estratégia de ignorá-los, segundo Funes, "como se não existíssemos".

“Eu acho que é bom tornar isso visível, porque como eu disse, a estratégia deles é nos tornar invisíveis, e que a nossa mensagem não chegue até a população. E denunciar que existe realmente uma operação de traficantes de drogas que estão envolvidos com a política, e não tenho medo de dizer isso”, diz Funes. “Aqui os narcotraficantes estão envolvidos na política e também estão assassinando jornalistas. E não sabíamos disso até agora que estamos indo para as zonas, e que as pessoas falam sobre isso”.

A situação da imprensa em Honduras também foi destacada pela Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da CIDH. Em 2019, ela pediu publicamente que Estado investigue os crimes de Hernández e de José Arita, embora seu relatório indique que pelo menos 6 jornalistas foram assassinados no país naquele ano por causas relacionadas com seu trabalho e acrescentou que "seus autores materiais ou intelectuais ainda não foram identificados". A Relatoria Especial também destacou o grande número de jornalistas exilados, assim como o caso de David Romero, que contava com medidas cautelares da CIDH, e reiterou seu apelo ao Estado para que descriminalize os chamados delitos contra a honra.

Captura pantalla Reporteros de Investigación

Porém, para Funes, o acompanhamento dos casos pelos meios de comunicação e também pela comunidade internacional não é suficiente para o nível de violência vivido pelos jornalistas no país. Por isso, seu objetivo é que outros colegas se unam às investigações.

“Os assassinatos [de jornalistas] têm continuado [no país]. Ano passado fechamos com 80 [na última década] e este ano há organizações que falam em 85. Então os assassinatos continuam, mas parece que nada vai acontecer. Ou seja, as pessoas não percebem, a nível internacional não há tanto eco”, diz Funes. "Às vezes sinto que ninguém se importa com Honduras, que estamos sozinhos, gritando no deserto."

Por enquanto, o compromisso de Reporteros, como disse Funes na abertura do documentário, é “abrir os olhos das pessoas”. "Estamos comprometidos a fazer um jornalismo diferente para este país."

A LJR pediu comentários da Polícia Nacional e do Ministério Público, mas não obteve resposta até o fechamento desta nota.

*A LJR conversou com Wendy Funes duas vezes, a primeira em dezembro de 2019 e a segunda nos primeiros dias de dezembro de 2020.

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